Prólogo

796 60 8
                                    

Eu tive uma infância que muitos considerariam normal, pelo menos é o que penso. Sempre tive acesso a tudo o que desejava, principalmente no que diz respeito a bens materiais. Minha mãe raramente me dava atenção, afundada em seu maldito trabalho, enquanto meu pai se perdia no álcool, apesar de desfrutarmos de uma boa condição financeira. Desde cedo, eu me diferenciava das outras crianças. Não tinha interesse em brincar na rua ou com os outros. A solidão era sempre minha melhor companhia. Mentia com facilidade e gostava de manipular as pessoas; achava divertido. Para mim, as pessoas e os sentimentos eram como objetos descartáveis, e eu admito, sou um pouco narcisista.

A minha infância peculiar incluiu um amigo imaginário, Nicholas. Ele era alguém que me compreendia, dava conselhos e brincava comigo.

Em uma noite como tantas outras, ouvi mais uma discussão entre meus pais, algo comum naquela casa. O tema era sempre o mesmo: minha mãe reclamava das ausências do meu pai, que se perdia na bebida após o trabalho, enquanto ele lamentava a falta de atenção dela. No meio desse caos, eu passava despercebida, cuidada apenas pela bondosa empregada, dona Cina. E foi nesse dia que minha frustração e raiva atingiram o limite.

Tomei uma decisão que mudaria minha vida para sempre. Pedi a Cina para ajudá-la a preparar e servir o jantar, e ela, como sempre, consentiu. Antes de iniciar os afazeres, desci até o porão em busca de veneno. Meu pai costumava deixá-lo lá para lidar com os ratos. Ao retornar à cozinha, preparei os pratos, servindo-os com o veneno dissimulado na comida. Era um frango à parmegiana. Sem que Cina percebesse, servi a ambos. Consumiram a refeição avidamente, e em pouco tempo, começaram a passar mal, desabando no chão. A sensação de vê-los sofrer era prazerosa.

Depois que caíram, contei a Cina o que havia feito, e ela não hesitou em chamar a polícia. Lidar com a situação na delegacia foi tranquilo; afinal, o que podem fazer com uma criança de dez anos? Na audiência, confessei tudo em detalhes e passei uma noite na delegacia até decidirem o que fazer comigo.

Meu caso foi a julgamento, e a sentença foi passar um tempo em um hospício em Washington, D.C., onde vivo. Cinco anos se passaram, e meu comportamento, segundo os médicos, melhorou o suficiente para minha reintegração à sociedade. Foram anos desagradáveis, submetida a vários exames que diagnosticaram minha psicopatia e Transtorno de Personalidade Limítrofe. Os remédios me deixavam sonolenta por dias, mas nenhuma alucinação incluía Nicholas. Admito que, de certa forma, fiquei bem, mas sem arrependimento algum.

Órfã, fui enviada para um abrigo no Texas, onde as condições deixavam a desejar, evidenciando o descaso do governo para com os órfãos. Lá, todos sabiam quem eu era de verdade, embora meu feito não tenha recebido destaque nos noticiários, mas repercutiu amplamente na internet e rádio, dado meu lar em Washington, D.C. Em um acordo com o juiz, pude levar uma vida sob vigilância policial e consultas psiquiátricas regulares, sem esperanças de execução, pois a pena de morte fora abolida em Washington, D.C.

No orfanato, no Texas, não fiz amigos e, entre alucinações e realidade, vivi isolada. Hoje, com dezessete anos, tento levar a vida da melhor forma possível, ciente de que, ao atingir a maioridade, estarei completamente por conta própria, com planos já traçados.

A pergunta que ecoa é: é possível mudar a mente de um psicopata?


Obra publicada em 2017, revisada em 2024.

Meu Amigo ImaginárioOnde histórias criam vida. Descubra agora