Não se passaram nem um mês e todos da favela conheciam PH e seus soldados, como eram chamados. Ele adorava passear pela favela ostentando armas e motos de luxo. Recrutou adolescentes e colocou arma na mão deles, eu conhecia a maioria, já que todos estudavam na mesma escola que eu. Eles ficavam o dia inteiro controlando quem entrava e saia da favela. Não se via mais viaturas, nem visitantes ali. Ele tratava todos com gentileza, convocou um baile pra semana que vem e todos estavam animados. Apesar de eu ter falado com ele apenas uma vez, eu sentia uma necessidade descomunal de observa-lo. Eu fazia muito isso. O seguia toda vez que ia pra praia, e observava escondida da minha varanda quando ele ia pra fora de casa observar as estrelas. Sabia que ele e seus soldados pretendiam tomar o dominio da Vila Mosquito, já que lá era o maior comercio de drogas e que ele foi mandado ali pelo PCC pra dominar o maior território possivel. Eu escutava praticamente tudo que ele falava, já que seu quarto era do lado do meu. Escutava todos os planos, escutava os gemidos de Pricila e de Lara, escutava ele chorando com saudade da mãe a noite.
Eu tinha certeza que era quase invisível pra ele, a não ser as vezes que eu fantasiava que ele me olhava enquanto eu subia o morro quando chegava da escola. Ou quando ele chamava minha mãe de sogra nas muitas conversas que eles tinham. Minha mãe criou uma afeição enorme pelos meninos que moravam ali. Passava e cozinhava pra eles sempre que possivel. Eu não sabia ao certo se era afeição ou medo, porque ela sempre dizia que esse povo era imprevisível.
Era cerca de 2e30 da madrugada, e eu não conseguia dormir por causa dos gemidos vindo do quarto de PH. Dessa vez os gemidos não eram nem de Lara, nem de Pricila. Fui até a varanda tomar um ar, me sentei no parapeito e peguei minha cachorra no colo. Fiquei ali observando as estrelas e imaginando como seria minha vida se eu não tivesse saido do Paraná. Ouvi uma movimentação na casa ao lado, e corri pra me esconder atrás da mesa que tinha na varanda. Eu não tinha certeza do por que me escondia, eu só achava melhor deixar eles não se lembrarem que eu existo.
- Xispa. - Eu ouvi a voz de PH.
- Deixa eu dormir com você amor. - Escutei a voz nojenta de Luana, uma das meninas que me odiava.
- Não, já mandei tu ir embora, ta surda? Se não me obedecer, não vai ter mais onça.
- Desculpa, já to indo. Me liga quando quiser.
- Pode deixar.
Escutei alguns passos, e suspirei agradecendo por ter meu silêncio de volta.
- Hey, Gabi, desculpa por ter atrapalhado teu sono. - Escutei a voz debochada vindo da sacada ao lado.
- Não tem problema...- Disse me levantando de trás da mesa.
- Ta tudo bem com tu ? - Eu me surpreendi com a pergunta.
- Ta sim...Por que ?
- Porque eu te vejo aqui fora toda noite, pensativa.
- Saudade de casa. - Meu coração acelerou só pelo fato de saber que ele me observava também.
- Sei bem como é. - Ele encarou o mar de luzes como se lembrasse de alguma coisa.
- Era legal lá em São Paulo ?
- Era...- Ele me olhou surpreso. - Como sabe que sou de lá ?
- Eu ouvi você comentando...
- Ah. - Ele me olhou desconfiado e eu me arrependi de ter revelado que sabia disso. - Vai no baile semana que vem ?
- Não sei, acho que não.
- Por que não ?
- Eu não gosto muito dessas coisas.
- Mas é meu primeiro baile aqui na favela, tu tem que ir! Pelo menos pra embelezar a noite.
Senti meu rosto queimando. E ele satisfeito pelo feito.
- Tu tem quantos anos mesmo? 15? -Ele me perguntou.
- Sim, e tu ?
- 17.
- Ah.
- Gabriela era o nome da minha mãe...- Ele disse isso sorrindo enquanto fintava o céu.
- Eu sei, ela deve estar olhando por você agora.
- Como você sabe disso ? - Ele me olhou assustado. Eu sorri pela careta que ele fez.
- Eu sei muita coisa sobre você, Pedro Henrique.
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Na subida da Favela. (Revisando)
Novela Juvenil" A nossa realidade é outra, a nossa verdade é outra. No meio da contradição, o certo agindo errado e o que era pra ser errado agindo certo. No meio da morte, No meio da fé, da entrega da coisa mais preciosa que se tem pra honrar o lugar da onde se...