DOZE. Quem É A Senhora?

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Medeia mexeu no cinto de segurança que a prendia de ponta cabeça dentro de seu carro capotado. Mexeu de novo e de novo e conseguiu se libertar. Ela deu uma boa olhada em si mesma. Havia conseguido apenas um corte no braço. Depois deu uma boa olhada a sua volta. A pessoa que havia atirado contra ela, seja lá quem fosse... Não se encontrava mais.

- Volte – já – para – casa! – Noemi a ordenou do outro lado da linha ao telefone mais tarde.

- E se isso for "casa"? Esse lugar? – Medeia perguntou enquanto enrolava a toalha em seu corpo. Acabava de sair do banho em seu quartinho sem luxos no hotel precário onde se hospedava.

- Essa foi a maior loucura que você já disse, e olha que você já disse muitas. Medeia, como esse lugar pode ser a sua casa? Lugar onde gente tenta te matar?

- Olha, ao menos eu estou tendo avanço no meu propósito. Hoje eu coletei informações sobre o Joel. Quanto a tal ex-namorada dele, a Anna Rose, eu descobri...

- Cala a boca. Eu estou indo até aí – Noemi então disse como se fosse a coisa mais natural do mundo como se estivesse na casa ao lado e não há várias horas de distância lá na cidade e desligou.

Medeia ficou encarando o telefone em sua mão, perplexa, e logo riu. Era só o que restava fazer.

6 horas da manhã e Noemi chegou de carro em frente ao hotelzinho rural onde Medeia se acomodava.

- Eu não acredito que você veio mesmo – Medeia dizendo com os braços cruzados, guiando Noemi para dentro do quarto tão marrom, fechou a porta.

- Eu não acredito que você está aí tranquila com essa cara de tacho quando há menos de 24 horas atiraram contra você na tentativa de te matar!

- Pode ter sido um caçador. Mirava em um alce, um veado do campo e acertou o meu carro. Eu...

Noemi se cansou de tudo aquilo. Ela agarrou Medeia pelos ombros e PLAFT! PLAFT! Acertou duas bofetadas na cara dela.

- Acorda, mulher!

- Noemi, pelo amor de... O que diabos você está fazendo? – Medeia se afastou assustada.

- Eu estou tentando te salvar. Tentando fazer com que abra os olhos, acorde! Por mais quanto tempo vai se esforçar para ignorar a perigosa verdade de que você tem inimigos que querem acabar com a sua vida?!

- Para, para de falar essas coisas.

- Ah, mas eu vou falar e VOU GRITAR! Porque eu sou a sua amiga, merda! Eu quero te proteger – Noemi a agarrou pelos ombros novamente. – E a única forma de proteção é reconhecendo isso. Pode ter sido Simão...

- Simão fazer uso do seu dinheiro para pagar gente para me matar? Ele é uma piada. Nunca teria estômago para tanto por mais que se sentisse rejeitado.

- Pode ter sido o seu ex-marido que sumiu no mundo então, o Neto.

- E falando de não ter estômago... O Neto? Um covarde galinhão ainda maior do que o Simão.

- Pode ter sido a sua filha Isadora porque ela é uma cadela do inferno, pode ter sido Joel porque ele não passa de um ponto de interrogação com um pinto duro e grande.

- Agora você já foi longe demais – Medeia protestou. – Isadora? Joel? Eles estão mortos! Respeite a memória deles.

PLAFT! PLAFT! Noemi deu outras duas bofetadas na cara de Medeia, que dessa vez se irritou tanto a ponto de beliscar com força o mamilo de Noemi, a causando dor também em resposta.

- Acorda! Acorda pra realidade. Nunca teve corpo nenhum encontrado. De Isadora, de Joel. Eles só podem estar vivos! E a prova foi essa aí. Os tiros, o seu carro capotado. Eles querem você, Medeia. O teu passado negro quer o seu fim.

Noemi foi embora naquela mesma tarde. Ela podia estar de volta para perto de seu noivo na cidade grande, mas suas palavras permaneceram com Medeia no campo que agora refletia sobre tudo. Pensativa, Medeia parou sua caminhada no fim da tarde para conversar com a senhora que mais parecia uma índia sentada em um toco na entrada da parte mais densa da floresta.

- Joel Bullmap. O que pode me dizer sobre esse homem? – Medeia a perguntou.

- Joel. Pequeno Joel. Que menininho esperto ele foi. Tão valente. Ele foi muito maltratado, você entende? A mãe dele era uma viciada em cheirar ópio, virou dançarina de cabaré e o seu pai morreu na cadeia por ter forçado um monte de mulheres a se deitar sob ele contra a vontade delas. Joel se tornou uma criança sem amparo, sem rumo. Ele passou fome, viveu pelas ruas, bebeu água de poça d'água em calçada para não perecer.

Medeia ouviu todas aquelas palavras sem piscar.

- Mas... Ele está morto. Não está? Joel nunca mais foi visto. Você confirma que ele está morto?

- Oh! Lá vem a minha fera do amor – a senhora com ares de índia preferiu dizer mudando completamente de assunto.

- Do que a senhora está falando?

Medeia teve a sua resposta quando o coelho cinza veio saltando entre as folhas secas e pulou sobre o colo da senhora, repousou ali.

- Essa é a minha fera do amor.

- Mas é um coelho.

- E qual é o problema? A fera do amor de uma pessoa pode ser um amigo, uma rajada de vento, uma mãe, uma mulher amada. Já conheci gente que tinha pássaro como sua fera do amor e eles são chamados assim porque nos enchem do sentimento do amor de uma forma que não se explica.

- Bem... E como a senhora sabia que ele se aproximava?

- Você sabe quando a sua fera do amor se aproxima. Você sente frio e calor ao mesmo tempo, os pelos do seu corpo se arrepiam, você quer rir, quer chorar também, um nó na garganta.

Confusa sobre tudo aquilo, Medeia foi embora e nem sabia se deveria agradecer. Ela andou mais até que encontrou uma clareira formada por pinheiros altos. Ela parou. Parou porque sua respiração se tornou acelerada de repente. Veio o arrepio, veio o nó na garganta e o calor dentro do peito. Ela se virou. Joel vinha caminhando com olhar desconfiado em sua direção carregando um bocado de tocos de madeira sobre os seus ombros com seus braços poderosos. Como sempre apenas usava calça, nenhuma camisa escondendo seu peitoral suado e convidativo.

Medeia correu tão rápido até ele, o abraçou tão imediatamente que Joel derrubou toda aquela madeira que carregava.

- É você?! Me fala que não é um sonho! Por onde você andou? Por onde esteve? – Medeia perguntava agitada segurando o bonito rosto dele.

- Quem é a senhora? – Foi o que Joel se limitou a dizer correndo a mão por seus lábios rosados e carnudos.

Medeia se afastou em choque. Dois passos para trás. Passado aquele momento inicial de euforia ela olhou fundo nos olhos dele, agora com calma e realmente admitiu: ele não sabia mais quem ela era. A memória de Joel havia sido varrida como todas aquelas folhas eram varridas para longe todo o tempo pelo misterioso vento. 

 

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O Jardineiro AmadoOnde histórias criam vida. Descubra agora