Pingos de chuva

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Todos nós cometemos erros, muitos deles. Algumas vezes, podemos evitá-los, mas não o fazemos, em outras, repetimos os mesmos. Mas há momentos em que não temos escolha. Há momentos em que o certo para você, não é certo para alguém que você ama. E há momentos em que os erros que você comete, não são sequer sua culpa.

Acordar no dia seguinte esperando que todos os meus problemas tivessem sido resolvidos seria ilusão. Em vez disso, eu acordo cansada por ter pensado demais e dormido de menos. Minha mãe tem uma doença, ela nem sempre pode controlar suas ações e a forma com que sente ou age. Isso me preocupa, mas ela está passando por acompanhamento médico e tem tomado remédio e eu decido usar isso como tranquilizante. Quanto a minha relação com ela, eu honestamente não sei como vai ser daqui para frente, mas cheguei a uma conclusão: preciso de tempo. Só o tempo vai me ajudar a processar e entender tudo isso.

É pensando nisso que me despeço da minha família no domingo.

— Vejo vocês em algumas semanas e via Skype. – Digo. César e meu pai me abraçam.

Minha mãe vem depois, com os lábios contraídos e o olhar vago, nos abraçamos e dizemos "tchau". Uma despedida de quem sabe que as coisas entre nós não serão perfeitas a partir de agora, mas serão melhores.

Quando volto para BH e encontro Beca sentada no sofá, abraçando as próprias pernas, não tenho certeza do que devo fazer. Mas acabo me aproximando.

— Beca. – Chamo. Ela ergue a cabeça e olha para mim com os olhos inchados. — Eu sinto muito. – Confesso.

— Eu também.

— Como ela está?

— Vai ficar bem, eu só... Eu não aguento mais viver com essa preocupação constante, sabe? – Diz e uma lágrima solitária escorre por suas bochechas, eu balanço a cabeça.

— Tem uma coisa que preciso te contar.

— Eu sei. Digo, eu já sei. Não foi sua culpa, Lia.

— Eu sei que não.

— Pietro também sabe. – Fala tão baixo que se não fosse pela leitura labial, eu não entenderia. — Ele só precisa de um tempo, todos nós precisamos disso agora, tudo é muito difícil e doloroso.

— Eu entendo. – Digo, acariciando seus cabelos, que, por sinal, são tão macios quantos os do irmão. — É por isso que vou me mudar.

— O quê? – Pergunta com a testa franzida.

— Todos nós precisamos de um tempo. Morar com vocês só tem complicado mais as coisas.

— Mas...

— Beca, Pietro e eu fizemos tudo rápido demais. Nós ficamos juntos sem antes nos conhecer direito, não somos mais os mesmos de três anos atrás. Mas isso não é ruim, só significa que precisamos descobrir como funcionamos como um casal.

— E por isso vocês vão ficar separados?

— Não. Vamos ficar separados porque ambos precisamos de um tempo sozinhos para saber o que queremos e como queremos, se as decisões forem as mesmas, podemos tentar de novo, caso contrário, vida que segue.

— Como você pode dizer isso assim?

— As coisas não são feitas para durar, quanto antes você aceitar isso, menos vai doer. – Digo e ela dá um leve sorriso.

No dia seguinte, organizo as minhas mudanças para ir para casa da Ana, por sorte, ela concordou com isso antes que eu tivesse que implorar.

— Queria que pudesse ser diferente. – Analu diz, enquanto me ajuda a colocar as roupas numa mala.

— As coisas são como são, mas isso não significa que vamos deixar de ser amigas, né?

— Claro que não, você está doida? Vai ter que me aturar por muitos almoços no RU ainda. – Fala e nós rimos, trocando um abraço. É engraçado pensar que antes de mudar para cá, eu achava que não iria aguentar a convivência com as duas amigas fãs de Taylor Swift, mas agora, meu coração está apertado por ter que dizer um "até logo".

A casa da Ana não é longe, fica na mesma rua que nosso apartamento, mas levar minhas coisas até lá não é assim tão fácil. Para minha surpresa, Pietro aparece oferecendo ajuda.

— Oi. – Ele diz.

— Oi.

— Quer ajuda?

— Por favor! – Exclamo e ele dá um leve sorriso, pegando um dos meus puffs. Porque sim, eu gosto de puffs e tenho dois.

Pietro, eu, um puff e uma mala dentro de um elevador não parece o melhor cenário, experimente adicionar um silêncio constrangedor na receita.

Quase entalamos ao tentar sair do elevador ao mesmo tempo, uma risada estranha de ambas as partes e eu saio primeiro. Alguns pingos de chuva molham o meu rosto, olho para Pietro e há vários pingos presos em seus cachos, o que me dá vontade sorrir, mas sua expressão está tão fria que acabo desistindo da ideia.

— Eu tô com medo, Lia. – Diz.

— Medo de quê?

— De como as coisas vão ser a partir de agora.

— Ah. Eu também tô com medo disso. Mas, olha, vai ficar tudo bem, tenho certeza. – Ele balança a cabeça concordando, tenho a impressão de que vai falar mais alguma coisa, mas chegamos a casa, onde Ana e Rogério nos esperam no portão.

— Tem mais coisa para pegar lá? – Rogério pergunta.

— Tem. – Respondo.

— Vou ajudar vocês. – E sai com Pietro.

— Tudo bem? – Ana pergunta.

— Uhum. – E a abraço. Talvez não esteja tudo muito bem, mas vai ficar.

Quando os garotos voltam, eu sei que tenho que me despedir de Pietro.

— Ei, você deixou uma coisa comigo. – Falo, abrindo a mala e pegando o livro.

— Ah, tava com você, né? Tinha até esquecido. – Ele estica a mão para pagá-lo, mas muda de ideia. — Você terminou de ler?

— Não, faltam umas páginas ainda.

— Fica com ele então. – Diz. Eu franzo a testa. O que isso significa? E se eu nunca tiver a oportunidade de devolver?

— Certeza?

— Claro.

— Tá. - Respondo, hesitante. — Então... Tchau?

— Tchau. – Sorri e envolve os braços na minha cintura. Eu aproveito para acariciar seu cabelo uma última vez, lembrando do dia em que nos reencontramos perto do colégio, tanta coisa mudou desde então e aqui estamos, em mais uma despedida.

Em questão de segundos, Pietro está indo embora, eu fico no portão até vê-lo parar na entrada do prédio, ele olha para trás, me lança um último "tchau" e entra.

As coisas não são feitas para durar.

Bons momentos, maus momentos, cada um deles moldou a minha personalidade, mas ambos fazem parte do passado agora. Daqui para frente, novas memórias serão feitas e, apesar de estar assustada por não fazer ideia de para onde estou indo, sei que vou ficar bem, sei que vai acabar valendo a pena.

************

Tá. Eu sei. Não me matem. Leiam o que eu tenho para dizer e lembrem-se que ainda tem um epílogo.

Eu juro que quando comecei a escrever esse capítulo ainda não sabia como iria acabar. A minha ideia inicial era um final feliz daqueles bem melosos, mas eu/minha escrita mudou tanto desde que comecei a escrever essa história, que fazer o que eu tinha planejado antes não me pareceu sensato.

Aliás, faz um ano que comecei a escrever isso aqui, dá pra acreditar? É uma promessa pra vocês e pra mim mesma que todas as minhas próximas histórias serão terminadas mais rápido que isso.

Agora, pra vocês que estão me matando mentalmente: não acabou, ainda tem um epílogo. Acho que até amanhã sai, ok? Again: NÃO ESPEREM NADA MUITO IDEALIZADO.

É isso, não me odeiem e até mais. Bjbj <3

As Duas VersõesOnde histórias criam vida. Descubra agora