O início - flashback

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Aula de história. Tinha tudo para ser uma das minhas aulas preferidas, mas não é. Aí você me pergunta: por que, Lia? Bem, o professor é um babaca, sem brincadeira. Nesse exato momento ele está falando sobre a Revolução Industrial, mais precisamente sobre essa ter sido a época em que as mulheres começaram a trabalhar fora de casa, o que é algo bem legal, certo? Não. Pelo menos não de acordo com o meu professor. Ele está fazendo um discurso  sobre "ter deixado as mulheres saírem de casa para trabalhar naquela época ter sido uma das maiores burradas que os homens já fizeram (!!!!!!!!). Porque afinal, foi aí que elas começaram a achar que têm direito de escolha e que podem ser independentes, sem contar que lugar de mulher é em casa, cuidando dos filhos e do marido." É, ou não é para odiar a aula? O pior é que parece que eu sou a única pessoa a se importar com isso, até a Ana aparenta estar muito ocupada escrevendo algum de seus contos no caderno. Ninguém, absolutamente ninguém está tentando contra-argumentar com o professor babaca, acho que nem estão ouvindo as baboseiras que ele diz. Meu coração dispara, enquanto eu penso em retrucar suas falas, mas então eu escuto o professor dizer:

— Pois não, Pietro? - Olho na direção do garoto que ainda está com as mãos levantadas e penso que ele provavelmente só vai pedir para ir ao banheiro, afinas de contas, ele é da turma do fundão.

— Eu discordo do senhor. - O garoto fala e eu arregalo os olhos. Ele disse isso mesmo?

— Oras, como homem, como você pode discordar? - O professor pergunta com seu ar de superioridade.

— Na verdade, é exatamente por ser homem que eu discordo. As mulheres têm o direito de fazer o que bem entendem, afinal elas são donas de si mesmas. E ainda bem que na época da Revolução Industrial a mão de obra delas foi necessária, assim elas puderam finalmente começar a enxergar que deveriam lutar pelos seus direitos, direitos esses, que elas deveriam ter tido desde o começo dos tempos. - O tal de Pietro fala e tudo que eu consigo fazer é ficar boquiaberta. Quem é aquele garoto? E por que eu nunca tinha notado a sua existência antes? 

— Mas que absurdo, Pietro! Mulheres são muito inferiores aos homens em relação a tudo, com exceção, é claro, do serviço doméstico. Não fomos feitos para isso. - Ele diz dando uma risadinha e eu reviro os olhos.

— E por que é que elas foram? Eu não sei de onde os homens tiraram isso de que são superiores às mulheres.

— É só analisar os fatos, meu caro.

— Analisando os fatos, meu caro, a diretora dessa escola é uma mulher e ela pode te demitir quando bem entender. - Pietro fala e eu solto uma risadinha de comemoração. Olho para os lados para ver se alguém está vendo aquilo, mas ninguém está. Somente eu. Fico pensando em como um garoto que pensa dessa forma pode estudar comigo desde o ano passado sem que eu o tenha notado, sério. Onde ele estava se escondendo até aqui? Ou será que eu é que sou a preconceituosa que acha que "garotos do fundão" não estão nem aí para nada?

— Pietro, por favor, retire-se da minha aula. - O professor fala e eu fico boquiaberta. Como assim?!? Pietro olha para os próprios pés até que, finalmente, começa a se levantar.

— Ei, espera! - Eu grito, em uma ato de coragem que faz Ana me encarar. — O senhor está expulsando ele da aula porque ele tem uma opinião diferente da sua? - Pergunto, com a voz vacilante.

— Estou expulsando-o pois ele me desrespeitou.

— Não foi desrespeito, ele só estava expressando sua opinião. É um país livre. - Digo nervosa e olho para Pietro, aparentemente pela primeira vez na vida, porque até hoje eu só sabia da sua existência, mas agora é como se eu estivesse finalmente enxergando-o. E então ele sorri para mim, o que me deixa constrangida.

As Duas VersõesOnde histórias criam vida. Descubra agora