1. Adeus.

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             Um corvo pousou no parapeito da janela de Miguel naquela tarde. Corvos eram reconhecidos pelo sinal de mau presságio em uma outra época.



              O Telefone havia tocado algumas outras vezes, mas agora o silêncio havia sido retomado na casa. Várias pessoas já teriam ido atender, ou até mesmo desligar o aparelho, porém aquele rapaz estava distante, praticamente em outro mundo. Não atendeu ao telefone nas duas primeiras vezes que ele tocou. Estava ocupado com o TCC da faculdade e precisava de toda a concentração possível. Estava com uma aparência visivelmente cansada. A bagunça na mesa exemplificaria caso alguém se perguntasse. Os esforços que fazia para ser reconhecido como o número um da turma de direito. Olhou para o radio-relógio: Dezessete horas e trinta e seis minutos.

              Suspirou. Dois terços do TCC estavam finalmente prontos. Deixando o peso cair sobre a cadeira o líder dos Karas... Ou melhor, o Ex-líder dos Karas. Respirou fundo, misturando cansaço com fome. Não comia direito havia alguns dias. Apenas sanduíches rápidos, nenhuma refeição completa. Caminhou em direção à cozinha e antes de abrir a geladeira o telefone tocou uma vez mais.

            Miguel se perguntou qual seria o motivo da ligação. Elas vieram em espaços de tempo parecidos. Quinze minutos de diferença para cada chamada. De fato, deveria ser algo importante. Perto do terceiro toque resolveu atender. Era uma mulher.

            — Alô boa tarde.

            —Boa tarde...—Disse Miguel deixando que seu tom de voz indicasse o seu desinteresse na chamada —

            —Gostaria de falar com...

            Miguel confirmou seus dados pessoais ainda sem interesse.

            —Senhor Miguel, Tentei ligar para a sua residência algumas vezes, por sorte consegui lhe contatar antes do nosso expediente se encerrar.

             —Qual o motivo da ligação?

             —Venho lhe dar uma triste notícia Senhor, Chegou ao nosso conhecimento que um parente proximo ao senhor veio a falecer. Reunimos seus pertences e a algumas coisas que foram deixadas para o senhor e mais cinco filhos.

             Miguel refletiu por um breve momento. Não havia nem dois meses que toda a família se reuniu para comemorar as bodas de diamante de um casal de avós paternos. Não entendeu. E se viesse a acontecer algo do tipo, a Mãe ou o Pai viriam avisá-lo.

            —Parente próximo?

            —Exatamente senhor, ele veio a morrer a duas semanas atrás. Conseguimos uma cerimônia simples para a os filhos se despedirem do pai.

               Miguel suspirou paciente. Paciência essa, maior do que aquilo merecia em sua concepção.

             —Acho que tem algo errado senhora..

             —Aqui consta no testamento do falecido o seu nome, Senhor. O Senhor é um filho legitimado do falecido? Entendo caso isso seja um assunto pessoal..

              Miguel suspirou, já havia falado tempo demais com aquela mulher.

            —Senhora, eu não tenho tempo para todo esse rodeio. Pode me dizer, por favor, quem é o falecido?

              Naquele momento, tudo ao redor de Miguel pareceu menor. A Tristeza veio e tomou seu ser tão depressa, que se fosse um pouco menos instável emocionalmente, teria desmaiado. Seus olhos marejaram-se no mesmo segundo.

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