O dia vinha lento pelas janelas de vidro quando Vlad saiu do transe e se levantou da poltrona. No dedo o anel de platina com o símbolo da Ordem do Dragão, símbolo de toda uma vida de vingança cega e atormentada, afinal, não havia uma noite sequer em que não ouvisse os gritos dos seus inimigos com as estacas no peito. Uma crueldade que cometeu e que pagará quando chegar a hora, pela centésima vez, num ciclo que se repetia para expurgar as almas condenadas injustamente, o que não significava poupá-lo.
Romina ainda dormia lá em cima exausta pelo rigor de atividades que faziam, era ele quem teria que buscar algo para ela.
Olhou a dispensa e estava cheia, não teria que sair por um bom tempo dali, com esse pensamento se recordou dos tempos em que estava sob a guarda turca num acordo de seu pai e o sultão do império Otomano.
Recordar seu passado era uma forma de não se esquecer para que vivia, ainda, entre os vivos.
Num sonho distante Vlad era um garoto que corria da mãe com os irmãos e se escondia entre os pilares do monastério que visitavam...
"Era ano de 1444 d.C tinha então treze anos quando foi levado pelos turcos, seu pai havia voltado ao trono depois de sofrerem a invasão turca em 1442 e o então Rei da Hungria, João Corvino ter feito com que fugissem para colocar no trono um rival, um Danesti, Basarab II.
No ano de 1443, seu pai retornou ao trono e como prova de que era leal ao sultão em comum acordo mandou Vlad e Radu para viver entre os otomanos, em Adrianopla. Naquele mesmo ano de 1444, Ladislau V, o rei húngaro, do qual o principado da Valáquia era vassalo, deu ordens para um exercito afastar os turcos da Europa, com isso João Corvino ordenou que Vlad II, pai, assumisse seus deveres como subordinado e membro da Ordem do Dragão na Batalha de Varna sob o comando dele. Porem, o Papa Eugenio IV, concedeu a absolvição de Vlad II de sua obrigação, mas acabaram por enviar o irmão mais velho de Vlad, Mircea.
A separação dos três não deixou de causar uma dor profunda em seus corações, tudo o que era mais sagrado, sua família lhe tinha sido arrancado. Dos mais novos, Vlad, que era o do meio, descobriu todo o plano durante uma ida ao quarto da mãe.
A porta entreaberta deixou que os sussurros dos pais fossem escutados e chamaram a atenção do garoto que passava pelo corredor.
- Ainda não me acostumei com isso Vlad, deixar nossos filhos irem assim de nós como se fossem estranhos. – dizia ela gesticulando com a cruz do medalhão do pescoço entre os dedos.
- O que podemos fazer? Pelo menos temos a garantia de que Vlad e Radu ficaram bem.
- E Mircea? Não se importa?
- Me importo, mas o que posso fazer além de acreditar na educação do meu filho? Foram criados sabendo disso Cneajna. O que mais poderia fazer?
- Impedir, Vlad. Impedir!
Vlad filho que ouviu tudo correu de encontro ao seu irmão Radu e contou o que soube, isso justificava a cara murcha de Mircea nos últimos dias. Mas seus esforços de ajudar o irmão se perderam quando o exercito do sultão apareceu e o levou no fim da tarde do dia seguinte.
Soube depois de já estar entre os turcos que a Batalha de Varna fora perdida e que Corvino fugiu da Batalha deixando no limbo a pouca gloria dos Cavalheiros Brancos. Mas sabia que aquela altura seu pai e irmão culpavam Corvino pelo fracasso da Batalha.
Um ano antes de voltar a Valáquia, Vlad recebeu a noticia de que seu pai e irmão tinham sido assassinados.
Mircea foi enterrado vivo em Tirgoviste.
O ódio que se consumiu dentro dele o fez planejar de todas as formas que os responsáveis pagassem, os turcos e João Corvino.
Em 1448, aos dezessete anos, tirou um Danesti no trono e subiu ao posto que fora do seu pai com ajuda turca, mas com a pouca idade e ainda sem idéias amadurecidos Corvino o forçou há fugir dois meses depois e Vlad foi se refugiar com o primo, príncipe da Moldávia, Vladislav II.
Tudo ia bem até 1451 quando Bogdan II da Moldávia foi assassinado e Vlad tinha apenas vinte anos..."
Nessa altura a manha ia alta e Romina já estava de pé na porta observando Vlad de olho para os fundos da casa através da janela.
O olhar perdido sugeria que tinha percorrido o passado e ela queria se inteirar dele. Mas respeitando o tempo dele, afinal, sabia de suas atrocidades, mas não quais.
- Vlad?
- De pé? Achei que fosse demorar.
- Perdi o sono.
- O que precisa tem aqui, não se preocupe com nada. Preciso resolver umas pendências. Com licença.
Romina o deixou passar, não sem antes olhar para trás e vendo-o vacilar nas escadas com os olhos fixos nela, o anel do dedo indicador reluzindo na luz da manhã, voltou a olhá-lo e ele subiu as escadas com passos firmes.
O limite tênue tinha chegado ao limite da flexibilidade, as cartas estavam sendo postas a mesa a contragostos, e havia uma única condição repetida infinitamente:
"Cuidado Com O Que Pede!"
Deixando Romina sozinha na cozinha se retirou para a biblioteca, queria dividir com ela tudo o que sentia, mas somente se ela assim o quisesse e quando quisesse. E ele iria esperá-la com o coração aberto na pagina de um livro bastante gasto e obscuro. O seu.
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Garota Besta-Fera & Outros Contos Adaptados (Sob Revisão)
Short StoryUma nova versão dos grandes contos! E que tal começarmos com... "A Bela e A Fera?"