Londres, Maio de 2016 d.C
Era um dia comum na universidade, apesar de já ser alta a primavera um frio ainda cortava as arvores do campus.
Eu folheava com tédio minha tese quando uma rajada de vento entrou balançando a cortina e jogando meus papeis no chão, ao me abaixar para pega-los vi um panfleto de uma agencia de viagens que eu havia pego na rua por um gentil senhor, a oferta quente da estação era um tour pela Transilvânia...
Como amante da historia misteriosa que se esconde nas paginas inescritas dos livros achei que aquilo foi uma conspiração do destino para que eu saísse da mesmice e ganhasse uma nova experiência.
De historiadora maluca eu já tinha fama, e já era hora de provar um pouco dela aos meus céticos amigos.
Toda historia tem dois lados, assim como o Yin e o Yang, o Vermelho e o Negro, o feudo e o vassalo, o Homem e a Mulher...
Seguindo essa linha de pensamento eu acreditava que Indiana Jones precisava de uma mulher a sua altura e essa mulher era, eu.
- Romênia?– me indagou meu professor orientador da tese entregando o panfleto de volta pra mim. – Isso não tem nada a ver com sua tese, você escreve sobre os vikings...
- Por isso mesmo, estou tão sobrecarregada que preciso de férias, não posso ficar muito tempo, volto em um mês!
- E as férias de Tina?
- Não, ela vai pros EUA e eu não quero ir.
- Bom você já esta tão adiantada na tese que acho que esse mês revigorará sua cabecinha fértil, vá. – ele deu uma palmadinha no meu ombro.
Foi um tempo recorde o que eu usei para arrumar a mala, consultei o clima de lá pelo aplicativo e estava fazendo muito vento principalmente no crepúsculo e a noite toda.
A Romênia tem uma região bastante montanhosa conhecida como Cárpatos que eu já conhecia de leituras, mas nunca profundamente, e já era hora de satisfazer a geógrafa presa dentro de mim.
Digitei num site de busca opções de hotel encontrei o meu elo perdido...
Depois de ler tudo aquilo o assunto me recordou de quando li Drácula pela primeira vez, eu tinha uns 14 anos quando peguei aquele livro velho na biblioteca...
Era uma garota com tendências fanáticas por assuntos inabordáveis em conversas adolescentes, caso isso não tivesse o teor romance no meio, então passei a ler aquele livro como quem lê a alma de algum ser vivente...
Me apaixonei, e foi um amor masoquista, pressuponho, por uma criatura terrível e monstruosa que não tinha um pingo de compaixão.
Mas eu o amei.
Sem esperar resposta e sem reclamar, eu o via como um cara incompreendido que teve lá seus motivos para aceitar ser o que era, imagine a solidão ao ver todos morrendo e você ali sem um sinal de velhice, a beleza eterna de viver sem preocupação com o amanha, exceto ao ter que sugar o sangue de alguém, isso dava uma brecha para reflexões, que ele não era muito diferente de nós que sugamos tudo que nos aparece pela frente...
Fuçando na prateleira de livros encontrei o livro que tinha de Bram Stocker e um papel amarelado caiu no chão quando o abri...
Pela letra voltei no tempo quando eu tinha 20 anos...
Tinha comprado ingressos para ir assistir a nova versão do filme com um quê de historia não contada, meu namorado topou e fomos juntos.
A começar pela beleza quase exótica do ator o filme todo me deixou muito impressionada, era quase que exatamente o que eu imaginava do Conde, fiquei revivendo tudo na memória e sentindo cada vez mais empatia pelo vampiro solitário, chorei em algumas cenas sob olhares estranhos direcionados a mim, e o poema recitado grudou no meu ouvido e nunca mais saiu da minha cabeça depois daquele dia.
-... Se uma dá para outra a partida. – sussurrei baixinho enquanto eu digitava o poema em busca dele completo.
Meu namorado debochou.
- É um poema estranho, parece bruxaria.
- É Rumi, poeta transcendental.
- São coisas do filme pra dar realidade.
- Você não gostou?
- Não entendi nada dele. E o que você quer com ele?
- Achei bonito.
- Deixe disso.
Naquela hora um balde de água fria caiu em mim, eu estava com o cara errado e não por falta de aviso.
O resultado foi que terminamos alguns meses depois e para que eu não surtasse solitária me enterrei nos contos vikings ao qual lanço minha tese hoje...
Deixei meu amor pelo vampiro esfriar na memória, contudo parecia que agora ele queria sair do baú meio chateado por ter sido trocado por homens do norte.
-"Not on the Stygian shore, nor in clear sheen
Or far Elysian plain, shall we meet those
Among the dead whose pupils we have been,
Nor those great shades whom we have held as foes:
No meadow of asphodel our feet shall tread,
Nor shall we look each other in the face
To love or hate each other being dead,
Hoping some praise, or fearing some disgrace.
We shall not argue saying "Twas thus" or "thus",
Our argument's whole drift we shall forget:
Who's right, who's wrong, 'twill be all one to us;
We shall not even know that we have met.
Yet meet we shall, and part, and meet again,
Where dead men meet, on lips of living men.
Ao ler em voz alta o que estava escrito no papel às cortinas da janela balançaram com o vento o que me tirou a atenção do papel, de relance parecia que alguém tinha passado por ali, deixei o livro na cama e botei a cara para fora...
Um guincho agudo veio em cima da minha cabeça...
Era apenas um morcego.
Fechei as janelas e puxei as cortinas, deitei para dormir o sono dos justos, mas o poema ainda vinha na minha mente o tempo todo...
Para desencargo de consciência, peguei o papel e enfiei embaixo do travesseiro assim poderia dormir com uma das mãos sentindo o toque seco do papel, em poucos segundos seguido de um sono pesado, eu adormeci.
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Garota Besta-Fera & Outros Contos Adaptados (Sob Revisão)
Short StoryUma nova versão dos grandes contos! E que tal começarmos com... "A Bela e A Fera?"