A forma como terminamos a história não poderia ter ocasionado reviravolta maior, depois que Vlad e eu combinamos onde nos encontrar para o ato final ainda pude vê-lo suspirar antes de partir; seus olhos frios escondiam de mim alguma coisa e talvez nem Alex soubesse do que se tratava, aquilo ali mais me parecia remorso de vidas passadas.
Um dos diálogos que tivemos a beira da lareira ficou se repetindo na minha mente, ainda observava o diário dela que ele possuía, escrito a mais seculos que posso contar, quando ele que estava de pé a sombra remexendo as brasas me perguntou de forma dura.
- Acredita em reencarnação?
Rapidamente levantei os olhos do livro para observar seus modos.
- Depende. De quem estamos falando?
- Qualquer um.
- Preciso de nomes pra ajudar.
- Alex ou, eu.
- Se acredito que você reencarnaria? - franzi as sobrancelhas, uma maldição poderia quebrar esse elo? talvez, muito provavelmente eu não viveria para saber.
- Acredita?
- Está me escondendo algo, não está?
- Sim, eu escondo muita coisa de você e de todos aqui. Só preciso que me responda.
- Tem que ser eu a fazer isso?
- Tem. - ele foi direto, mas se calando em seguida voltando a remexer nas brasas.
Fiquei em silêncio e não respondi, ao contrário, examinei todas as possibilidades racionais e irracionais para ver o que colhia delas, no momento não me veio nada oportuno para dizer a ele.
...
Agora estávamos em plena noite fria do leste europeu amocados em uma viela esperando a chegada da Condessa, o que não demoraria muito, Alex tentava se concentrar revirando uma moeda entre os dedos observando de longe as ruas que davam para o beco escuro. Vlad se encostava a uma lata velha enquanto observava o céu, nostálgico. Eu era a unica ali que tinha medo.
Ela chegou sozinha, para nosso espanto, e pediu que a seguíssemos rua a cima.
- Olá, boa noite a todos os três presentes, espero que nosso encontro seja muito pacífico, ainda mais por que dessa vez temos uma moça no mesmo recinto.
- Dá ultima vez você que apelou pra violência. - Alex disse sob a voz cortante dela.
- Mas hoje, meus caros, há uma surpresa que agradará a todos. Basta me seguir.
Andamos atrás dela com os olhos atentos, chegamos a uma porta logo a frente que ela bateu, suas mãos possuíam luvas escuras. Ao seu toque a mesma foi aberta e entramos, havia uma sala de estar antiga e bem limpa, moveis de veludo, aparentemente pertences que ela guardava a muito tempo.
- Bem, eu serei breve. É chegada a nossa hora, Vlad e precisamos aceitar isso.
- Nossa hora?
- Completei uma centena de diários antigos de companheiros e todos eles me levaram a crer que sim, existe um prazo para essa maldição acabar e a nossa hora chegou.
- Andar por leilões e invadindo bibliotecas fez de você uma especialista?
- Não, mas um professor fez.
Cerascescu abriu uma porta do fundo reluzindo uma espada afiada com os olhos em nós.
- Há tempo de plantar, há tempo de colher e há tempo de ceifar. - disse ele pousando a espada limpa em uma mesa.
- Vou começar o nosso diálogo final, estar nesse mundo me fez ver que vida eterna, riqueza, beleza, só me tornaram mais aborrecida, infeliz, e que talvez desejar a morte, como os mortais, não seja loucura, seja a solução. - ela se virou para nós e vi seu rosto pela primeira vez na claridade das velas. Era uma mulher bonita de traços finos, porém, havia uma aura esbranquiçada nos mesmos olhos vermelhos.
- E como chegou a isso?
- Ora, Calígula.
- Depois que o matamos você entendeu isso?
- Basicamente, a sua frase de "Há tempo para tudo" ficou mais em mim muito mais que em você pelo visto.
- Sim, devo dizer que ficou.
- A solução para nós está aqui, você se reúne com sua Mina, eu volto para o inferno e ficamos todos bem, não é melhor?
- Isso parece mais uma emboscada sua do que verdade. - Alex foi categórico.
- Se quiser comprovar, pode fazer isso com seus próprios olhos.
Ela fez sinal para que o professor se aproximasse e retirou o casaco, vestia um vestido preto fino num ar de luto, ele retirou um punhal adornado de cobre no cabo e lhe entregou.
- Eu deixei tudo registrado em cartas que chegarão para vocês, não vou perder meu tempo explicando, Vlad sempre soube, eu conclui minha missão, eu exterminei o ultimo herdeiro daquela raça maldita, não há mais sangue daquele que me violou nesta terra, meu propósito foi vencido e meu tempo chegou.
- Isso explica a sua aura branca? - Vlad se aproximou dela, a condessa recuou um pouco temendo ser impedida.
- É a maldição de Calígula, Vlad, você também a tem e sabe disso. Mas a sua você esconde no peito, longe dos olhos dos curiosos.
Com uma ultima olhada para o fio afiado, ela me olhou juntamente com Alex.
- Estão confortáveis?! Um monstro irá deixar a terra agora para sempre. - e com os olhos em Vlad ela murmurou algo em latim antes de enfiar o punhal em sua própria barriga.
Nossos olhos incrédulos tentaram ajudar Vlad a socorre-la depois do grito agudo, rapidamente uma mancha preta começou a subir pelas suas veias e tomar todo seu corpo.
- Mate-o, Vlad. Mate-o. - dizia ela entre gritos enquanto caia no chão, uma poeira negra subia e rodopiava ao seu redor.
Vlad conseguiu pular sobre ela e agarrar a espada colocando-a no pescoço do professor contra a parede, o fio da navalha tirava uma fina camada de sangue escuro.
- Nunca imaginei que teria esse prazer. - e sem pensar muito, Vlad decapitou-o num golpe só.
A condessa jazia desfalecendo aos poucos enquanto Alex a pegava nos braços.
- Isso soa tão louco para vocês, isso soa tão mórbido pra mim, morrer para viver, morrer para viver. Você entenderá, você entenderá. - foram suas ultimas palavras antes de virar cinza no chão e entre os dedos de Alex, Vlad se aproximou depois que viu os restos do professor se queimarem numa lareira próxima.
- Está acabado? - Alex perguntou a Vlad que estava de costas a nós.
- Não, ainda existe um.
- Quem? - eu perguntei.
- Eu. - disse Vlad se virando para mim com o lugar onde estava seu coração num brilho esbranquiçado sob a roupa. - Minha hora chegou, Mina, use a espada.
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Garota Besta-Fera & Outros Contos Adaptados (Sob Revisão)
Short StoryUma nova versão dos grandes contos! E que tal começarmos com... "A Bela e A Fera?"