CAPÍTULO 1: A VISITANTE

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16 ANOS ANTES…

A pequena cidade de Le’Roque ao pé da montanha, próxima dos Alpes Europeus era um ótimo lugar para se viver, ah era sim, todos ali tinham conhecimento de cada detalhe daquela cidade, era bem um povoado de famílias tradicionais que habitavam o lugar há anos e ainda mantinham suas casas passadas de pai para filho, de família para família, sempre herdando seu pedaço de chão.
Alguns com muita sorte conseguiam sair dali e conhecer o resto do mundo, mas pouco realmente tinham essa vontade, a maioria preferia viver ali, afinal não era uma cidade perdida no tempo, havia lugares turísticos e o dinheiro também entrava e saia através de comércios, bancos, só era uma cidade afastada, os habitantes costumavam chamar de povoado de Le’Roque, porque o lugar realmente era pequeno.
Havia varias famílias, mas entre elas tinha a família Newman, o senhor Newman, ou melhor, Albert Newman — prazer a todos — era nada mais e nada menos que o prefeito da cidade, ele morava no centro de Le’Roque numa casa belíssima onde bem ao lado funcionava a delegacia de polícia daquele povoado.
A família do senhor Newman era composta por três pessoas, a esposa dele, a senhora Margareth Newman, filha de pessoas de classe, sua mãe foi primeira dama na França, o senhor e a senhora Newman se conheceram em uma festa politica onde o casamento arranjado foi marcado e consumado e juntos tiveram uma linda filha, Mary Newman.
Juntos eles formavam o pilar central da cidade, onde claro todos se espelhavam.
Há três casas de distância moravam os Villanova. O senhor Carlos Villanova era braço esquerdo do gabinete do prefeito de Le’Roque. Eram eles que sempre criavam as leis que seriam seguidas na cidade. Na casa dos Villanova viviam a senhora Alexandra Villanova, e seus dois filhos de dois e três anos de idade, Calvin e Elisa. Calvin era o mais velho e Elisa a caçula da família.
Na rua da frente também tinham os Mendonça. Na casa dos Mendonça morava o senhor Celso Mendonça, a sua esposa que era a senhora Diná Mendonça e uma filha de quatro anos, Alexia, e, a velha senhora Melinda Mendonça, essa que era uma das fofoqueiras mais impertinentes da cidade, mas quem podia falar dela? Ora ninguém, pois ali tudo que um fazia os outros logo comentavam.
No fim da rua, numa das casas mais antigas daquela cidade viviam uma das famílias mais tradicionais daquela cidade, até o prefeito sempre ouvia com muita atenção quando o senhor Arnold Meyer falava, ou quando sua esposa Ana Meyer se manifestava a respeito de assuntos relevantes para o crescimento da cidade.
Do outro lado da rua seguia-se um pequeno trecho com casas menores até que se chegava à casa dos Castro. Uma família de classe media. Não tinham muito a oferecer, e nem eram tão requisitados pelos moradores de Le'Roque.
— Os Castros? Ah, sim… sei quem são. Eles moram ali depois da curva com a quarta esquina. É a penúltima casa.
Claro que sim, todos ali conheciam os Castro, e também suas histórias tristes de que tentavam há anos ter um bebê e nada da mulher conseguir engravidar. E eles já estavam juntos há muitos anos, basicamente eles eram o motivo de chacota na cidade.
A todos os habitantes daquela pequena cidade, os Castros pareciam pessoas tristes, sozinhos. O senhor João de Castro saía de manhã para trabalhar em sua lavoura e a senhora Madeleine de Castro ficava em casa sozinha sem companhia a menos que uma das mulheres da vizinhança fosse visita-la por pura compaixão. Exceto Heloise Lemos, a vizinha viúva de Madeleine que sempre visitava a mesma com uma torta de maça, em outras vezes era com deliciosos cookies de chocolate feitos com o melhor cacau do mundo, segundo ela, é claro.
— Oh, querida prove um dos meus cookies, estão maravilhosos e foram feitos com o melhor cacau do mundo, vieram das ilhas de mel — dizia a viúva Heloise todos às vezes que chegava à casa de Madeleine ou que Madeleine a visitava na casa dela e ela lhe oferecia um delicioso cookie de chocolate caseiro, porém, a tão bem falada ilha de mel que Heloise sempre mencionava não existia realmente, o que claro levava a considerar que a adorável Heloise Lemos era meio lelé da cuca.
Madeleine adorava quando tinha visitas em sua casa, realmente o povo falava, mas não era de todo errado, afinal Madeleine se sentia só, mas podia conviver com isso, pois tinha fé de que um dia ainda teria um filho para lhe fazer a companhia quando seu esposo fosse trabalhar ou quando precisasse sair para alguma eventualidade.
Um dia a senhora Mendonça sentada na praça da cidade tomava seu sol matinal como sempre, mas a razão de ela estar ali dia sim e o outro também de certo modo não eram para tomar o sol, ah não, era mais para fuxicar sobre a vida dos habitantes.
Outra das mulheres mais fofoqueiras da cidade era a senhorita Suzy Abel, que não era casada, vivia com seus pais, porém apesar da pouca idade ela era tão fofoqueira quanto Melinda Mendonça. Juntas essas duas falavam sem parar de todos e todos os dias.
— Bom dia senhora Mendonça — já cumprimentava Suzy ao se sentar ao lado de Melinda Mendonça.
— Bom dia, que prazer em vê-la minha cara amiga — o floreio já começava na entrada.
— O que faz aqui tão cedo? — Perguntava Suzy de frente a senhora Mendonça.
Os olhos da senhora Mendonça nunca paravam quietos e seus ouvidos apesar da idade avançada, ouviam muito bem e ela observava com cautela a todos que caminhavam pelas ruas da pequena cidade.
— Ora bolas, minha querida, preciso tomar meu sol matinal todos os dias ou não me sinto bem o resto do dia — respondia a senhora Mendonça com um sorrisinho maroto no rosto enrugado. Sua voz era irônica.
— Certamente… E o que me contas de novo? — Suzy deu a Melinda o que ela esperava.
Seus olhos corriqueiros enfim pararam em Suzy e se estreitaram cheios de malícia.
— Soube recentemente que a senhora Alcântara perdeu o irmão que morava na Itália — disse Melinda.
— Oh... coitada — respondeu sinceramente Suzy curvando seus lábios e diminuindo os olhinhos.
— Coitada dela sim, dele não, era um pervertido. Vivia na zona, tinha cinquenta mulheres. Além de que era um tremendo de um vagabundo, sim, sim coitada da senhora Alcântara, mas graças a Deus seu tormento acabou — a senhora Mendonça se virou para Suzy — dizem que ela tinha que mandar dinheiro quase que diariamente para sustentar as aventuras daquele ser deplorável. — E nesse mesmo instante a senhora Marisa de Alcântara vinha se aproximando vestida de preto. — Olá Marisa, como está? — Perguntou a senhora Mendonça.
E então a senhora Alcântara parou e sorriu fracamente algo forçado à senhora Mendonça.
— Seguindo, senhora Mendonça. Acabo de saber que meu irmão está morto e vou até a Itália para o enterro.
— Pobre coitado, — começou a senhora Mendonça falsamente fingindo estar sentida. — Ele devia ser uma pessoa maravilhosa, é uma pena que Deus o levou tão cedo — e baixou seu semblante para um pesar coerente e inacreditavelmente sincero.
— Sim, claro — disse Marisa e seguiu viagem.
E Melinda voltou a olhar para Suzy que notoriamente a fitava expressamente confusa e incrédula.
— É a vida — murmurou a senhora Mendonça apenas ao olhar Suzy aparentemente abismada com ela.
Na casa de Melinda Mendonça todos a respeitavam, claro, como não respeitar um senhora tão aparentemente linha dura? Nas ruas não era diferente, todos que passavam por ela a cumprimentavam:
— Como vai senhora Mendonça?
— Bom dia senhora Mendonça.
— Ah, senhora Mendonça que prazer em vê-la.
Uma por uma das pessoas que passavam diante da senhora Mendonça a cumprimentava quase como que por obrigação, por que todos sabiam que mais tardar ela acabaria falando de suas vidas, escancarando-as como se pertencessem a todos o direito de saber o que se passa no seio familiar daqueles que ela resolvia falar.
Mas e João de Castro? Esse era um homem bom. Não tinha grandes riquezas, ah, não, não tinha mesmo, o que ele e a esposa tinham era uma lavoura de plantio que ele e alguns poucos funcionários cuidavam diariamente, antes de o inverno chegar porque daí eles só teriam chance de fazer uma boa colheita uns quatro meses depois. O inverno era sempre uma das estações mais lindas do ano em Le’Roque, porém, uma das maiores causadoras de dor de cabeça. Se a colheita passasse do tempo e o inverno chegasse, quase tudo se perdia.
Mas João de Castro era um homem astuto e sempre tratava de começar a plantar no final do inverno, umas duas semanas depois quando o solo finalmente estava mais seco depois do degelo.
Ele e seus trabalhadores davam duro para colher o melhor trigo possível. Afinal de contas todos na cidade precisavam armazenar o máximo possível em suas casas porque quase não era possível sair dali quando o inverno chegava, uma vez que a cidade inteira ficava coberta por muita neve e os carros ficavam presos. Apesar disso a cidade era bem desenvolvida.
A tarde já vinha chegando quando na casa de João de Castro sua esposa preparava um café da tarde bem reforçado para o marido que logo chegaria da lida, cansado e esfomeado.
Madeleine de Castro era uma mulher bonita, jovem tinha apenas vinte e três anos de idade, seus cabelos eram negros e sua pele cor de oliva, os olhos eram verdes e ela devia medir no máximo um metro e sessenta e cinco de altura com um corpo magro e esbelto. Ela sempre fazia uma trança na lateral dos cabelos para deixa-los comportados, pois eles eram enrolados e se ficassem soltos se armavam pra cima, no entanto era ela quem sempre dizia isso.
A senhora Castro estava na cozinha terminando de passar o café quando alguém bateu em sua porta, feliz da vida ela foi ver quem era. Ela adorava receber visitas, e basicamente não era a hora de seu marido chegar.
Quando abriu a porta Madeleine de Castro viu uma senhora coberta com um chale nos ombros de cor vermelha e sobre a cabeça outro pano que lembrava um véu que lhe cobria parte do rosto.
Ela observou a senhora confusa.
— Posso lhe ajudar? — Perguntou Madeleine.
A senhora sorriu por debaixo do manto e acenou com a cabeça positivamente.
— Então entre — gentil, chamou a senhora de Castro.
A velha senhora atravessou o portal e parou no meio da sala de Madeleine e olhou a sua volta antes de parar de frente a ela e ficar imóvel em silêncio.
— Ah, er, sente-se — convidou Madeleine.
A senhora sentou e levou a mão à cabeça retirando seu manto e olhou para Madeleine com um sorriso carismático na face. Madeleine sorriu gentilmente para aquela senhora que até então estava muda.
— É um prazer incomensurável estar aqui minha filha — disse a senhora com uma voz doce e delicada.
— Que bom — tornou Madeleine e pareceu absorta com a senhora que a fitava. — Aceita uma xícara de café? — Perguntou.
— Claro que sim.
Então Madeleine se levantou e foi até a cozinha pegar a xícara no armário, ao se virar a senhora estava na porta observando Madeleine.
— A senhora não é daqui, é? — Perguntou distraída seguindo para o fogo onde estava o café sobe a chapa de ferro num fogão a lenha. Madeleine adorava usar esse tipo de fogão. Tinha outro a gás. Mas o fogão de lenha era a seus olhos maravilhoso.
— Não… eu não sou daqui.
— Está de passagem pela cidade?
— Sim… estou indo para o Sul.
— Hummm… — murmurou Madeleine pegando a chaleira e virando um pouco do café quentinho sobre duas xícaras azuis com desenhos brancos. Fora um presente de seu marido. Ela adorava aquelas xícaras .
Depois de adoçar o café, Madeleine serviu a senhora que estava agora sentada numas das cadeiras da bancada central da cozinha.
— Maravilhoso — elogiou a senhora o café de Madeleine.
— Sirva-se de um pedaço de bolo — ofereceu já cortando um pedaço generoso para a senhora.
— Obrigada — o sorriso daquela estranha senhora era tão gentil e cheio de rugas que Madeleine sentiu uma grande confiança naquela mulher.
Depois que as duas comeram em silencio o bolo e beberam o café a senhora sorrindo perguntou a Madeleine.
— A senhora não tem filhos?
Madeleine fechou o sorriso instantaneamente e sua face ganhou um pesar triste.
— Não. Meu marido e eu estamos tentando já faz muito tempo e ainda não conseguimos.
— Sinto que logo isso vai mudar — disse a senhora com um semblante confiante.
— Como pode saber? — Claro que Madeleine iria se interessar no assunto. Tudo que ela mais queria era poder dar um filho ao seu marido.
— Não sei, só sinto que em breve será contemplada com essa graça.
— Não sabe o quanto isso me deixaria feliz, meu marido também ficaria muito feliz, ele seria o homem mais feliz do mundo e eu a mulher mais realizada e feliz desse mundo.
— Sei que será — disse a senhora apenas e se levantou. — Preciso ir agora.
— Mais já?
— Há muito que se fazer minha cara. Mas… tome isso — a senhora pegou algo em seu bolso fechado num saquinho e estendeu a Madeleine.
— De forma alguma, não precisa me dar nada.
— Por favor, aceite, é um presente.
E Madeleine hesitante pegou o pequeno pacote entre as mãos.
— Posso abrir?
— Claro que sim, é seu e é de coração.
Madeleine abriu e de lá caíram em sua mão três sementes e um cristal azul.
— O que é isso?
— Sementes de hibiscos. E esse cristal é para proteger a criança.
— Qual?
E a senhora riu.
— Seu bebê.
Nisso as duas já estavam na porta de saída.
— Mas…
— Não se preocupe ela virá na hora certa — falou a senhora descendo a pequena escada e seguindo pela ruazinha de pedra até o portão de entrada.
— A senhora não me disse seu nome — gritou Madeleine para a senhora que já estava na calçada, mas ela apenas a olhou e sorriu acenando. E deixou Madeleine a contemplar sua partida para cada vez mais longe até sumir na estrada.

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