De certo a pouco menos que um tanto desconhecido e encontrado foi dito ou mencionado em uma das casas da vizinhança que viram Celine de Castro a conversar com o próprio diabo numa noite dessas em que estava no jardim de sua linda casa contemplando seus hibiscos floridos. E outro dia na própria floresta.
— Me conte sobre isso querida — pediu o senhor prefeito a sua filha Mary Newman, claro quem mais poderia estar a espionar a jovem Celine de Castro senão a própria filha do prefeito?
Ah! Boca maldita que tens essa menina, por que não pensar nisso logo vindo de uma metida como ela? Claro que era mentira, mas ela falava com a mais convicta das certezas que tinha, porque valha-me Deus como essa menina sabe interpretar…
— Pois é papai — repetia ela com a maior naturalidade, — eu vi, eu mesma presenciei aquela menina demoníaca a falar com o próprio diabo outro dia bem lá no fundo da floresta perto do lago na gruta que todos sabemos ser o lugar mais suspeito de onde o mistério vem.
O senhor Newman assentia semicerrando seus olhos por trás dos óculos.
— Eu sabia — complementava o senhor prefeito. — Agora sim Celine de Castro vai me pagar.
Prontamente sua esposa concordou, todos achavam que Celine merecia uma boa lição, mas… pelo que mesmo?
Na casa de Celine.
— O que? — Perguntava a senhora de Castro a Celine.
— Cantando mamãe, perto da gruta, a senhora sabe que goste de ouvir o som da minha voz ecoando, é como se a gruta me respondesse com o eco.
Madeleine riu com a filha que já estava com dezesseis anos e não perdia seu jeito doce de criança.
— Aquela floresta traz tantas coisas boas. Mas sabe que esse povo só fala asneira sobre tudo que estiver por lá inclusive durante a noite — Madeleine de Castro se aproximou de sua filha e disse diante de seus olhos. — Querida sabe o que quero dizer?
Celine riu de canto.
— Sim mamãe. É o mistério da floresta.
— Ouviu o que a menina disse?
— E Celine riu-se sombriamente.
— Sim mamãe. Cada palavra — Celine fitava sua mãe de modo destemido.
— Então tome mais cuidado meu anjo, não quero que esse povo acabe por inventar mais coisas a seu respeito — e pegou a bolsa de Celine entregando a filha em seguida. — Seu lanche está aí, agora vá antes que se atrase para a escola.
— Beijos mamãe, fique com Deus — falou Celine correndo para a porta.
Madeleine de Castro ficou no mesmo lugar vendo a filha seguindo seu caminho, sabia que estavam montando um complô contra sua filha e pela primeira vez em dezesseis anos sentiu medo por sua pequena. Quando iria acabar esse tormento? Quando olhariam para sua adorada filha e veriam que ali não havia mal algum? Quando é que essa cidade preconceituosa veria que Celine era um anjo de Deus? Um ser divino cheio de luz e amor… bastava que alguém se mostrasse aberta a ela para sentir todo seu carinho…
E Celine seguia seu caminho para a escola, de pé mesmo porque adorava seguir seu caminho contemplando as belas paisagens da floresta que se estendia por todos os lados. A escola nem era longe para que precisasse que seus pais a levassem de carro. Mesmo com a neve por todos os lados.
Celine passou em frente a casa dos Newman onde a senhora Margareth Newman a observou com fúria nos olhos. E passou em frente a casa dos Mendonça onde Melinda Mendonça sorriu falsamente a Celine que acenou com seus dedos finos para a velha senhora que assentiu.
Cantando por todo o caminho Celine seguia tranquilamente até que ouviu alguém correndo atrás dela e a chamou.
— Celine? Hei Celine espere — chamava a voz de um garoto e Celine que segurava nas alças de sua bolsa olhou para trás e viu Augustus Meyer correndo para perto dela.
Claro que Celine se surpreendeu que ele a tivesse chamando e vindo ao seu encontro, normalmente ela seguia sozinha todos os dias para a escola e mais, todos da cidade sempre mantinham distância da estranha filha dos Castros.
Augustus parou ao seu lado e Celine parada apenas esperou.
— Ufa! — Ele estava sem voz de tanto correr. — Uuu… Nossa como eu corri. Gente acho que o ar está meio rarefeito aqui não está? — Augustus estava com as mãos nos joelhos procurando o ar que entrava rasgando em seu nariz e tentava aquecer em seu pulmão.
— O que quer? — Celine foi direta e concisa com o garoto.
O menino se endireitou.
— Eu… Tudo bem? — Celine não respondeu apenas arqueou as sobrancelhas. — Bom creio que esteja tudo bem. Eu só queria saber se posso te acompanhar até a escola?
— Oi?
— É, eu só… sabe? Queria saber…
— Já entendi essa parte — interrompeu Celine.
— Ah, sim claro que entendeu — Augustus parecia notavelmente constrangido.
Um momento de silêncio se instalou entre os dois e Celine o encarava seriamente.
— Desculpe, eu… — Augustus Meyer tentou quebrar o silêncio entre eles.
— Tudo bem Augustus.
— Tudo bem, sim é está tudo bem…
— Não… eu quis dizer tudo bem você me acompanhar até a escola — esclareceu Celine.
— Ah! Eu… ok, eu entendi…
— Você de um lado da rua e eu de outro.
— Hein?
— Por que você iria querer ir comigo? Todos na cidade querem sempre manter a maior distância possível da minha pessoa.
— Eu não… quero dizer, por quê?
Celine riu sozinha jogando sua cabeça para trás.
— Ora Augustus Meyer, já se esqueceu de nosso ultimo encontro?
— Hã… na verdade não e esse é meu objetivo vindo atrás de você, acho que alguém merece um pedido de desculpas.
— Você acha o que? — Celine perguntou num tom irritado e Augustus deu um passo para trás.
— Um pedido de desculpas — disse ele quase sem voz.
— Ah você acha isso?
— Sim… você não acha?
— Eu deveria?
— Provavelmente — ele não parecia muito certo disso.
Celine o encarou de cenho franzido, seus olhos pareciam estar começando a arder em chamas.
— Está falando serio?
— Não… era só uma brincadeira, pra quebrar o gelo — assim que Augustus disse isso uma pedra de gelo da encosta deslocou e caiu bem do seu lado onde ele saltou quase dois metros caindo na neve.
Celine riu.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Não! — Ele gritou. — Caramba olha pra isso? Estou encharcado de neve.
Celine não conseguia deixar de rir ao ver o garoto no chão bravo com o acontecido.
— Pare de rir — pedia ele.
— Não consigo — falava ela e ria novamente — é inevitável… — Celine parou de rir quando uma bola de neve acertou seu peito enchendo sua roupa de neve.
E Augustus riu dela.
— Hei? Você me jogou uma bola de neve? — Ela estava espantada com a audácia do garoto que não parava de rir.
Celine também juntou outra bola de Neve e tacou de volta em Augustus.
— Ah você quer guerra? — Augustus se levantou e juntou mais bolas de neve e Celine fez o mesmo e os dois começaram a jogar bolas de neve um no outro numa divertida brincadeira.
Brincaram tanto que os dois acabaram inteiramente molhados, tanto que já estavam batendo os queixos de tanto frio. As mãos deles estavam vermelhas e quase duras e a face assim como o nariz estava tão vermelha quanto um pimentão.
— Ai meu Deus estamos encharcados — falava Celine.
— É estamos sim e agora como vamos a escola desse jeito?
— Não vamos, já perdemos varias aulas de hoje.
— Hummm… será?
— Está com medo?
— Não… tudo bem, mas o que faremos? Voltamos pra casa ou esperamos até que seja hora de sair da escola?
— Melhor esperar — aconselhou Celine.
— Tá bom… mas… acho que assim vamos morrer de frio.
— É mesmo… vamos fazer uma fogueira…
— Você só pode estar ficando doida mesmo, não é?
— Por quê?
— Celine, olha a nossa volta, está tudo coberto de neve, como faríamos uma fogueira aqui?
Celine conseguiu sorrir de verdade para Augustus.
— Deixa comigo — ela seguiu para dentro da floresta até chegaram a um local meio aberto — vamos juntar uns galhos — e juntos eles pegaram muitos galhos molhados de neve e juntaram num canto.
— Prontinho… nossa fogueira imaginaria está aí, se a intenção era fingir que conseguiríamos nos esquentar com uma fogueira de mentira… então aí está ela. — Augustus falava olhando em outra direção.
— Pronto — Celine anunciou para o espanto de Augustus que via o fogo começar a lamber a madeira molhada que mesmo assim queimava.
De olhos arregalados ele olhava de uma Celine sorridente a uma fogueira que subia alta e quente.
— Como? Como? Como fez isso?
Celine somente sorriu enquanto tirava seu casaco e estendia num tronco perto das chamas para secar. Augustus não acreditava no que seus olhos viam, mas fazia o mesmo.
A menina sentia a chama aquecer sua pele de olhos fechados e Augustus a observava, por mais impressionante que pudesse parecer ele estava vendo Celine com outros olhos. Agora ela era linda aos olhos dele.
O tempo passava e os dois estavam sentados próximos um ao outro.
— Por que você não tem amigos? — Perguntou Augustus.
— Eu tenho amigos… — respondeu Celine.
— Quem?
— Meus pais, minha gata e meu cavalo.
— Não… eu falo de pessoas de verdade…
— Meus pais são de mentira?
— Não… não foi o que eu quis dizer. Digo pessoas da sua idade?
— Por que todos na cidade têm medo de mim.
— É… você realmente dá medo.
— Então por que me perguntou uma coisa que já sabia a resposta?
— Só queria interagir mais com você… — assumiu ele.
Celine olhou dentro dos olhos de Augustus que também olhava dentro dos olhos dela até desistir e virar o rosto para o fogo.
— Você me parece uma boa pessoa — disse ele.
— Ás vezes…
— Ás vezes… — ele repetia. — Você devia ser assim sempre.
— Sabe de uma coisa? Eu não afasto as pessoas por maldade. Eles que se afastam de mim.
— Essa cidade é supersticiosa demais — murmurou Augustus.
Celine encarava séria o fogo antes de se virar para Augustus e sorrir de canto.
— Talvez — sussurrou ela e ele sorriu meneando levemente a cabeça antes de fitar o chão intensamente.
A conversa entre os dois mergulhava em abismos distantes, viajava por outros mundos, Augustus Meyer via o quanto havia perdido se mantendo afastado de Celine de Castro, mas sabia que se fosse ter um convívio social com Celine, isso teria que ser no mínimo em primeiro momento sob total sigilo.
E a bem da verdade não era mais segredo que ali podia haver uma grande amizade, mas também haveria perigo, Celine de Castro e Augustus Meyer juntos? Santo Deus só poderia ser o diabo enfeitiçando o menino, claro, esse seria o novo comentário do povo da cidade.
— Vamos embora? — Falou Celine se colocando de pé.
Augustus olhou a sua volta, sobre a floresta já estava caindo o manto escurecido da tarde que ia embora.
— Nossa… — murmurou ele apenas.
— Que foi?
Ele olhou nos olhos dela agora sem medo de que aquela chama ardente o afetasse novamente.
— É só que… passou mais rápido do que eu podia imaginar — disse ele num tom baixo e triste.
Celine sorriu.
— Tudo que é bom, dura pouco, meu caro.
— É tem razão…
— Vem — ela estendeu a mão para ele que estava sentado no chão.
Augustus segurou a mão de Celine e se levantou com tudo parando próximo demais de seu rosto. Ela nem se moveu, apenas observou o quanto Augustus era bonito. Mesmo conhecendo o garoto desde sua tenra idade nunca havia prestado atenção em como seu rosto era másculo, sua boca vermelha e formava um desenho elegante junto com seus olhos azuis e seu nariz angular.
— Desculpe — Augustus se afastou.
— Tudo bem — sussurrou Celine. — Vamos?
— Sim.
Os dois se ajudaram na tarefa de jogar neve sobre a fogueira que por mais incrível que pudesse parecer ainda estava forte como quando foi acesa.
Celine e Augustus colocaram as bolsas nas costas, suas roupas já estavam secas e aparentemente os dois estavam somente voltando da sua aula habitual. Eles saíram para a rua mais clara que o local dentro da floresta onde estavam e suspiraram antes de começarem a seguir o caminho de volta.
Quando chegaram à entrada da rua que os levaria para a casa eles pararam e em silêncio os dois já sabiam que teriam que se separar aqui, pois se alguém os visse juntos o murmurinho já começaria cedo.
— Bom… acho que aqui nos separamos — disse Augustus.
— É — concordou Celine.
— Então… até qualquer dia.
— Até qualquer dia, Augustus.
— Tchau, Celine… — ele disse se virando e seguindo por um caminho mais lentamente do que seria o comum.
Celine o observou se afastar, mas pensou bem:
— Augustus? — Chamou ela e ele se virou mais rápido do que deveria.
— Ah… oi?
— A propósito… desculpe pelo outro dia.
Augustus sorriu um belo sorriso que deixou sua boca cheia de dentes quase aberta e as maçãs de seu rosto que já estavam vermelhas ficaram ainda mais ruborizadas, mas não precisou de uma resposta, ele apenas assentiu e se virou seguindo seu caminho, se afastando cada vez mais de Celine de Castro.
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Um mergulho em outro mundo
Mystery / ThrillerCeline de Castro não é uma garota normal, óbvio. Mas ela tem que ser tão diferente assim? Precisa mesmo que todo mundo a aponte como a filha do Diabo? Talvez, mas a bem da verdade ela não liga pra isso. Celine de Castro vive... e apenas vive como b...