CAPÍTULO 8: SAINDO DAS TREVAS

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Já era noite e seu pai estava na cadeira macia de almofadas em frente à lareira se aquecendo do frio quando Celine entrou pela porta da frente branca como a neve e fria como o gelo. O vento frio da noite entrou junto com ela fazendo João de Castro se arrepiar da cabeça aos pés.
Os olhos de João de Castro se voltaram para Celine e a olharam abismados.
— Onde você estava? — Perguntou seu pai.
Em um segundo Celine ficou em silêncio, mas logo deixou seu lindo sorriso fino nos lábios ganhar a feição da garota sapeca que era. Seus olhos pareciam em chamas ao fitar João de Castro.
— Ali na floresta — a resposta era vaga. Celine apenas apontava com seu polegar por cima do ombro através da porta aberta com o frio ártico atravessando a sala e levando alguns flocos de neve por todos os lados.
João de Castro estava na beirada de sua poltrona enquanto observava a filha no hall de entrada.
— Querida eu já lhe disse — começou João em um tom bravo de quem estava puxando a orelha de sua filha. — Se vai a floresta leve um casaco. Veja isso está mais branca que um floco que neve. Venha se aquecer.
Celine sorriu, sabia que seu pai estava absolutamente tranquilo, mesmo com o fato de ela estar até essas horas na floresta onde praticamente a cidade toda não entrava depois que a tarde caia. Ela se aproximou de seu pai e as chamas vermelhas do fogo brilharam com força na lareira fazendo João se afastar um pouco e se ajeitar com as costas confortavelmente para apreciar o fogo que aquecia a casa.
E a porta? Ah… ela se fechou sozinha assim que Celine seguiu para perto de seu pai.
Madeleine se aproximava vindo da cozinha.
— Trouxe tortas de maçã e leite quentinho — disse ela colocando a bandeja sobre a mesinha de centro.
Celine avançou sem medo e pegou uma xícara de leite com tortas, e seus pais a observaram com expressão felizes.
— Meu anjo cresceu  tão rápido — dizia João de Castro puxando Madeleine para se sentar em seu colo onde a abraçou pela cintura.
— Sim — respondia Madeleine sorrindo. — Ela está grande.
Os olhos grandes e verdes de Celine piscavam flamejantes para seus pais. Eles eram uma família muito feliz.
Já na casa dos Meyer…
Seus pais estavam preocupados por que Augustus ainda não havia chegado. Era tarde da noite e o medo já começava a tomar conta de Arnold e Ana Meyer.
— Ele não chega nunca — falava Ana andando de um lado para o outro até que parou na janela de onde a vista lhe permitia ver toda a rua até a floresta em silhueta sob a lua.
— Acalme-se Ana vou mandar que encilhem os cavalos e vamos a procura dele — ele se aproximou de Ana. — Vamos encontrar nosso filho, nem que para isso tenhamos que entrar na floresta.
Os olhos de Ana se arregalaram, um frio pareceu tomar conta de seu corpo e o arrepio veio de imediato ao imaginar não só seu marido entrando na floresta, mas também seu filho perdido aquela hora naquele lugar tão sombrio.
Ela começou a chorar.
— Acalme-se… ele será encontrado — e Arnold saiu em direção a porta para chamar um de seus empregados para pegaram alguns homens e cavalos.
Enquanto isso na floresta…
O garoto caminhava nu pela floresta escura tentando encontrar o caminho de volta, ah se Celine visse isso… provavelmente iria rir do pobre coitado sem rumo.
A neve cobria seus pés e fazia com que os mesmos ardessem como se estivessem dentro do fogo. Ele caminhava um pouco e corria outro pouco, estava rezando para que nada lhe acontecesse, mas não sabia se isso seria possível, quase não enxergava nada a sua frente. A única coisa que conseguia ver era um pouco da neve que por ser branca lhe indicava o caminho de volta.
O som noturno era aterrorizante, Augustus tentava não chorar de medo e frio. E tentava menos ainda gritar por ajuda, estava longe para que alguém o ouvisse, exceto os animais da floresta sombria. Os lobos principalmente… Era disso que ele mais temia, os lobos. Havia muitos deles por ali, todos sabiam, volta e meia eram vistos as margens da floresta como se estivessem à espreita de algo, nunca foram vistos dentro da cidade, era como se os lobos conhecessem bem a divisória entre um território e outro.
Augustus continuava sua caminhada quando ouviu um som agourento de coruja piando no alto de alguma árvore pela cercania e tremeu mais ainda em sua caminhada, como se fosse possível ele sentir mais medo do que já estava sentindo, seu coração parecia querer sair pela boca.
Pobre Augustus, que trágico para ele ter tido o imenso azar de encontrar justamente Celine de Castro nesse dia. Ele quase não conseguia correr, seus braços se grudavam ao redor de seu corpo na tentativa praticamente inútil de se aquecer, seus membros inferiores tentavam suportar os tremores e não cair no chão, ele estava prestes a ter uma hipotermia quando outro som o fez sentir um arrepio cortante dos pés a cabeça.
Augustus parou imóvel sob o novo efeito congelante que escorria pelas árvores e se arrastava pelo chão, se a neve era fria, aquilo era mil vezes mais congelante.
A lua surgiu no céu brilhando de modo esbranquiçado a neve e as silhuetas das imensas coníferas adjacentes. Nisso foi possível a Augustus Meyer ver a névoa baixando de todos os lados se arrastando pelo chão como se tivesse vida própria. Ele abriu a boca para gritar o mais forte que pode, mas sua voz estava muda e apenas um gemido aterrorizante saiu pela sua garganta, um som cujo qual até mesmo Augustus se horrorizou, mas seus membros ganharam vida e ele disparou com medo ou sem medo ele conseguiu correr deixando para trás algo que parecia tentar segui-lo, mas se quisesse pega-lo o teria pegado sem problema algum.
  Há um quilômetro de sair da floresta, Augustus ouviu vozes e viu luzes. Não deu outra, ele gritou o mais forte que podia.
— Socorro! Socorro! — E corria desembestado.
— Guto meu filho é você? — Chamava seu pai procurando de onde vinha voz que suplicava por ajuda.
— Pai! Sou eu… aqui… — Augustus tropeçou num trocou e desceu o resto do caminho em cambalhotas até que seu pai desceu do cavalo e o pegou.
— Meu filho — ele falava segurando o choro e abraçando Augustus nu desacordado.
Arnold colocou seu casaco em seu filho o protegendo o quanto podia do frio. Ao colocar Augustus em um dos cavalos e se prepararem para voltar para a cidade ouviram um farfalhar de folhas próximos a eles e um vento soprou a neve solta num redemoinho de onde ouviram um risada gutural assustadoramente fantasmagórica.
Todos os homens fizeram o sinal da cruz clamando a Deus por segurança para saírem da floresta e foram embora o mais rápido que podiam.
Na casa dos Meyer Augustus tomou um banho quente e se aqueceu. Um médico o avaliou e viu que apenas seu pulso estava destroncado e após isso o enfaixou e imobilizando o mesmo.
— Toma beba esse chá — Ana entregou uma xícara bem quente para seu filho. — Conte-nos o que houve?
Augustus Meyer bebeu um pouco do chá antes de tremer com a lembrança.
— Eu fui nadar no poço termal… — começou ele e contou toda a historia a seu pai e a sua mãe, inclusive que esteve na presença de Celine de Castro.
Ao fim de seu relato pavoroso…
— Maldita! Bruxa! Demônios a corroam! — Gritava Ana. — Por que fazes estás coisas? — Blasfemava a senhora Ana Meyer.
— Não se preocupe… ela vai pagar por isso — falava o senhor Arnold Meyer.
— Parem com isso — disse Augustus colocando sua xícara ao lado. — Quantas vezes serão necessárias que esta cidade saiba que mexer com os Castros é perigoso?
Ana Meyer olhou para seu filho procurando respostas, mas não queria dar o braço a torcer.
— Ah, claro! Deixemos então que essa menina impertinente faça o que bem entender e não vamos nos impor diante deles?
— É o melhor a se fazer no momento, mãe. Eu mesmo vi as nuvens obedecendo as ordens dela.
— Então temos uma testemunha das bruxarias daquela menina do demônio — disse Arnold Meyer.
— Não… eu não direi uma só palavra contra ela — contradisse Augustus.
— E se o mistério da floresta tivesse lhe alcançado hoje, hein? — Gritou Ana.
— Mas não alcançou — rebateu Augustus.
Todos ficaram em silêncio por imensos segundos. O vento soprou forte do lado de fora da casa dos Meyer e um lobo uivou ao longe e o calafrio percorreu a espinha de Augustus novamente, ele nunca se esqueceria dessa noite.
— Deixe que isto se passe como que por eventual acontecimento, ninguém se feriu gravemente e isso me basta por enquanto, mas outra dessas e dou meu jeito nela e em toda aquela família — prometeu o senhor Meyer.
Augustus tentava se esquecer da noite enquanto estava deitado em sua cama. Pouco antes havia corrido muito mais do que já correra em toda sua vida, sentiu o pior dos medos que o assombraria por muito tempo.
No frio que estava por estar sem roupas perdido na floresta ele quase morreu congelado. Mas isso não foi o pior que poderia ter lhe acontecido, segundo ele ao pôr-do-sol algo estranho se fez naquela floresta. Parecia algo saindo das trevas.
Seja lá o que fosse não o alcançou, mas está cada vez mais perto.

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