CAPÍTULO 2: MISTÉRIO

143 12 0
                                    


Naquela noite a lua brilhou mais forte do que nunca. Um manto branco que se estendia sobre a planície de Le’Roque até os Alpes europeus nas montanhas atrás da cidade. Em altas e espaçadas florestas de coníferas todo o poder da lua brilhava cintilante até a relva molhada da noite que começava a esfriar gradativamente.  A imagem era linda, como num jardim iluminado pelo luar, porém numa escala de proporção muito maior. E tudo ganhava um ar mais sombrio onde cada passo era como uma armadilha da noite.
Os animais noturnos, escondidos no vale durante todo o dia começavam a sair em busca de alimentos. Ratos agora estavam, em termo, livres para buscar finalmente o seu alimento diário. Corujas brancas, alvíssimas por sinal sobrevoavam a imensa planície a procura de pequenos animais como os infelizes ratos para enfiar cessarem a fome.
Ali perto além das colinas viviam o povoado de Le’Roque, lá não era um povoado perdido no tempo, mas pouco se sabia da Cultura local. Mas não era só isso que fazia desse povo diferente.
Ali nas margens da floresta eles temiam algo que era mais que um mistério. Era uma lenda. Segundo algumas histórias contadas de pai para filho, seguindo de geração em geração, o povo de Le’Roque temiam algo que se escondia nas florestas.
Para aplacar a raiva de seja lá o que fosse que eles temiam, os habitantes da cidade faziam oferendas sempre que um nevoeiro denso submergia a cidade em sombras invisíveis.
Tudo começava assim...
Numa noite de lua cheia, mais precisamente sempre no terceiro dia da lua cheia brilhar fortemente no céu, bruxas antepassadas daquele mesmo povoado saiam de suas casas para dançarem sob o luar, fazer seus rituais e receberem a energia que a noite lhes proporcionava.
Era sempre uma festa quando as mulheres daquele pequeno povoado se juntavam nuas sob a noite iluminada pelo forte luar que deixava tudo prateado, inclusive as peles das bruxas, pálidas ao luar.
Alguns pervertidos as observavam de longe se excitando ao ver seus corpos nus. Porém muitas das bruxas eram casadas e os homens que as observavam não estavam nem aí pra isso e num deslize por estarem completamente conectadas com a força da natureza, uma das bruxas foi longe demais das outras e os homens a pegaram. Já podes até imaginar o que fizeram com ela, foi uma crueldade sem tamanho. Ao fim do ataque os homens mataram a bruxa que não pode se defender.
No outro dia quando as mulheres acordaram de seu sono profundo elas notaram que uma das meninas havia sumido. Procuraram o dia todo até que finalmente acharam o corpo da inocente garota que não tinha mais que dezessete anos de idade.
As bruxas ficaram furiosas, porque havia uma lei severa entre elas, nenhum poder seria entregue a qualquer descendente da magia antes de seus dezoito anos de idade, pois com o poder vêm enormes responsabilidades, coisa que meninas mais novas não saberiam lhe dar.
A sacerdotisa delas então abriu mão de seus poderes para quebrar a lei severa que vinha sendo cumprida a milhares de anos antes. Após perder todo seu pode quebrando esse trato com seus Deuses a sacerdotisa não imaginava que muitas coisas poderiam acontecer.
Seria necessário pelo menos um sacrifício de sangue ao terceiro dia do nascer de cada lua cheia por toda a eternidade. Somente assim as forças que foram libertadas naquele dia seriam aplacadas. Outras bruxas acharam isso um absurdo, pois uma sacerdotisa tinha que cuidar de suas discípulas e não colocar suas vidas em perigo. Mas por outro lado nenhuma criança mais sofreria o que aquela jovem bruxa sofreu por não ter como se defender de tantos homens.
Assim depois daquela tragédia a Sacerdotisa infelizmente foi queimada viva e durante todos os dias que se sucederam aquele povoado fazia um sacrifício de sangue ao terceiro dia de toda a lua cheia.
Cansados de verem pessoas morrerem por uma coisa feita sem pensar os habitantes começaram a testar outros tipos de sacrifícios. Primeiro foi o de uma ovelha e o nevoeiro que caiu naquela noite não se contentou com isso e levou um garoto que caminhava de volta para a casa achando que estava tudo bem.
O segundo depois de muita conversa foi um porco enorme que o nevoeiro pareceu aceitar, porém no outro dia uma menina de cinco anos foi encontrada morta à beira da floresta.
Completamente assustados por não conseguirem mudar a forma do sacrifício, os habitantes foram pedir ajuda as bruxas que descendiam das bruxas antepassadas e elas disseram que eles mereciam o que estava acontecendo, pois eles pediram por isso.
Houve muita discussão entre os homens e as bruxas, famílias que não descendiam da magia começaram a morrer de doenças terríveis e as bruxas culpadas pelo crime foram sendo mortas pelos homens. A cidade ficou dividida entre o povo que descendia da magia e os que não eram descendentes. Muito sangue foi derramado naquelas terras e ainda assim ao terceiro dia da lua cheia de cada mês o nevoeiro voltava sempre com mais e mais sede de sangue.
Uma das bruxas cansada de tanta morte num lugar onde só havia amor e paz resolveu tentar agir. No segundo dia da lua cheia ela se exilou no meio da floresta com um caldeirão, uma varinha, uma vassoura, um athame que é um tipo de punhal usado em rituais e um livro de feitiços.
Quando a noite se aproximou, ela acendeu uma fogueira dentro de um circulo fechado em forma de pentagrama e começou a invocar a criatura que se escondia por trás do nevoeiro. No caldeirão ela preparava uma espécie de poção onde usava varias ervas e com o athame ela cortou o centro de sua mão onde após três gotas dentro do caldeirão ela deixou que o sangue pingasse na terra. O sangue da bruxa correu pelo chão seguindo as marcas do pentagrama fechando aquele circulo com o próprio sangue dela.
Uma faísca de fogo saiu da sua fogueira e flutuou pela floresta enquanto ela invocava com antigos ensinamentos o ser que habitava a escuridão.
Então a faísca de fogo parou num tronco ali por perto e uma chama pequena se acendeu e a bruxa com olhos abertas agora observava.
A lua foi descoberta das nuvens e agora seu brilho prateado ganhava toda a planície. Enquanto o fogo começava a crescer numa proporção assustadora e um som parecido com um murmúrio gutural era ouvido aos quatro cantos daquela floresta inclusive pelos moradores da cidade que não parava de se matar gradativamente.
Os olhos da bruxa estavam arregalados diante do que o fogo começava a se tornar, as chamas foram mudando, assumindo uma imagem sombria de algum tipo de ser com chifres enormes em forma de galhada.
Alguns dos habitantes da cidade viram o clarão subir além as árvores e correram para ver o que estava acontecendo, mas pararam ao avistar um enorme cervo, ou melhor, um gigantesco cervo completamente formado por chamas vivas que dançavam com o vento. O animal gigantesco estava de frente para a bruxa, mas ela era do tamanho de seus cascos que agora estavam imóveis a observar a bruxa que o teria invocado.
— Quem ousa me invocar — a voz do cervo era etérea e lembrava uma respiração grossa procurando por ar, era algo assustador.
Os habitantes que estavam ali por perto vendo a criatura começaram a entrar em choque e foram caindo no chão e algo prateado saia de seus corpos e flutuavam em direção ao cervo de fogo.
A bruxa levantou a mão em direção ao cervo com sua varinha me mãos ela gritou:
— Eu!
O cervo então olhou na direção da bruxa, aparentemente ela era tão insignificante a ele que ele nem havia percebido a sua presença.
— E quem és tu?
— Eu vim lhe pedir misericórdia em nome do meu povo.
— Seu povo? Onde vês teu povo em meio a essa discórdia toda?
— O senhor é quem caminha por trás do nevoeiro? Que leva as vítimas do terceiro dia da lua cheia? — Perguntou a bruxa pretensiosa.
O cervo riu ironicamente com aquele som assustador e gutural e então abaixou muito mais rápido do que se podia esperar para um ser tão grande e seus olhos ficaram frente a frente com a bruxa.
— E por que pensa isso?
— Eu vim aqui está noite para invocar o espirito que esta levando a vida do povo de Le’Roque e foi a você quem compareceu ao meu chamado.
Novamente o cervo riu sombriamente e seus olhos correram para o circulo de sangue em forma de pentagrama onde novamente ele voltou a olhar para a bruxa.
— Pois bem… Não, não sou eu quem habita o nevoeiro, como uma bruxa com conhecimentos tão antigos, você deveria saber que aquele nevoeiro é a própria menina morta naquela noite.
A bruxa pareceu abismada com o que o cervo lhe disse. As chamas do cervo cresciam para os lados a cada movimento que ele fazia, porém não queimava uma folha das árvores a sua volta.
— Isso não é possível.
— Claro que é. Aquela sacerdotisa liberou a magia para menores e com isso os poderes que até então estavam presos ao corpo da menina assassinada foi liberto, porém sua morte foi tão horrível que ela se tornou algo sombrio.
— Precisa nos ajudar.
— E por que eu faria isso?
— Por que veio pelo meu chamado.
— Seu chamado não era por mim, jovem bruxa.
— Por favor? Todos estão em guerra. Morremos a cada dia. Não é preciso tanto sangue por nada.
As chamas se explodiram quando o cervo pareceu se irritar com as ultimas palavras da bruxa.
— NADA! A morte daquela garota não foi NADA!
A bruxa pareceu se assustar agora quando o cervo em chamas pareceu mais quente e mais vermelho.
— Não foi o que eu quis dizer.
— Mas foi o que disse.
— Perdoe-me por não saber me explicar. Mas precisa compreender que alguns são inocentes e não precisam pagar pelo erro dos outros.
— Pois bem, nisso você tem razão. Irei ajudar.
— Muito obrigada.
Então o cervo assumiu uma postura mais ereta e seus olhos em chamas brilharam.
— Ao fim de um ciclo de três luas as mortes estarão acabadas. A guerra irá ter um fim imediato, pois já jazem muitos corpos e muito sangue derramado. O mistério da floresta como se intitula a menina ira se acalmar, mas apenas se os habitantes aprenderem a amar — disse o cervo em chamas como uma espécie de feitiço. Uma onda de luz se abriu numa explosão em forma de circulo que preencheu tudo em um curto espaço de tempo até sumir de vista.
— Espere não podemos mais deixar que ninguém morra, existe alguma forma de sacrifício até esse ciclo chegar ao fim?
— Use um boi a cada dia do sacrifício. Por certo que isso funcionara — então o cervo novamente se aproximou olho a olho com a bruxa e finalizou. — Todos podem participar de um mundo fascinante, mas até lá eu estarei de olho — e da mesma forma que ele apareceu ele foi sumindo até se tornar apenas uma faísca de fogo que sumiu na noite.
Os habitantes que estavam caídos no chão se levantaram sem saber o que estava acontecendo. A bruxa juntou suas coisas e voltou para a cidade onde estava tudo silencioso.
No outro dia antes que mais guerra se iniciasse ela disse a todos que iriam ajudar e pediu que todos tivessem calma, pois somente depois do fim de um ciclo de três luas cheia que as mortes chegariam ao fim.
Os habitantes, no entanto, não gostaram de saber que mais pessoas morreriam até tudo acabar, mas a bruxa explicou que eles usariam um boi a cada lua e isso daria certo.
Assim o mistério perdurou por dois meses exatamente como a bruxa lhes havia dito. A cidade já não estava mais em conflito, estavam novamente unidos para vencer esse mistério que os atormentou durante anos intermináveis.
E por fim no terceiro mês quando todos os habitantes esperaram pelo sombrio nevoeiro, ele veio assustadoramente denso e aceitou o terceiro boi e se foi. Até aí estava tudo bem, mas no quarto mês o nevoeiro voltou e cobriu toda a cidade por algum tempo até por fim ir embora sem levar nenhuma vitima.
A cidade voltou a ficar tranquila, finalmente o mistério havia deixado eles em paz, porém eles ainda temiam a floresta que estava muito perto da cidade e uma lei foi criada, a todos aqueles que não quisessem morrer de forma sombria seria necessário manter a distância da floresta antes do cair da noite, pois o lado sombrio ainda podia estar vagando nas noites escuras.

Um mergulho em outro mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora