CAPÍTULO 13: CONDENADOS

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Depois de inúmeras tentativas de matar Celine de Castro. Decidiram que ela não seria morta de maneiras tão comuns, talvez devessem pensar num modo errado, mas que seria a única maneira que restava tentar.
Então eles levaram a jovem Celine de volta à delegacia.
— Ah não, por favor — dizia Celine em tom irônico.
Ela estava novamente na cela da delegacia de policia, seu pai, João e Madeleine de Castro tinham permissão de ficar com ela já que ninguém conseguia despachar Celine de uma vez por todas.
— Hum… hum… mamãe — falava a menina doce e meiga — isso está uma delicia — elogiava ela um prato de comida que sua mãe levara para ela.
— Que bom que gostou minha filha — Madeleine de Castro estava contente de ver a filha comer. Ela não sabia quando sua menina estaria novamente em seu conforto do lar.
— Eles estão decidindo qual será o próximo jeito de… — João de Castro não conseguiu dizer a palavra “matar”, muito menos aplicada diretamente a sua filha.
Celine olhava para seu pai enquanto mastigava.
— Não se preocupe papai, eles já decidiram o que usar.
— Você sabe?
— Uhum…
João de Castro sentiu uma enorme vontade de perguntar o que era, mas pareceu deliberar com ele mesmo o quanto essa informação poderia ser de difícil digestão, então se calou apenas contemplando a jovem comer e sorrir para ambos.
Celine de Castro era sim uma menina boa, pena que esta cidade não soube apreciar um anjo como ela.
Já era noite quando seus pais foram obrigados a ir embora. A delegacia era pequena, não havia ninguém em celas apenas Celine.
A noite era fria, o inverno estava ainda forte, mesmo no final de seu ciclo, o som da noite era apenas o de lobos muito longe, floresta adentro e Celine apreciava a imagem de uma lua que brilhava de vez em quando através das grades da janela baixa.
Mas outro som chamou sua atenção, era passos sussurrados se aproximando vindo de algum lugar. A menina esperou e logo uma silhueta surgiu na janela, de inicio pelo rápido aparecimento Celine não soube quem era, pois estava com um capuz na cabeça, mas a voz, ah… aquela voz era inconfundível.
— Celine?
— Augustus, o que faz aqui.
— Eu vim te ver.
— Não pode ficar aqui, eles podem te pegar.
— Eu não me importo, precisava te ver.
Celine se aproximou da janela e o cheiro doce de Augustus entrou pelo seu nariz e tocou em algum lugar que ela desconhecia, mas que causava bons sentimentos.
— Você é louco, vão te acusar de cumplicidade com uma bruxa.
— Você não é uma bruxa — Augustus disse mais alto que um sussurro e o guarda veio pelo corredor ver com quem Celine falava.
— Com quem você está falando?
Ela olhou para ele zombeteira.
— Com o espírito que estava aqui comigo, por quê?
— Santo Deus de misericórdia, eu espero que seu fim chegue logo sua bruxa — ele saiu correndo de volta para a recepção da delegacia.
O menino que havia abaixado rapidamente quando falou alto se levantou.
— Sujeitinho miserável — blasfemou ele.
Celine riu.
— Não se preocupe com isso, ele só está com medo…
— Assim como toda a cidade. Eles temem que uma nova era esteja para acontecer, muitos deles odeiam o passado de nossa cidade, bruxas com poderes malévolos e tudo mais — Augustus riu.
— Nem todas eram más, havia bruxas boas — defendeu Celine as mulheres de poder.
— Eu sei, eu sei, mas eles temem que elas voltem.
— Por minha causa?
— Não Celine…
— É sim, todos tem medo do que é diferente. Por isso sempre fui apontada como a filha do Diabo.
— Pra mim você não é a filha do Diabo, só é… diferente — ele suspirou. — Celine? Hã… eu quero te pedir desculpas por nunca ter interagido com você, eu sempre tive medo, mas depois daquela noite, onde o meu medo foi maior que tudo, eu percebi que ter medo de você era bobagem. Eu poderia ter morrido, mas de alguma forma eu não morri, e… acho mesmo que tudo tem a ver com você.
— Comigo?
— Claro! Você é… especial de algum modo.
Agora o riso de Celine foi envergonhado.
— Não Augustus, eu não sou especial.
— É pra mim.
— Nossa! Você caiu e bateu a cabeça com muita força ou o que?
Augustus pensou.
— É eu caí hoje, meus pais estavam me trancando no meu quarto durante todo esse tempo, não me deixaram salvar você.
— Me salvar?
— Sim… eu queria te salvar dessas punições que estão tentando fazer com você, meus pais falaram muito de como nada funcionava, mas a cada nova punição eu imaginava que você estaria morta e eu nunca mais a veria novamente. Por isso eu saí pela janela, mas caí no jardim, devo ter ralado um braço e meu tornozelo está dolorido, mas pelo menos eu sabia que você ainda estaria viva para eu te ver.
— Augustus, isso foi muito errado, você poderia ter se matado com uma queda daquela altura.
— Eu não me importo, contanto que pudesse estar aqui para te tirar dessa prisão.
— Não Augustus, você não entende? Eu posso sair daqui quando eu quiser…
— É eu pensei nisso também… — Augustus olhava para o chão frio sob seus sapatos.
— Você precisa ir embora, vai congelar aí fora.
— Já disse que não ligo; nada mais importa. Eu te vi com outros olhos naquele dia, e agora sinto que devo te ajudar.
O coração de Celine parecia golpear seu peito de tal modo que mais um pouco e ele estaria saindo por um buraco rasgando sua pele.
— Augustus…
Ele enfiou a mão pela grade da janela e ela tocou na mão fria dele.
— Vou te tirar daqui.
— Não precisa. Eu prometo que tudo vai ficar bem…
— Não Celine, você não entende? Eles vão matar você.
— Não, não vão não.
— Então vem comigo, por favor, eu sei que pode sair daí e vir comigo — ele apertou a mão dela com força.
— Eu não posso, eles vão atrás dos meus pais se eu sumir — Celine sussurrava, toda a conversa estava sussurrada.
— A gente dá um jeito, some com eles, vamos para algum lugar onde ninguém poderá nos encontrar.
— Ah Deus! Augustus, você é só um garoto e descobrirá ainda que nessa vida nem todas as aventuras tem final felizes.
— Eu não me importo com o final Celine, eu me importo com o agora, com o que preciso fazer para te convencer de que você deve sair daí e seguir comigo.
Celine permaneceu em silêncio profundo apenas contemplando a face sóbria de Augustus através da noite escura. Ele estava com os olhos marejados, sua mão agarrada à mão de Celine era uma suplica incontestável.
— Feche os olhos — pediu ela.
— Não, sei muito bem o que você é capaz de fazer, com isso no mínimo eu vou estar deitado na minha cama num sono profundo até você… partir — a ultima palavra foi tão sofrida que Augustus tentou conter a dor, mas não conseguiu e as lágrimas caíram marcando seu rosto.
— Confie em mim.
— Não posso…
— Mas deve.
Com muito esforço o menino fechou os olhos, mas deixou uma frestinha para ver o que Celine estava fazendo.
— Não vale trapacear — disse ela e ele fechou os olhos com toda a força que tinha.
— Que eu não suma daqui. Que eu não suma daqui — repetia ele para si mesmo inúmeras vezes.
Mas a mão de Celine tocou em sua face, já não estava mais tão frio quanto antes. Augustus abriu os olhos, estava em algum lugar desconhecido com Celine a sua frente sorrindo, o lugar estava claro e brilhante, havia um som de água e pássaros, não havia neve nem pinheiros, apenas árvores lindas e com copas espaçosas.
— Isso é um sonho?
Celine não respondeu apenas deixou uma expressão de desculpas ganhar sua face linda e faiscante que brilhava por causa do sol.
— Ah não, não, não Celine o que você fez?
— Calma… isso não é um sonho.
— É sim… você mentiu para mim.
— Não eu não menti. Apenas te trouxe para outro lugar.
— Porque você fez isso?
— Para te proteger.
— Não Celine, não sou eu quem precisa de proteção, é você.
Ela meneou a cabeça em negativa as palavras de Augustus.
— Algo ruim pode acontecer há qualquer momento em Le’Roque. Você tentou me salvar e por isso eu te devia essa.
— Onde estamos?
— Austrália.
— O que?
— Foi o mais longe que pode vir.
— Mas e os outros?
— Não posso fazer nada por mais ninguém Augustus, apenas você e meus pais.
Ele suspirou forte dessa vez.
— Celine…
— Não diga nada Augustus, eu já sei de tudo.
— Mas…
— Mas isso é impossível, eu não vim para ficar.
— Como assim?
— Eu quero me desculpar pela noite que ficou na floresta, eu realmente não sabia que você se tornaria especial pra mim também.
— Isso significa que você também me… — Celine colou o dedo na boca de Augustus.
— Isso não significa nada, nem pode significar. Eu não pertenço a este mundo Augustus, eu nunca pertenci e minha hora está chegando mais rápido do que eu podia imaginar. Eu falhei.
— O que está dizendo?
— Nada, já falei demais. Agora preciso voltar — Celine se virou de costas, mas Augustus a puxou com muita força e seus lábios encontraram os de Celine sem hesitação.
O beijo foi bom para ambos, mas não podia acontecer, Celine não queria que Augustus sofresse quando ela tivesse que ir embora.
— Por que fez isso?
— Por que eu te amo.
— Não… você não ama não, tem que se lembrar de como via antes de me conhecer de verdade.
— É tarde demais Celine, eu já te amo demais, mais que minha própria vida.
— Augustus eu sinto muito por isso, mas é impossível.
Ela se virou novamente.
— Espera! — Augustus gritou. — Não vá, eu sei que também me ama.
— Isso não muda nada.
— Como não? Mudou tudo em mim.
— Mas não muda nada para mim — ela se voltou para ele. — Um dia vai conhecer alguém especial de verdade.
— Você é especial e é de verdade pra mim.
— Não é o bastante, não sou o bastante.
— É sim, te amar é o que basta pra mim.
— Preciso ir.
— Não me deixe aqui.
— Como?
— Me leve de volta, por favor, não quero ficar sozinho.
— Não ficará sozinho, logo encontrara mais pessoas.
— Eu não quero. Eu quero voltar.
— Não é seguro…
— Eu não me importo. Nada mais importa; eu já disse.
Celine respirou profundamente olhando olhos lindos olhos de Augustus, é claro que ela já o amava também, mas não podia ceder a esse sentimento.
— Bom… se é o que deseja, então vamos.
— Espera… pode me conceder um ultimo desejo?
— Diga.
— Apenas me beije novamente.
— Não.
— Então diga que também me ama.
— Não.
— Alguma coisinha que seja?
— Tudo bem… hã… você é especial, agora vamos.
Augustus segurou nas mãos de Celine, mas dessa vez não fechou os olho, então viu como num passe de magica o lugar ser encoberto por outro como se um pano fosse puxado sobre a paisagem e tudo mudasse. Estavam novamente na delegacia de policia de Le’Roque.
— Você precisa ir.
— Não vai mesmo fugir?
— Não.
— Sinto muito por isso. Minha vida inteira eu fui um idiota com você. E agora no fim descubro que quem eu amo me despreza e ainda irá morrer no dia seguinte — e ele chorou sem medo de parecer feio.
Claro que para Celine a dor do menino doía nela também, mas ela não podia fazer mais nada.
— Adeus Augustus Meyer, um dia tudo isso não terá passado de um pesadelo.
— Não… isso nunca vai mudar. Eu prefiro ter tido a chance de um único beijo do que nunca ter tido a chance nem de sonhar com isso.
O silêncio foi mortal e o menino se virou de costas e saiu caminhando sumindo na escuridão.
A noite passou e o dia chegou frio e encoberto pela densa camada de neve. Colocaram a menina que estava tranquila no paredão da praça pública.
Seus pais estavam calmos, já sabiam do desfecho final.
E na contagem do prefeito.
— Três… dois… um… — os  rifles não atiraram. Todos os rifles e armas de fogo não atiravam na direção de Celine.
A garota coçava os olhos esperando pacientemente as balas que falhavam em sua direção.
— Gente eu estou com sono… e é de verdade.
Então por fim desistiram de matar Celine que de modo nenhum podia ser ferida. Seus pais Madeleine e João de Castro pularam de felicidade, mas o restante da cidade se encheu de ódio da menina, Augustus estava em casa preso no quarto por vontade própria e restante da cidade nas ruas gritando horrores para a bruxa que seguia de cabeça erguida para a casa junto de seus pais.
Celine entrou pelo portão da frente e seus pais a seguiram. Ao pisar na varanda o dia virou noite de uma hora para a outra, a cidade que estava em tumulto se calaram com medo.
O brilho escondido do sol se foi completamente e no lugar houve um som assustador que vinha dos confins  da floresta, nada era mais aterrorizante que isso.
O senhor e a senhora de Castro olharam para Celine com olhos arregalados.
— Não sou eu — ela disse e entraram os três fechando a porta para a noite.
A cidade viu depois de quase dezessete anos o nevoeiro denso subindo sob a floresta, parecia um monstro vivo saindo de um filme de terror e o som gutural que se aproximava da cidade lembrava alguém gorgolejando no próprio sangue.
O nevoeiro veio rastejando como uma cobra a procura de sua presa, cada rua que ele alcançava ele se dividia em braços vivos.
Onde o nevoeiro tocava nas pessoas pareciam que estavam congeladas de modo paralisante e elas simplesmente secavam e caíam mortas no chão.
Isso tudo durou quase três horas até que o mistério se recolhesse de volta a sombra da floresta.
E todos estavam condenados.

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