CAPÍTULO 3: HIBISCOS E CAFÉ

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O pequeno povoado de Le'Roque passaram anos imaginando que o terrível acontecimento daquela fatídica noite pudesse retornar, porém as brumas sempre vinham mês após mês e como de fato já tinham se acostumado a fazer os habitantes sempre deixavam uma vaca bem grande e gorda como sacrifício para terem sua paz preservada.
Certa noite um dos habitantes jurou ter visto uma menina ser morta pelas brumas, se era verdade ou não ninguém poderia dizer, mas que a filha mais nova dos moradores mais afastados da cidade havia sumido justamente na noite em que as brumas percorreram a cidade era mesmo verdade.
Mas muitos anos já haviam passado desde que havia acontecido o problema com as bruxas antigas. Tanto que o povoado de Le'Roque prezavam pelas famílias e pelos bons costumes, bruxas não existiam mais, após um novo prefeito ser eleito na cidade e um novo reverendo há uns cinco anos depois do acontecido e as bruxas antigas foram obrigadas a esconder os seus poderes, foram obrigadas a viver como mulheres normais e quando tinham que praticar suas magias, a faziam as escondidas.
No entanto, infelizmente após decretarem que magia era um crime, as bruxas foram caçadas e mortas uma a uma, e sim eles sabiam bem como se defender de uma bruxa, usando as próprias magias delas o reverendo e prefeito exterminaram as bruxas até por fim não restar uma única fagulha da antiga magia.
E a cidade passou a ser um local tranquilo... Haviam se esquecido das bruxas que até certo momento encontraram ali naquele lindo local uma magia que não existe em outro lugar no mundo.
E as boas vindas ao tempo moderno eram dadas após os séculos que se passaram desde que tudo realmente aconteceu.
Muitas famílias descendiam diretamente dos antigos habitantes de Le'Roque inclusive das bruxas, mas muitos negavam essa ligação por mínima que fosse, pois agora isso de magia não existia.
Madeleine de Castro estava no jardim de sua casa mexendo nos hibiscos que plantara bem próximo de seu portão de entrada. A planta cresceu tanto que se espalhou para todos os lados da frente da casa, fechando como um muro vivo. O hibisco de Madeleine era bem visto por todos que passavam em frente a sua casa.
- Ao menos ela sabe plantar algo que vá vingar - murmurou a senhora Mendonça com a senhora Azevedo quando passaram bem na frente do portão de Madeleine.
- O que quer dizer com "plantar algo que vá vingar?" - Tornou a senhora Azevedo de cenho franzido, aparentemente ela deixara passar algum detalhe importante do comentário de Melinda Mendonça.
A senhora Mendonça parou de chofre com a mão a frente do peito de Délia de Azevedo, bloqueando sua passagem.
- Ora minha amiga, parece-me que a idade está de algum modo afetando a sua inteligência... Você era mais esperta que isso...
- Desculpe minha falta de inteligência senhora Mendonça, mas a que se refere realmente com o comentário a respeito de Madeleine de Castro.
- Olhe bem para o jardim dos Castros minha querida e diga o que vê além desse hibisco florido?
A senhora Azevedo se aproximou mais do muro de hibisco e olhou para dentro como se procurasse por algo.
- Bom... a grama é bem verde, dizem que a grama do vizinho é sempre mais verde - divertiu-se ela rindo baixo.
- Exatamente, minha querida, é a isso que estou me referindo. Na casa de Madeleine de Castro não há nada além desse hibisco... - e sombriamente a senhora Mendonça completou - nem mesmo uma criança.
Logo a senhora Azevedo se voltou à senhora Mendonça.
- Melinda minha cara... você não devia fazer isso... - e a senhora Azevedo também riu sombriamente - não se deve apontar o dedo a uma árvore seca... uma árvore que não dá frutos.
As duas riram mais alto e a senhora Madeleine de Castro ouviu e veio até o seu portão.
- Olá senhoras que prazer as trazem até aqui?
A senhora Mendonça e a senhora Azevedo pararam de rir no mesmo instante.
- Querida Madeleine... - começou Melinda Mendonça. - Estávamos apenas passando por aqui e resolvemos por algum motivo lhe fazer uma visita, afinal passa tanto tempo sozinha em casa que nos solidarizamos com a senhora, sabe como são essas velhas senhoras... - e ela fazia cara de coitada - sempre por aí sem nada para fazer...
- Gostariam de entrar e tomar algo comigo? - Convidou Madeleine feliz de receber uma visita de alguém importante como a senhora Mendonça.
- Já estávamos prestes a lhe chamar - disse a senhora Azevedo.
- Então entrem.
- Obrigado - disse a senhora Mendonça seguindo com Madeleine para dentro. Logo atrás vinha a senhora Azevedo.
Já estavam no meio da grama verde com galhos secos espetados no chão por todos os lados.
- O que são essas decorações? - Perguntou sarcástica a senhora Mendonça.
- Ah... hummm... Não são bem decorações, está mais para plantas que não vingaram - rindo Madeleine de Castro completou, - costumo chamar de cemitério de flores, afinal a única que vingou mesmo foi o hibisco.
A senhora Mendonça olhou para Madeleine com um meio sorriso.
- Bem seu jardim tem muito espaço, devia tentar outros tipos de plantas mais ordinárias, não são qualquer tipo de flores que dão em todos os jardins, se é que me entende.
Madeleine observou por um curto momento os olhos incrivelmente azuis da senhora Mendonça.
- Claro... entendo sim.
- Sugiro algumas flores selvagens, aquelas que se encontram em qualquer lugar - falou a senhora Azevedo ao tocar num galho seco que se partiu ao seu toque.
- Falarei com João e ele encontrara algumas pra mim - concordou Madeleine.
As três entraram na casa de Madeleine e, claro, os olhos das duas fofoqueiras vasculhavam a tudo como se gravassem cada detalhe para espalhar a cidade o quanto a casa de Madeleine era horrível, porem a casa de Madeleine era absolutamente limpa e arrumada, tanto que alguns móveis apesar de antigo brilhavam em um tom verniz.
- Que casa mais... - a senhora Mendonça pareceu sem palavras.
- Aconchegante - falou a senhora Azevedo.
- Sim... Aconchegante. Muito bem arrumada - dizia a senhora Mendonça.
- Obrigada... fico feliz em receber vocês duas aqui - agradeceu Madeleine com as mãos juntas sobre o colo e balançando-se nos calcanhares como uma criança feliz. - Ahn... sentem-se que vou pegar alguma coisa para nós bebermos.
Madeleine se foi para a cozinha deixando as duas sozinhas por algum tempo.
- Meu Deus que casa mais simples, olhe para isso - a senhora Mendonça pegou um cisne de madeira que estava sobre a mesa - está cheio de... - e tentou passar os dedos para ver se havia poeira no objeto decorativo que estava incrivelmente limpo.
- O que dizia senhora Mendonça, - ambas falavam aos sussurros.
- Nada - Melinda Mendonça largou o objeto sobre o móvel novamente sentindo-se irritada por não conseguir o que queria.
Madeleine voltava com uma linda chaleira branca e três xicaras do mesmo jogo, esse havia sido um presente de sua mãe e ela gostava tanto quanto o seu jogo azul dado por João de Castro.
Acompanhando o café passado na hora, Madeleine trouxe alguns pedaços de uma torta de frango que parecia deliciosa.
- Ah querida não precisava se incomodar - disse a senhora Mendonça servindo-se de uma das xicaras que Madeleine lhe entregava carinhosamente.
Em seguida Madeleine servia a senhora Azevedo e para as duas entregou um pedaço da torta de frango que ambas comeram com caras adoráveis.
- Minha nossa senhora Castro que maravilha de café e que delicia de torta é essas? - Elogiou Délia Azevedo.
- Imagina, e, por favor, me chamem apenas de Madeleine.
- Muito bom mesmo, Madeleine. Sabe cozinhar como ninguém, mas também sozinha aqui alguma coisa teria que ocupar o seu tempo, não é? - Disse a senhora Mendonça.
- Claro - concordou Madeleine confusa.
- Mas me diga Madeleine quando vocês irão trazer a esse mundo um bebê? - Perguntou Melinda Mendonça servindo-se novamente de outra xicara de café e mais um pedaço de torta.
Madeleine de Castro pareceu por alguns segundos ficar alheia, sua mente apenas pensava, quando? Realmente quando isso aconteceria?
- Madeleine? - Chamou Melinda Mendonça.
- Ahn... Bem... nós estamos tentando há algum tempo.
- Não obtiveram resultado pelo visto - atacou a senhora Mendonça.
- Vamos ter um bebê, mas ele virá quando for a hora - contra-atacou Madeleine.
A senhora Mendonça sorriu para a moça encabulada.
- Claro... certamente que virá.
- Bem... temos que ir embora - anunciou Délia Azevedo.
- Sim, sim temos que ir - concordou a senhora Mendonça se pondo de pé.
- Foi um prazer receber vocês aqui.
- O prazer foi nosso querida, vá lá em casa qualquer dia desses - convidou Melinda Mendonça.
- Irei sim - disse Madeleine.
- Não se esqueça da minha casa também Madeleine. Ficarei feliz em receber uma presença tão simpática - convidou Délia Azevedo.
- Claro, não me esquecerei.
Madeleine de Castro acompanhou as duas senhoras até o portão e elas se foram sem olhar para trás.
E os pensamentos de Madeleine imaginaram quando será que ela teria um bebê?
Já era tempo de isso acontecer, não podia ser uma única pessoa na cidade casada há tanto tempo e que não tivera ao menos um filho.
Madeleine fechou a porta e encostou-se na mesma observando o silêncio que sua casa fazia sempre que se encontrava sozinha ali dentro.
Ela caminhou pela sua sala impecavelmente limpa e recolheu de sobre o móvel de centro a bandeja com as três xicaras e a chaleira e um ultimo pedaço de torta intocada. Levou tudo para a cozinha e colocou dentro da pia, exceto a torta que ela deixara sobre a mesa.
O silêncio ali a fazia pensar em muitas coisas. Mas claro que as palavras da senhora Mendonça voltavam sempre com mais força que qualquer outro pensamento.
Uma criança seria como uma dádiva de Deus, era tudo o que Madeleine de Castro queria, era a única coisa que faltava para completar sua família. Não que ela não visse seu casamento com João de Castro como uma família perfeita, mas uma criança só iria unir os dois ainda mais.
Solitária em casa até a hora em que seu marido chegasse às seis da tarde Madeleine se pôs a fazer os seus serviços, lavou a louça calmamente enquanto olhava o jardim pequeno do fundo de sua casa, ao menos ali havia um belo carvalho, não era muito grande, nem muito velho, mas era belíssimo e nesse mesmo instante às cinco e meia da tarde, ele balançava com o vento.
Era lindo ver as folhas verdes brincarem de um lado para o outro. Madeleine sorriu com a imagem, mas ao se distrair tanto cortou a palma de sua mão com uma faca muito amolada.
Madeleine de Castro largou a faca na pia com água e pegou um pano de prato numa das gavetas para estancar o sangue.
Mas o corte profundo sangrava muito e algumas gotas caíram na água e se formaram num rosto lindo de criança. Ela achou a imagem linda que logo sumiu e depois Madeleine balançou a cabeça fortemente para repor os pensamentos.
Seis horas em ponto e seu marido estava atravessando a sala. A mesa já estava posta para João de Castro que primeiro cumprimentou sua esposa com um beijo amoroso.
- Bem vindo amor - disse Madeleine feliz pelo marido.
- Nossa! Como é bom ser recebido com esse amor que só você tem Mady.
- Sente-se que vou lhe servir.
- Obrigado.
João de Castro sentou à mesa e Madeleine sempre muito prendada lhe serviu café e torta.
Ele comeu e ela também o acompanhou no lanche da tarde, em seguida os dois se sentaram ao sofá para descansar um pouco antes do banho.
- Que dia cansativo - ia dizendo João.
- Tem trabalhado demais, meu amor, precisa de um tempo de folga.
- Terei meu tempo, meu amor assim que terminarmos de colher tudo, não quero perder nada, e se o inverno chegar antes do tempo a coisa vai ficar feia.
- Promete que vai descansar mais?
João de Castro olhou para a esposa, confuso com essas queixas de muito trabalho do mesmo.
- Por que essa insistência, Mady?
Madeleine sentou mais aprumada no sofá.
- Bom... hoje eu tive visitas.
- Que bom meu amor. Anda muito tempo sozinha mesmo, quem era?
Ela pensou um pouco antes de dizer alguma coisa, mas suspirou e soltou.
- A senhora Azevedo e a senhora... Mendonça.
O cenho de João logo franziu.
- Ah... é? Quer dizer, elas vieram aqui?
- Sim.
- Hummm... e aí?
- Conversamos e tomamos um café.
- Só?
- A senhora Mendonça tocou no assunto de... um bebê novamente.
- Ah é?
- João? - Madeleine se aproximou mais de seu marido. - Minhas preocupações com você são óbvias, se está cansado demais a coisa não acontece.
- Ah... então é isso?
- Sim, veja só. Eu planto varias flores e nenhuma delas vinga, a única coisa que eu fiz que vingou foi o hibisco, mas uma criança é tudo que nós precisamos...
- Nós estamos tentando, meu amor, mas ainda não é a hora.
- E quando vai ser?
- Eu não sei...
- NUNCA SABE! - Madeleine gritou se levantando. - É sempre assim. "Estamos tentando", "não é a hora".
João de castro se levantou bravo.
- Eu não tenho culpa! O que espera que eu faça?
- Elas sempre vão rir de mim. Sempre me jogando na cara o quanto uma criança faz alguém feliz.
- Mas o que espera que eu faça? Não sou Deus para dizer quando vai acontecer.
- Aaaah! - Gritou Madeleine novamente. - Estou cansada disso! - E saiu correndo escada acima.
João de Castro sentou novamente no sofá bufando. Não era culpa dele, ele pensava. Como poderia saber quando seria a hora?
Eles não viram, mas do lado de fora da casa o lindo hibisco murchava a cada palavra proferida com raiva.
Decidido ele se levantou e subiu as escadas, parou em frente a porta de seu quarto e bateu.
- Mady? - Chamou e esperou. Ela não respondeu, ele bateu novamente e entrou devagar.
Madeleine estava dentro do banheiro. Ele foi até lá e bateu na porta. Ela não respondeu novamente. Então João tentou abrir a porta, mas ela estava trancada por dentro.
- Mady?
- Vai embora - disse Madeleine em voz baixa de dentro do banheiro.
- Olha... eu... não sei mesmo o que posso fazer. Desculpe se não posso te dar um filho, mas isso não é minha culpa.
Ela não respondeu.
- Juro que se eu pudesse te dava um filho agora, mas não é assim que as coisas funcionam. Eu... - e João ficou mudo, não sabia mais o que dizer.
Ele se encostou ao lado da porta e ali permaneceu por duas horas ininterruptas.
Madeleine dentro do banheiro chorava copiosamente pelo acontecido, mas também não sabia o que fazer. Talvez isso significasse o fim de seu casamento.

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