Ataque ao abrigo

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Mesas e toalhas alinhadas. Pratos e talheres tão brilhantes que posso observar meu reflexo. O restaurante da família de Theo é puro requinte. Estamos sentados numa mesa ao canto com um arranjo delicado de tulipas. Há poucos clientes pois ainda é cedo. Eu escolhi usar o vestido vermelho que comprei recentemente. Theo está muito elegante usando uma camisa social branca de manga curta e uma calça social preta. Eu olho ao redor e comento:

-Seu restaurante é chique demais para mim.

Ele dá risadas e diz:

-Na verdade, este ainda não está a sua altura. Já escolheu o que vai pedir?

Abro o cardápio, folheio e respondo:

-Que tal você pedir? Afinal, você sabe quais são os melhores pratos.

-Deixa comigo então.

Ele se vira e chama por Thiago, seu irmão mais velho. Thiago vem até nossa mesa com uma caderneta de couro e uma caneta. Ele nos cumprimenta:

-Olá, que moça bonita você trouxe aqui hein irmãozinho.

Ele estende a mão para um cumprimento e diz:

-Sou Thiago, irmão dele. Você deve ser Kristine. Ele tem falado muito de você.

Noto que Theo fuzila seu irmão com o olhar. Eu digo:

-Sim, sou Kristine. É uma prazer conhecê-lo.

-O prazer é meu. Já escolheram o que vão pedir?

Theo ironiza:

-Eu queria que ela tivesse escolhido sua cabeça degolada numa bandeja mas, infelizmente, ela não pediu isso.

Thiago aperta o ombro de Theo com uma das mãos e diz:

-Cuidado Theo, não se esqueça de que esse ainda é o seu emprego.

Apenas dou risadas do desenrolar dessa briguinha infantil entre irmãos. Theo descreve nosso pedido, enquanto Thiago anota tudo em sua caderneta:

-Para entrada, vamos querer Vieiras Defumadas.

Thiago comenta:

-Ótima escolha. São vieiras levemente defumadas, com aspargos, palmito pupunha cremoso e azeite de erva doce.

-No prato principal, queremos bacalhau.

-Você vai adorar o nosso bacalhau Kristine. Ele não é como os outros. Ele é fresco cozido em azeite, tomates frescos, ervas, brócolis e arroz com azeitonas pretas.

Theo se vira para mim e avisa:

-Ele é o chefe da cozinha então, não estranhe se ele se animar tanto para anotar os pedidos.

-Pelo menos, ele ama o que faz.

Agora, falando com Thiago, ele diz:

-Por fim, para sobremesa vamos querer Crème Brûlée.

-Anotado, bom apetite e aproveitem.

Ele se despede com um sorriso e retorna a cozinha. Ficamos a sós na mesa. Theo fala:

-Você está linda.

-Obrigado. Parabéns pelo seu restaurante, tudo aqui é muito bonito e bem organizado.

-É o toque especial da minha mãe. Como está Rosalinda?

-Ela está bem. A essas horas deve estar assistindo algum de seus filmes clássicos.

-Que bom. Você está gostando de Viana? Acredite, tem muita coisa incrível para você conhecer ainda.

-Estou gostando sim, na verdade, não saio muito mas a vizinhança é legal e a paisagem bonita. Não tem motivos para não gostar.

-É verdade. A propósito, de onde você veio? Até hoje você não me contou sobre isso.

Eram perguntas assim que eu temia. Como uma pessoa como eu pode achar que vai se encaixar aqui? Abaixo a cabeça e penso no que responder mas, nada surge na mente. Diante do silêncio, Theo diz:

-Que indelicadeza a minha, se você não me falou deve ter seus motivos. Não precisa me contar se não quiser. Fico feliz que tenha vindo. Te conhecer foi muito bom.

-Obrigado. Você é uma das poucas pessoas que eu conheço aqui mas, fico muito feliz em ter te conhecido. Você já me ajudou muito Theo. Eu não estaria tão feliz aqui se não tivesse você.

Ele sorri mas, não um simples sorriso. Um sorriso iluminado, radiante, como se a luz do sol estivesse em seus lábios. Fico encantada ao presenciar tal sorriso tão perfeito. Ele diz:

-Que bom que se sente assim, Kris. Aliás, posso te chamar assim: Kris?

Sorrio de leve e respondo:

-Por mim tudo bem.

A comida é servida. Tudo está uma delícia, eu nunca comi algo tão saboroso assim e muito menos, servido por garçons. Isso é um luxo. Na minha vida, eu só fui uma vez ao restaurante com minha família. Mas, não era um restaurante como esse. Ou melhor, diante deste não pode sequer ser chamado de restaurante.
Eu e Theo continuamos uma conversa agradável e descontraída, falando sobre tudo e nada ao mesmo tempo e sei que esta será, de longe, a minha melhor noite aqui em Viana.
Olho ao redor, o restaurante começou a encher. Nós dois já estamos saboreando a sobremesa. Olho para TV onde está sendo transmitida uma partida de basquete e lembro, com saudades, dos meus irmãos jogando bola.
De repente, a partida é interrompida por uma repórter num estúdio, trazendo notícias urgentes:

-Boa noite, estamos trazendo tristes notícias sobre um recente ataque em vários abrigos em Belta.

Não pode ser... Eu não ouvi isso. Deve ser confusão do meu cérebro. Foco os olhos na manchete na TV que está informando:

Durante o dia, ataques de guerra em 5 grandes abrigos em Belta deixa 103 feridos e 10 mortos.

Em choque, deixo a colher cair na mesa.

Permanecer ou partirOnde histórias criam vida. Descubra agora