Sobrevivente

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Abro meus olhos vagarosamente. A claridade da luz impede que minha visão ganhe foco. Sinto cheiro de antisséptico. Aonde estou?
Estou dolorida mas consigo, lentamente, erguer meu corpo e é aí que vejo meu homem parado na porta do quarto. Aliás, estou num quarto de hospital, reconheço.
Ao me ver, os olhos de Theo brilham e uma lágrima escorre deles. Não dizemos nada, faltam-nos palavras. Ele se aproxima da minha cama e me abraça forte. Theo enterra seu rosto no meu pescoço. Seu abraço é tão forte que eu, por estar machucada, sinto dor mas não me importo. Desde que eu tenha ele, nada mais importa.
Nossas lágrimas e suspiros começam a se misturar. Encostamos nossas testas. Com a mão, limpo as lágrimas que deslizam em sua face.
Eu deveria estar assustada ou apavorada por estar num hospital e não entender plenamente o que está acontecendo mas, Theo está aqui e isso é o bastante para me fazer confiar que tudo ficará bem.
Pergunto:

-Por quanto tempo estou aqui?

-Faz dois dias.

Me espanto. Imaginei que tivessem sido apenas algumas horas. Digo:

-Eu só me lembro de ter caído no lago, não faço ideia do que aconteceu depois.

Sentado ao meu lado na cama, segurando minhas mãos, Theo conta:

-Eu estava lá na floresta, na parte aberta em que nos deitamos da outra vez. Eu ouvi um de seus gritos. Por eu estar muito longe, não deu para entender o que você estava dizendo e nem para chegar tão rápido mas, meu coração acelerou e eu fiquei desesperado correndo pela floresta tentando te achar. Na euforia, acabei me machucando também.

Ele me mostra seu braço direito com uma ferida enorme cicatrizando. Passo, delicadamente as mãos em seu braço.
Theo diz:

-Mas, não adiantou, eu cheguei tarde demais. Eu fui um idiota e te deixei sozinha! Eu não te protegi!

-A culpa não foi sua! O único culpado é o Marcus! Aliás, onde ele está?

-Fugiu. Ninguém faz ideia de onde ele possa estar.

-Por que ele fez isso comigo? O que ele queria?

Theo suspira e diz:

-Eu descobri o porquê mas, eu explico depois. Você precisa descansar agora está bem?

Observo que ele está com olheiras e seus olhos estão pesados e cansados. Digo:

-Não sou a única que precisa descansar aqui. Olhe para você! Você tem dormido?

-Na verdade, não consegui. Eu ficava acordado o tempo inteiro te olhando e esperando que você acordasse porque, se você não acordasse, minha vida acabaria. Eu te olhava todo instante, todo segundo e implorava que você acordasse.

Abraço-o e, num sussurro em seu ouvido, digo:

-Está tudo bem agora, tudo isso já passou.

Ficamos abraçados e silenciosos por um tempo. Digo:

-Sobre a cena que você viu no seu escritório, comigo e com o Marcus...

-Não precisa se explicar. Minha mãe me contou o que realmente aconteceu. Me perdoe, Kris.

-Está tudo bem.

Theo diz:

-Você me conhece tão bem que soube exatamente onde eu estaria. Você foi dirigindo até lá! Briguei muito esses dias com meu irmão por ter deixado você dirigir sozinha de madrugada.

-Foi eu que insisti! Por falar nisso, o que resultou do carro dele?

-O seguro vai reparar o amassado na traseira.

-Ainda bem! Thiago me recomendou tanto cuidado com o carro dele!

Uma enfermeira entra no quarto e se espanta ao me ver. Eu devia estar péssima quando cheguei aqui. Ela diz:

-Olá Kristine! Como se sente? Estou muito feliz que tenha acordado. Estava verificando todos os pacientes. Precisa de algo?

-Obrigada, eu gostaria de um pouco de água.

-Pode deixar! Também trarei seu almoço e os seus remédios. Vou indo, deixarei os dois conversando.

-Espera!

Ela para e diz:

-Pode falar, querida.

-Eu queria saber que horas vou poder ir para casa.

Ela põe as mãos na cintura e fala:

-Calminha aí! Você acabou de acordar, ainda precisa ficar aqui até se recuperar totalmente.

-Entendi.

A enfermeira deixa o quarto. Pergunto para o Theo:

-Como me acharam no lago e me trouxeram para cá?

-Quando eu finalmente achei o Marcus, mas não você, obriguei-o a me dizer onde você estava e quando ele disse o que havia feito, meu coração se despedaçou em mil. Liguei desesperado para a ambulância e os bombeiros e eles te resgataram. Você estava tão pálida. Eles te internaram e você não acordava, e eu me culpava por tudo. Fiquei aqui com você e sai apenas uma vez com a insistência de Rosalinda e dessa vez, quando cheguei em casa, quebrei o meu quarto inteiro.

Me aninho em seu colo e digo:

-Eu sinto muito por tudo que aconteceu.

Theo beija minha testa e nós dois continuamos ali aproveitando nosso momento juntos após toda essa confusão.
Ele diz:

-Eu estou sendo egoísta, estão todos preocupados com você e eu até agora não saí daqui do seu lado e não avisei ninguém de que você acordou. Vou chamá-los.

-Quem está aqui?

-No momento, Rosalinda, minha mãe e Thiago. Eles vão ficar muito felizes em te ver! Em nenhum momento você ficou sozinha aqui, Kris. Sempre tinha alguém te acompanhando.

Sorrio com tamanho carinho por parte de pessoas que não são minha família de sangue mas, agora sei que apesar disso, eles são minha família.
Digo:

-Preciso ligar para os meus pais!

-Calma Kris, teremos tempo o bastante para fazer tudo que você quiser mas, agora vou deixar todo mundo te ver e depois você vai descansar.

Ele beija minha mão e sai do meu quarto, deixando-me sozinha com os meus pensamentos.
Agora, uma nova questão surgiu: E se Viana não for mais um lugar seguro para mim?
Eu havia acreditado que tudo estava bem mas, depois desse episódio, não tenho mais certeza se Viana é o lugar certo para mim. Talvez, o que Marcus fez comigo, tenha algo haver com o fato de eu ser uma refugiada.
Por enquanto, quero apenas aproveitar a sensação boa que sinto ao saber que eu sobrevivi.
Deixarei as questão ruins de lado, pelo menos por agora.
Eu tenho algo melhor para pensar e confortar meu coração. Eu sobrevivi.

Permanecer ou partirOnde histórias criam vida. Descubra agora