Finalmente, documentos

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Acostumei-me facilmente com a família de Theo. Sua mãe Michele e seu pai Murilo são amorosos e muito dedicados no seu trabalho aqui no restaurante. Theo contou-lhes sobre minhas origens e eles continuaram me tratando super bem.
Tenho trabalhado diligentemente e me esforçado bastante. Para alguém que sequer conhecia muito bem um restaurante, tenho me saído uma ótima garçonete.
Me relaciono bem com os outros funcionários e inclusive, conheço os clientes costumeiros.
Estamos todos os garçons no balcão, pois dentro de instantes, o restaurante abrirá. Conversamos trivialidades até que Thiago, irmão do Theo, liga a TV. Mais notícias sobre refugiados, vindo de diferentes lugares atingidos pela guerra, chegando em Viana. Uma corrente de ansiedade se espalha pelo meu corpo. Da última vez que essa mesma TV estava ligada transmitindo notícias desse tipo, o resultado não foi bom. As portas do restaurante se abrem e os clientes começam a entrar e escolherem suas mesas.
Os garçons, aos poucos, vão se dirigindo as mesas. Eu continuo ali parada, tentando ouvir a notícia. Theo sai da cozinha e olha para mim. Ao me ver parada olhando para a TV, ele vem para o meu lado e me abraça.
A notícia mostra o número enormes de refugiados em muitos países, em especial Viana por fazer fronteira com países em guerra ou que estão se recuperando de uma. Uma autoridade se pronuncia a respeito disso e diz que os imigrantes são de ajuda para mão de obra do país, entre outros aspectos. O problema que ele menciona é a forma como chegam até aqui e o fato de alguns não possuírem documentação. Suspiro.
A garçonete que também está no balcão, próximo à nós dois, fala:

-Não entendo porque essas pessoas fazem isso. Elas deveriam estar perto de suas famílias nesse momento ao invés de estarem buscando melhorias para si mesmo.

Sua frase chega aos meus ouvidos de uma forma muito dolorosa. Theo diz para esta garçonete, com uma voz firme:

-Por favor Andreia, volte ao trabalho agora.

Ela o olha com uma expressão confusa mas, faz o que ele manda. Theo se vira para mim e fala:

-Não se importe com isso Kris. Você sabe que a opinião dela está distorcida dos fatos. E se estiver assim por causa da notícia, fica tranquila, tenho certeza que logo seus pais mandarão seus documentos.

-Eu não sei de mais nada Theo. Meus pais já mandaram uma carta depois que eu pedi os documentos mas, eles não disseram nada sobre isso. Apenas me mandaram uma foto de todos eles que, aliás, quero muito te mostrar. Eles também pediram uma foto nossa.

Ele me olha duvidoso e indaga:

-Como assim? Você já falou de mim para eles?

-Sim, eu disse.

Um sorriso enorme desponta em seus lábios e ele diz:

-Estou muito feliz por isso! Uau, sua família em Belta sabe sobre nós, não poderia ser melhor mas, devo dizer que você quebrou uma tradição do seu país.

-Nunca me senti tão bem em quebrar uma tradição.

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Filha,

Tentei te enviar seus documentos junto com a carta anterior porém, a presença de alguns soldados aqui no abrigo me fez decidir que era melhor esperar. Tive medo que eles mexessem nas cartas e fizessem algo quando vissem seus documentos talvez, destruindo-os.
Agora, eles foram embora, então estou te mandando seus documentos em segurança agora.
Seu pai já tirou o gesso e está melhor. Estamos todos bem, porém sentimos muito sua falta. Assim que o sinal voltar te ligaremos! Fique segura!

Te amo

Sua mãe, Mara

Tranquilidade e alegria tomam conta de mim. Com os documentos, posso dormir em paz. Posso ter direitos. Posso ser alguém. Grito:

-Rosalinda! Desce aqui! Tenho ótimas notícias!

Escuto seus passos descendo as escadas e então, ela chega na sala e diz:

-Oi querida! Me conta!

-Olha só isso!

Entrego-a meus documentos e ela os olha sorrindo. Eu digo, em pura animação:

-Finalmente consegui! Eu estou tão feliz! Agora tudo vai ser mais fácil, até quando eu quiser voltar para Belta!

-Ah Kris, que bom! Fico muito feliz também! Agora, é só esperar que essa maldita guerra acabe.

-Vou agora na casa do Theo para mostrar isso a ele!!

Começo a subir as escadas animadamente, quando Rosalinda me interrompe dizendo:

-Ei Kris, venha cá!

Vou até ela e vejo que seu olhar está fixado na janela. Rosalinda diz, em alerta:

-Eu acho que vi um cara nas árvores do lado de fora.

Olho pela janela e não vejo nada. Digo:

-Não tem ninguém lá. Deve ter sido impressão sua.

Ela relaxa e diz:

-É, deve ter sido.

Então me lembro que alguns dias atrás eu tive essa mesma sensação. Fico preocupada mas, logo paro de pensar nisso pois, estou feliz demais com a carta da minha mãe e meus documentos.
Me arrumo e vou para casa de Theo. Ele fica feliz ao ver os documentos. Passamos a tarde namorando e depois, a família dele me convidou para ficar para o jantar que foi extremamente agradável.
Eu e Theo tiramos uma foto juntos abraçados na varanda de sua casa para mandar aos meus pais.
Ao lado de Theo, sou feliz e sou amada. Como poderei voltar para Belta sem ele? Ao mesmo tempo, como poderei ficar tão longe da minha família?
Eu havia achado que a decisão mais difícil que tomei foi a de vir para Viana ou não. Mal sabia eu, o que me aguardava pela frente.
Eu amo minha família.
Eu amo o Theo.
Por mais que eu evite, uma hora terei que decidir entre permanecer ou partir.

Permanecer ou partirOnde histórias criam vida. Descubra agora