Partir

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-Kris, você já escolheu a cor das flores? Rosas, azuis ou vermelhas?

Cor das flores? Eu não havia pensado nisso. A única cor que selecionei foi a do papel da carta que mandei para minha família que foi rosa claro. Infelizmente, ainda não obtive resposta e meu desespero por causa desse silêncio só aumenta.
Rosalinda me olha e diz:

-No que está pensando?

Suspiro, olho para o telefone tão silencioso e tão sem respostas ali na sala e digo:

-Eu não sei o que está acontecendo com minha família. Eles não ligam, nem eu nem Theo conseguimos ligar. Eu estou muito preocupada!

-Eu sinto muito por isso, Kris. Mas, faltam poucos dias para o seu casamento então, pense apenas nisso. É uma nova etapa da sua vida e você precisa planejar um bom casamento, faça isso pelo Theo.

-E se minha família estiver em problemas? Como eu posso simplesmente ficar parada e esquecê-los?!

-Não pedi que você os esquecesse. Apenas por esses dias pense no Theo e no voto que vocês vão fazer. Talvez sua família esteja bem na medida do possível e apenas perdeu o contato com você. Acalma esse coração!

Depois de segundos em silêncio, decido dizer:

-Acho que flores azuis vão ficar bonitas.

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Estou no carro com Theo. Dessa vez, eu estou dirigindo. Ele pergunta:

-Aonde estamos indo? Para um jantar especial?

-Não, eu quero fazer algo diferente. Nós já trabalhamos todas as noites num restaurante.

-Então, para onde estamos indo?

-Espere e verá.

Ele ri e eu continuo dirigindo. Theo repara:

-Acho que você já se adaptou super bem aqui. Já está dirigindo com muita facilidade pelas estradas como se já as conhecesse desde sempre!

Eu gostaria que se adaptar a Viana envolvesse apenas isso. Digo:

-A questão não é essa. Eu gosto daqui e tenho você mas, é difícil saber que, enquanto estou segura aqui, minha família vive em perigo em Belta.

Ele não diz nada. Com certeza, não há nada para dizer sobre isso assim como não há solução.
Revelo:

-A propósito, estamos indo ao cinema.

-Ótimo, eu estava mesmo querendo ir ao cinema. A última vez que fui, foi a dois meses atrás com você.

Dois meses. Bem, meus irmãos nunca foram a um cinema. Na verdade, ninguém da minha família foi. Exceto a mim.
De fato, tudo que minha família vivenciou foi a guerra e suas consequências. Eles merecem mais que isso.
E eu? Por quê não voltei para ajudá-los? Eu prometi que voltaria.
Olho para Theo. Ele é lindo. E eu amo. Solto uma mão do volante e seguro a mão dele. Digo:

-Eu te amo.

Ele diz o mesmo.

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É madrugada. Depois de amanhã, será meu grande dia: o meu casamento. Mas, aqui estou eu, sem dormir e me afogando nas preocupações e dúvidas.
Permaneço sem notícia alguma da minha família. Sem ligações e sem resposta a minha carta. A agonia se apodera do meu peito. Eu fico aqui, sem respostas, torcendo para o pior não ter acontecido e para que todos estejam... Bem? Vivos? Saudáveis? Eu nem sei mais o que pensar.
Ando de um lado para o outro no meu quarto. Paro em frente ao meu vestido de noiva pendurado de um jeito todo especial. Eu aliso-o e vejo o quanto ele é lindo. Além disso, meus pensamentos vão até Theo. Me pergunto: será que eu o farei feliz com todos os problemas que eu carrego? Ele merece algo bem melhor do que eu posso ser. Apesar do meu amor por ele ser o maior que há no mundo, me sinto insuficiente.
O que eu devo fazer?
Reflito e concluo que o verdadeiro amor deseja que a pessoa que você ama seja feliz. Percebo que a melhor forma para dizer que eu o amo é deixá-lo livre de mim e dos meus dilemas.
Lágrimas e soluços escapam de mim e eu choro como nunca chorei antes. Ficar sem ele me fará ser incompleta mas, continuar com ele será egoísmo. Eu estarei privando-o de algo melhor do que eu posso oferecer.
Com as mãos trêmulas, devolvo o vestido de noiva para dentro do meu guarda roupa e pego minha mochila que trouxe comigo de Belta. Enquanto tento conter o choro, pego algumas peças de roupa e as arrumo dentro dela. O que eu realmente gostaria de levar comigo não posso.
Nunca esquecerei os momentos lindos que vivi com Theo e de todo o amor que sentimos. Nem que eu quisesse esquecer tudo isso, não conseguiria.
Com dor no coração e lágrimas no rosto, decido partir.

Permanecer ou partirOnde histórias criam vida. Descubra agora