Capitulo I

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"Não existe felicidade sem a experiência da dor. O antídoto é feito do próprio veneno."
- João Felipe Araújo

Era noite já. Avistei ao longe minha pequena casa. Estava exausta da longa e árdua jornada de trabalho, meus pés doíam e ardiam, e com toda a certeza assim que tirasse meus velhos e gastos sapatos eles estariam inchados e com diversas bolhas por toda a sua extensão. Deixei a cesta de palha fora de casa ao lado da porta e entrei. A casa em si era simples, o teto era feito de palha trançada e posta de modo que impedisse a entrada de sol e chuva, as paredes eram feitas de madeira e o piso era de terra batida, terra vermelha que impregnava nas roupas e tecidos. Não tinha nenhum tipo de repartição para cômodos, sendo assim meu quarto ficava no canto da casa, se bem que quarto não era a melhor palavra para descrever, não passava de um fino tapete de palha que usava como colchão e um lençol fino e antigo, gasto pelo tempo, que usava para cobrir-me, uma pequena cômoda de madeira feita por meu pai pouco antes de morrer ficava ao lado da minha cama, com uma jarra de água e o final de uma vela. Mais perto da porta se encontrava o fogão, que era uma estrutura em forma quadrangular feita de pedra com uma pequena abertura para se colocar a lenha e a queimar para aquecer o alimento. Morava longe da cidade, por isso tentava plantar o essencial para conseguir sobreviver e o que sobrava vendia nas feiras do centro. Para conseguir água era obrigada a caminhar por um bom tempo até conseguir acesso a alguma fonte, assim possuía um grande barril de madeira no qual a armazenava para não ter que todo dia buscar mais. Um pequeno baú completava os moveis do meu lar, onde guardava minhas roupas e pertences. E era isso. Essa era minha casa, mas apesar de todas as dificuldades eu agradecia a Deus por ter ao menos um teto onde repousar. Fechei a porta com um rangido sôfrego e suspirei aliviada, finalmente poderia descansar. Tirei meus sapatos e senti a terra fria sobre os meus pés, fazendo-me sentir uma sensação boa e um arrepio gostoso subir por minha coluna. Retirei toda a minha roupa e fui até a tina com um pano em mãos, o molhei e comecei a passa-lo pelo meu corpo, tirando toda a sujeira impregnada nele, um alívio tomou conta de mim a medida que o pano passava pela minha pele e a limpava. Ao terminar peguei um camisolão e o vesti, fui até minha cama e deitei, puxando o lençol e cobrindo-me. Essa noite seria bem fria, era o começo do inverno.





Acordei com os primeiros raios de sol clareando o dia, vesti a roupa do dia anterior, limpei meus pés e calcei meus sapatos, decidi colocar um lenço na cabeça para prender meus longos cabelos castanhos amendoados, como não tinha lavado eles ontem, estavam sujos e um pouco grudados a cabeça, e eu poderia até trabalhar cuidando da terra e vivendo um pouco suja, mas não gostava de aparentar essa sujeira. Peguei a cesta ao lado da porta e fui até a minha horta, colhi alguns legumes e hortaliças e coloquei dentro da cesta, logo depois adubei a terra e reguei as plantas, tirei as ervas daninhas com as mãos e depois com a enxada fiz mais alguns buracos na terra e coloquei algumas sementes. Não poderia esperar o inverno ficar mais forte, tinha que armazenar o máximo de alimento que conseguisse. Depois de terminar todas as minhas tarefas peguei a cesta e andei até o começo da estrada de terra. Comecei meu longo caminho para o centro mais próximo e rezava para que alguma carroça passasse e pudesse pegar uma carona, mas minhas preces não foram ouvidas dessa vez, caminhei por algumas horas e quando, finalmente, cheguei até meu destino o sol já estava alpino no céu.
A cidade estava uma confusão como sempre, varias pessoas andando apressadamente de um lado para o outro e quando se esbarravam apenas fechavam a cara e continuavam seu caminho. Não gostava de vim até aqui, me sentia deslocada com toda essa movimentação e barulho, desde pequena fui criada isolada de tudo e de todos, passava o dia ou até mesmo dias sozinha lá na casa enquanto meu pai trabalhava e ia vender sua mercadoria nas cidades. Era apenas eu e meu pai. Ele que cuidava de tudo, da plantação, da arrecadação de dinheiro para conseguir pagar os impostos do nosso Senhor e da Igreja, ele que ia até a cidade para comprar o que precisava... Em resumo eu servia apenas para preparar a comida e cuidar dele caso precisasse.
As únicas pessoas que iam até a nossa casa eram os soldados para recolher o soldo uma vez a cada mês, mas meu pai nunca deixava que eles me vissem, nunca entendia o porque, mas ele me disse uma vez que as mulheres, principalmente as moças puras, as vezes eram recolhidas e levadas até o palácio para servir como escravas caso o Senhor pedisse ou caso a família devesse alguma parte do soldo, isso servia como forma de punição.
Cheguei até a feira e coloquei a cesta no chão, começando a anunciar meus produtos. Estava quase com a cesta vazia quando um homem baixinho e bastante rechonchudo passou com uma roupa de corte nobre na cor azul acompanhado de alguns soldados, com suas armaduras da cor prata brilhando quando atingidas pelos raios solares. O homem subiu no palanque de madeira que tinha na feira e olhou para todos, seus olhos eram escuros e seus cabelos eram curtos, tão curtos que não dava nem para distinguir a cor deles. Ele desembrulhou um pergaminho e limpou a garganta antes de se pronunciar.
-Silêncio! - bradou com sua voz alta e forte. - tenho em mãos um pronunciamento do nosso senhor!
Com isso todos os presentes se calaram e olhavam o homem com expectativa, afinal eram poucas as vezes que um pronunciamento do Senhor das Terras era feito e lido para o povo.
-Aqui, por meio deste escrito, venho anunciar que nossa paz está sendo ameaçada! - o homem entonava a voz e dava emoção ao texto como se fosse um trovador, suas faces estavam avermelhadas por causa do sol e por causa do esforço - Bárbaros nos ameaçam e a mim foi confiado o dever de proteger a todos os que estão em minha terra, por essa razão venho a pedir a ajuda de todo os meus servos. Os impostos serão recolhidos mais cedo, amanhã todos deveram permanecer em suas casas, e ficarão dessa forma até o nascer do sol do terceiro dia. O soldo será aumentado devido a necessidade urgente da compra de mais armas para a proteção do território, a cobrança agora será de dezessete moedas de prata e três de ouro. As regras e leis são as mesmas do das outras vezes. Com isso encerro minha fala e meus avisos e exijo a cooperação de todos, caso aconteça algo que perturbe a ordem ou quebre a lei meus soldados tem a permissão de agirem do modo que julgarem necessário para resolver o problema.
O aviso foi encerrado e pregado a parede do palanque, como se dessa forma o povo pudesse confirmar se tudo o que foi dito pelo homem era verdade, mas eram poucos os plebeus que sabiam ler ou escrever, esse benefício era quase que exclusivo dos nobres e do Clero. A feira começou a esvaziar e decidi voltar mais cedo, afinal mais ninguém iria gastar suas moedas depois desse pronunciamento.
Tínhamos uma espécie de contrato de vassalagem para com o Senhor Feudal, ele nos prometia proteção e uso de parte de sua terra, mas em troca deveríamos virar seus servos e pagar o soldo à ele, assim como prestar qualquer outro tipo de serviço caso fosse necessário. O Feudo em que vivo é grande e poderoso, ele foi criado através de varias alianças e acordos aos longos dos séculos e hoje é comandado por cinco famílias, ou clãs. Cada uma é responsável por uma parte do vasto território, funciona como se fosse cinco Senhores. A região em que vivo é comandada pela família Hyuuga, e ela era conhecida pela sua frieza e por terem os melhores soldados. A pouco tempo atrás o líder havia falecido e seu sucessor assumiu seu lugar, seu nome era Neji, Hyuuga Neji, conhecido como o amaldiçoado. Seu pai, irmão gêmeo de Hyuuga Hiashi o antigo Senhor, foi morto em batalha e sua mãe faleceu ao dar-lhe a luz, desde cedo foi iniciado na arte do combate e todos diziam que ele era o prodígio dos Hyuugas, sem nenhum ponto cego ou fraqueza, mas quando ele completou oito anos outra tragédia assolou essa família e a todos os outros Senhores e nobres, Hyuuga Hinata, herdeira legitima de Hiashi foi levada do palácio junto com outras quatro crianças, algumas eram descendentes dos Senhores e outras de nobres muito importantes, dos conselheiros reais. A busca pelas quatro crianças foi incessante, mas nunca a encontraram, rumores dizem que elas foram tiradas do feudo e trancafiadas em algum lugar, para que sofressem na pele tudo que os servos desses senhores sofriam, serviria como uma forma de consolo e rebeldia a eles. Após isso acontecer o jovem rapaz se fechou mais em si e sempre em uma batalha marcava seus inimigos com a marca da maldição antes de mata-los, com o intuito de faze-los sofrerem tanto quanto ele mesmo. Mas isso eram apenas histórias contadas pelos pais para assustar seus filhos e fazê-los se comportarem.
Estava um pouco preocupada, nos últimos dois meses não havia conseguido juntar moedas o bastante para pagar o soldo, e esse mês seria o meu prazo final para pagar toda a dívida, caso contrário iria sofrer algum tipo de punição e eu não gostava nem mesmo de pensar sobre isso. Mas, com esse grande aumento de moedas, temo nem mesmo conseguir pagar esse mês. Estava ficando preocupada. Cheguei o mais rápido que consegui em casa e tirei um pote de dentro do baú, jogando no chão todas as moedas que possuía. Além das dezessete moedas de prata para pagar esse mês eu deveria ter mais cinco, no total vinte e duas, contei e suspirei aliviada eu tinha as vinte e duas moedas de prata, agora só faltavam três moedas de ouro desse mês mais quatro para quitar minha dívida. Procurei no chão mais não tinha nenhuma, tirei as moedas do meu bolso e gelei. Uma... Só tinha uma moeda de ouro!
-NÃO! - gritei desesperada com as mãos na boca. - não, não, não... Isso não pode estar acontecendo, é apenas um sonho ruim, quando abrir os olhos vou estar deitada na minha cama e bem. - fechei meus olhos com força e belisquei minha pele, abri os olhos e vi que continuava no mesmo lugar, com as moedas no chão e uma única moeda de ouro brilhando entre as de prata.
Lágrimas começaram a banhar meu rosto e meu coração batia freneticamente em meu peito. Eu estava apavorada, isso não poderia estar acontecendo, não comigo.
-por favor, não deixe que nada de mal me aconteça quando eles chegarem aqui amanhã. - comecei a rezar baixinho com a cabeça entre os joelhos.











Acordei com uma bela dor nas costas e toda suja de terra, minha cabeça pesava e tentei focar minha visão. Estava em casa. Ontem chorei tanto que acabei dormindo sem perceber. Fui para o lado de fora da casa e tirei minha roupa, peguei o balde de água e coloquei algumas flores que eu gostava muito do cheiro, peguei um pano e comecei a passar pelo meu corpo e ele saia meio avermelhado por causa da terra, depois de ter conseguido limpar meu corpo peguei a água com uma cuia e joguei nos meus cabelos e passei as mãos no intuito de tirar a sujeira, fiz isso diversas vezes e quando senti que já estava limpa joguei o resto da agua sobre a minha cabeça. Torci meu cabelo para retirar o excesso de água e fiquei um tempo no sol para me secar. Esse era o lado bom de morar isolada de todos, podia tomar banho do lado de fora de casa e não me preocupar de ser pega por alguém. Relaxei ao sentir os raios solares sobre mim, me aquecendo e trazendo-me uma calma absurda em meio ao caos que está virando a minha vida. Coloquei minha roupa suja dentro de outro tambor de água para limpa-lá e entrei em casa , tirei uma roupa de dentro do baú, era um vestido branco com mangas até os pulsos e ele ia ate meu tornozelo, era simples, mas eu o adorava. O vesti e calcei minha sandália, logo após tirar a terra dos meus pés. Penteei meus cabelos.
Eu precisava ser forte agora, eu não era nenhuma menina indefesa, eu era uma mulher que sabia se virar sozinha, uma mulher forte e decidida, que não se afrontava por qualquer coisa. Fiquei sentada no meu colchão com o saquinho de moedas em mãos, não sei quanto tempo fiquei divagando sobre as coisas e repetindo para mim mesma que eu iria vencer qualquer coisa que me acontecesse, só sei que sai dos meus devaneios com o som de batidas na porta. Suspirei e levantei.
-você consegue Tenten, seja forte. - disse para mim mesma antes de abrir a porta e me deparar com cinco soldados na porta. Engoli em seco.
-bom dia senhorita, algum homem se encontra? - perguntou um soldado.
-oh, não. Meu pai saiu em viajem para vender suas mercadorias. - disse engolindo a bile.
Desde que meu pai morreu invento alguma desculpa para dar, afinal uma mulher que morava sozinha era desprotegida e qualquer pessoa poderia fazer o que quisesse.
-entendo. Está com o pagamento?
Entreguei-o saco de moedas ele foi contar uma por uma e ver um papel que segurava.
-aqui diz que sua família está devendo algumas moedas há alguns meses.
-sim, planejávamos pagar tudo neste mês, porém com o aumento e o adiantamento do dia não conseguimos juntar todas as moedas necessárias. - minhas mãos soavam, e para esconder isso mantinha elas atrás das costas juntas ao vestido para seca-las.
-terá que vim conosco então! - disse o guarda já me puxando pelos braços.
-hã? Como assim? - tentei me soltar de sua mão, mas ele apenas apertou mais meu braço.
-fique quieta e venha conosco! - bradou o guarda - sua família está devendo e a levaremos até o palácio para ver o que será feito contigo caso ninguém apareça lá para pagar o que resta!
Arregalei meus olhos. Ninguém iria aparecer lá para pagar a dívida eu estava sozinha nessa, tinha que fugir, caso contrário algo muito ruim poderia me acontecer.
-me largue! - disse acertando um chute em sua barriga, ele me soltou pelo susto e comecei a correr. Não sabia no que estava pensando quando fiz isso, mas agora estava apavorada e corria o mais rápido que conseguia, mas eles estavam atrás de mim e se encontravam perigosamente perto. Meus pulmões já ardiam, minhas pernas ardiam, mas não podia simplesmente desistir. Senti algo sobre mim e fui jogada no chão, tentei me levantar, mas estava presa por braços muito fortes.
-vadia! - gritou o guarda que acertei - eu espero que ninguém vá pagar essa maldita dívida e você seja transformada em uma prostituta. Irei me divertir muito com esse seu lindo rostinho. - ele me acertou um forte tapa no rosto, ferindo meu lábio. - levem-na para a grade e vamos logo, temos um longo caminho pela frente.
Fui jogada dentro de uma estrutura de metal com algumas grades que me prendiam do lado de dentro, me encolhi em um canto e abaixei minha cabeça.
Eu estava perdida.

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