Capítulo XIX

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"Qualquer pessoa pode se transformar em algo belo."
- A Linguagem das Flores

Gaara

Eu já estava no quarto que ocuparia enquanto ficasse no Reino Senju.
Tinha acabado de sair do banho e estava enrolado em uma toalha. Em cerca de uma hora seria o jantar e segundo Keiko Tsunade odiava atrasos, então não me arriscaria a dormir antes de ir para lá, faria isso depois para poder garantir a minha integridade física, aquela mulher sabia ser bem assustadora quando queria.
Keiko me arrastou para todos os lados desse castelo nessa tarde, aquela ruivinha tinha uma energia fora de série e cismou comigo. Eu não tenho o menor jeito com criança, a única com quem eu "brincava"era Temari, porém eu a levava para a área de treinamento e a ensinava a lutar. Keiko era espontânea em todas as suas ações e tinha uma personalidade muito forte, mas de alguma forma ela me cativou, era uma criança fofa e engraçada.
Ia começar a tirar a toalha da minha cintura quando a porta do meu quarto foi aberta, como não estava esperando por isso acabei levando um susto e quase cai no chão.
- Mas que porra?! – exclamei me virando
Naruto, Sasuke, Neji e Shikamaru estavam na porta.
- Coloque uma roupa, palito de fósforo. Ninguém merece ver essa merda aí! – falou Naruto tampando os olhos com as mãos.
- Sem drama – falei revirando os olhos – nem pelado eu estou, Naruto.
Todos entraram no quarto e fecharam a porta, fui até o guarda roupa e tirei a toalha, colocando uma calça em seguida. Virei na direção deles e encostei-me na madeira do móvel.
- O que os quatro querem aqui? – perguntei.
- É algo sério, Gaara – começou Shikamaru coçando a barba. Ele sempre fazia isso quando estava nervoso. – Eu tenho certeza que Kento e Akemi são os filhos de Neji – soltou de uma vez quase me fazendo cair pela segunda vez no dia. Meus olhos estão tão arregalados que devem estar parecendo duas bilocas gigantes.
- Como assim, Shikamaru? – falei andando de um lado para o outro com as mãos nos cabelos.
- Eles têm os olhos de um Hyuuga, Gaara. Impressiona-me tu não ter prestado atenção nisso. – disse Naruto.
- Eu estava apavorado com Keiko no meu colo, mal prestei atenção nos outros – falei constrangido.
- Se já estava apavorado antes agora irá perder a cabeça – falou Sasuke. Olhei para ele sem entender.
- Gaara, essa sua lerdeza estás começando a me dar nos nervos!- irritou-se Neji – Keiko é sua filha seu idiota!
Agora eu realmente cai no chão.
- É O QUE?
Naruto suspirou e se agachou na minha frente.
- Temos certeza que Kento e Akemi são filhos de Neji, aqueles olhos são característicos da família Hyuuga, não tem como outra pessoa tê-los sem ser descendente do clã. – começou o loiro – elas já tinham tentando fugir uma vez juntas, mas nos as impendíamos. No dia do ataque às cinco sumiram e todas estavam grávidas, as crianças teriam a mesma idade do Shikadai, Daisuke, Keiko, Boruto, Kento e Akemi. Boruto é a minha cara, até os riscos no rosto ele tem. Daisuke é o Sasuke quando mais novo. Shikadai também é uma cópia do Shikamaru, por isso achamos que Keiko é sua filha, é muita coincidência Gaara, não podemos ignorar isso como fizemos da outra vez.
Suspirei pesado e continuei no chão.
Keiko poderia ser minha filha. Minha filha. Por Deus, eu nunca achei que iria encontrar meu filho desse jeito, nem se quer estava esperando por isso. Mas se Keiko realmente for minha filha...
- Elas estão aqui. – afirmei olhando para eles.
- É o que tudo indica – falou Neji – Keiko disse que a única pessoa que tinha olhos iguais aos dos gêmeos era a "tia Hina". Hina é apelido de Hinata, só tem ela com os meus olhos, Gaara. Se ela está aqui as outras também estão.
Um arrepio subiu pelas minhas costas.
- Puta merda! – falei enquanto me levantava do chão – Se elas estiverem aqui estamos fodidos!
Acho que nunca senti tanto pânico na minha vida como estou sentindo agora, meu estômago está revirando tanto que estou até enjoado.
- Sem ataque de pelanca agora, Gaara. – falou Sasuke chegando na minha frente – Sabíamos que uma hora ou outra isso iria acontecer. Não estávamos esperando por isso nesse momento, mas não dá para fugir, para ser sincero nunca deu para fugir. Sua filha vai estar naquela sala de jantar, sua irmã e a mulher que tu diz amar, então vista uma roupa decente e melhore essa cara.
Sasuke estava certo, não dava para fugir disso. Se eu pudesse voltar no tempo e mudar toda a merda que tinha feito eu faria, porém isso é algo impossível e vou ter que conviver para sempre com todos os erros que já cometi ao decorrer da minha vida.
Temari estaria ali, minha irmã que procurei durante anos. A irmã com a qual errei em cada oportunidade que foi me dada.
Minha filha estaria lá, a filha que eu não sabia da existência, mas que já a amava e queria cuidar.
Ino estaria naquela sala. Ino, a mulher que machuquei por puro orgulho idiota. A mulher que me fez mudar de uma forma que não achava ser possível. A mulher que quebrou minhas muralhas uma a uma. A mulher que menosprezei e perdi. A segunda mulher na minha vida que me fez sofrer. A mulher que ocupava minha mente e coração, mas que me odiava com todas as forças que tinha.
Pelo amor de Deus, respira e se acalme.
- Vou me arrumar para o jantar, vão fazer o mesmo, eu os encontro lá. – disse expulsando-os de forma educada, precisava ficar sozinho para processar tudo.
Eles acenaram com a cabeça concordando com o que disse e saíram do meu quarto, finalmente me deixando sozinho.
Sentei na cama e apartei os lençóis brancos que a forravam.
Eu realmente não estava esperando por essa.
Ainda me encontrava em estado de choque tentando processar o que tinha escutado.
Sabia que Ino quando fugiu estava grávida, mas por mais que quisesse encontrá-la e a trazer de volta para agora cuidar dela do jeito certo eu não podia, precisava deixar que ela conquistasse seu espaço e se afastasse de mim, eu a fazia mal e ela não merecia nada do que vinha junto comigo.
O dia em que descobrimos a verdade eu perdi tudo outra vez, minha irmã, meu sobrinho, minha filha e a mulher que descobri amar, mas que nunca consegui demostrar.
Sempre tive problemas para expressar meus sentimentos, sempre fui por natureza um homem fechado e na minha, falando apenas o necessário. Isso nunca mudou, apenas se intensificou com a idade. Não foi culpa de criação nem nada, é apenas a minha personalidade. Com o desaparecimento de Temari esse meu lado se tornou cada vez mais evidente chegando a um ponto em que eu não conseguia mais sentir nenhum tipo de sentimento além de desejo, ódio e raiva. A maioria me chamava de Besta, por terem medo de mim a da minha capacidade de matar, porém uma vez durante um luta um dos comandantes inimigos me nomearam de Shukaku, O Demônio da Areia. Segundo a lenda esse demônio habitava em corpos humanos e escolhia seu hospedeiro com base em sua força, uma vez dentro do escolhido ele o transformava em uma perfeita máquina de batalha, sem sentimentos, fatal e impiedoso. Nunca um nome me descreveu tão bem quanto esse e por um tempo acreditei que eu fosse o próprio Shukaku.
Quando a vida me deu aquela derrocada eu decidi que iria tentar mudar, iria tentar ser alguém melhor. Foi e continua sendo difícil para mim fazer isso, porque de uma forma ou de outra esse é o meu jeito, eu não consigo demonstrar afeto, não consigo ser risonho, não consigo ser o homem que uma mulher gostaria de ter ao lado. Gosto de ir a batalhas, gosto de derramar sangue de traidores, gosto da adrenalina que aquilo me traz e tenho medo de isso ser a única coisa que sei fazer de certo na minha vida. Não acredito que consiga ser um bom marido um dia sendo que nem um bom companheiro fui quando tive a chance de ser junto com Ino. Não acredito que possa ser um bom pai, tenho medo de errar e transformar Keiko, aquela ruivinha toda alegre e livre, em alguém como eu. Não fui um bom irmão e será pouco provável que Temari me dê a chance de tentar ser um bom Tio.
Fui tirado de meus pensamentos com a porta do meu quarto sendo aberta novamente. Aquilo me irritou.
- Eu falei que ia encontrar com vocês lá! – disse irritado não me dignando nem a olhar para a porta.
Levantei e fui pegar uma roupa decente para vestir.
- Desculpa, é que eu queria ir com você, tio Gaara. – disse uma vozinha fina e familiar.
Virei na direção da voz e encontrei Keiko com as mãos atrás do corpo e a cabeça baixa.
Suspirei e fui até ela, agachei-me a sua frente e levantei seu rosto. Olhei dentro de seus olhinhos azuis que estavam marejados e me dei um tapa mental.
Aprenda a controlar sua raiva, idiota. E olhe para a porta antes de falar algo.
- Ei, eu não sabia que era você Keiko, achei que fosse os meus amigos. – falei fazendo carinho em seu rosto – Hoje eles conseguiram me tirar do sério e não quero ver eles agora. Desculpa ter falado daquele jeito contigo.
- Jura que não tá bravo comigo? – perguntou desconfiada.
- Claro que tenho, não tem como ficar bravo com uma coisinha tão fofa como tu. – disse apertando as bochechas rechonchudas dela.
Ela começou a rir e afastou as minhas mãos do seu rosto. Keiko olhou para mim e fez uma careta bem engraçada depois de me analisar.
- Vai jantar desse jeito? – perguntou apontando para o meu tronco que ainda estava sem uma blusa.
Soltei uma risada baixa e neguei com a cabeça.
- Eu já ia trocar de roupa quando entrou no meu quarto.
- Oba! Eu vou escolher sua roupa então! – falou ela correndo para o armário.
Ela abriu a porta e colocou a mãozinha no queixo analisando minhas roupas, quando olhou todas fez uma careta de desgosto muito engraçada, parecia que ela tinha comido algo azedo.
- Suas roupas são tão sem graças! É tudo preto e cinza. Precisamos sair para comprar roupa para você urgente!
- Está combinado, tu vai me ajudar a remodelar meu guarda roupa – falei indo para o lado dela – mas enquanto isso não acontece pega qualquer roupa que está aí e vamos para a sala de jantar, está quase na hora e não quero que sua avó me mate ou algo do gênero.
- Tá bom, tá bom – ela puxou uma blusa de manga comprida preta, pegou uma calça também preta e um par de sapatos.
Vesti o que ela me entregou e ela ficou sentada na cama enquanto me trocava, mas algo estava me incomodando sobre isso.
- Sua mãe não te avisou que é perigoso ficar em um quarto com um homem que não conhece? – falei incomodado.
Eu estava preocupado com o fato dela fazer isso com outras pessoas, poderia acontecer algo com ela se a pessoa fosse mal intencionada.
- Falou sim, mas eu te conheço e sei que não me machucaria – disse – e eu também sei me defender.
- Eu sei que sabe se defender, mas tem que prometer para mim que se um dia alguém chegar perto de ti e você perceber que essa pessoa não está com boas intenções você irá acertar bem aqui – falei colocando a mão sobre minhas partes íntimas – vai bater o mais forte que conseguir e sairá correndo pedindo por ajuda. Promete para mim?
- Uhum, pode deixar – falou pulando no meu colo – agora vamos comer, estou com fome.
- Tudo bem, sua pequena esfomeada. Vamos comer.
Saímos do meu quarto e percorremos todos os corredores até chegar a sala de jantar. Empurrei a porta e ela se abriu revelando uma gigantesca mesa cheia de comida. Tsunade já estava lá junto com Jiraya, do lado deles estavam as crianças e na frente encontrava-se Naruto, Sauke, Shikamaru e Neji.
- Atrasado – disse Neji.
Apenas revirei os olhos e fui colocar Keiko no chão, porém ela grudou em mim e não soltava de jeito nenhum.
- Eu quero comer contigo – disse fazendo bico.
- Acho que sua mãe não vai gostar disso – falei baixo para somente ela ouvir.
- Ela não está aqui, saiu em missão – respondeu.
- Mesmo assim, Keiko. Não acho uma boa ideia.
- Por favor, eu juro ficar quietinha no seu colo. – e lá estava a carinha de cachorro que caiu da mudança.
Como que fala não para uma carinha dessas? Que merda.
- Tudo bem, mas só dessa vez, ok?
Ela sacudiu a cabeça e abriu um sorriso imenso.
Aquele sorriso fez meu coração bater mais rápido. Era a minha filha que estava sorrindo para mim, que estava no meu colo e não queria sair. Uma sensação maravilhosa tomou conta de mim e sorri um pouco.
- Seu sorriso é bonito – disse a Ruivinha olhando para mim.
Meu rosto esquentou e quebrei o contato visual, procurando uma cadeira para me sentar junto com ela.
- Desculpe o atraso, Tsunade – falei ao me sentar. Keiko se ajeitou no meu colo e repousou sua cabeça em meu peito.
- Sem problemas, Gaara – disse sorrindo e olhou para Keiko – dê um pouco de sossego a ele menina!
- Deixa a criança, ela gostou dele – disse Jiraya rindo e bagunçando os cabelos loiros de sua mulher.
Ela lhe lançou um olhar irado e tentou arrumar os fios que se soltaram do coque que usava.
- Muito bem, vamos servir o jantar – disse Jiraya ainda com um sorriso no rosto.
Ele levantou a mão direita e fez um sinal, com isso os empregados começaram a servir as bebias e a colocarem a comida em nossos pratos. Olhei para Daisuke que estava na minha frente e em seu copo tinha um líquido vermelho e sorri de lado já imaginando o que aquilo seria.
- Suco de tomate, Daisuke? - indaguei apontando para o copo.
- Uhum, é o meu predileto – disse olhando para mim.
- Conheço outra pessoa que gosta desse suco – falei rindo um pouco.
- SÉRIO?! – gritou com os olhos brilhando, todo empolgado
- Sério. Está vendo aquele moreno emburrado ali do canto – falei apontando para o Sasuke – ele ama tomates, se ele pudesse comeria de tudo com eles.
- Tu gosta mesmo? – indagou o menor para Sasuke que apenas afirmou com a cabeça. O menino deu um sorriso gigante – Sara, traga suco de tomate para ele, por favor.
A empregada assentiu e saiu da sala para pegar o suco.
Daisuke não parava de encarar Sasuke e por sua vez o moreno não sabia para onde olhar já que estava incomodado com a situação. Soltei uma pequena risada e neguei com a cabeça.
Onde já se viu.
- Tio Gaara – disse Boruto chamando minha atenção
- Fale, Boruto.
- És verdade que tu és um grande guerreiro? – indagou curioso.
Pensei um pouco antes de responder a pergunta.
- Poderia ser melhor, Boruto. – falei simplista voltando minha atenção a Keiko que me olhava com a sobrancelha arqueada.
- Mas todos dizem que o senhor é letal em campo de batalha e nunca perde. – insistiu o loirinho.
Voltei o meu olhar para ele e sorri.
- Sou um bom guerreiro em campo de batalha, honro o título de General que foi me dado e nunca perco em uma luta. – confirmei o que ele disse – Os inimigos do meu território respeitam a minha força e meu nome, porém isso não te faz um bom guerreiro, Boruto. – suspirei – Para ser um bom guerreiro tem que saber colocar as necessidades dos outros acima das suas, tem que respeitar seu povo e lutar por ele e não por si próprio em busca de reconhecimento e mais poder. Eu era egoísta, mas aprendi de um jeito muito doloroso que as coisas não eram do jeito que eu pensava que fossem e agora tento ser um bom guerreiro. Não é a força que faz o guerreiro ou seus títulos, mas sim os motivos pelos quais luta.
O loirinho não tirava os olhos de mim e percebi que toda a mesa me encrava, porém a única coisa que fiz foi voltar meu olhar a Keiko e rir da cara que ela fazia.
- Pensei que estava com fome, Tomatinho – disse apontando para o prato.
O bico da ruiva ficou enorme e ela cruzou os braços emburrada.
- Não sou um Tomatinho – disse revoltada.
- Claro que é – falei rindo e passando as mãos por seu cabelo – seu cabelo é igual ao meu, portanto esse vai ser nosso apelido especial – falei em seu ouvido para só ela escutar.
- Sério?! – falou toda feliz.
- Uhum – falei com um sorriso.
- Tudo bem, então. – disse rindo. – depois eu vou inventar um para eu te chamar – falou convicta.
Concordei com a cabeça e olhei para a mesa. Tsunade me encarava ainda, porém apenas sorriu e se voltou para o seu marido, conversando com ele.
Eu me sentia bem, como há muito tempo eu não me sentia. Com Keiko no meu colo e as risadas de todos a minha volta eu percebi que talvez eu não fosse tão cinza como achava que fosse.
- Tio – falou Keiko baixinho. Olhei para ela para lhe dar atenção. Ela se mexeu no meu colo até ficar de frente para mim – eu gosto de você – falou me abraçando – promete que não vai sumir da minha vida?
Um bolo se fez na minha garganta e estava com dificuldade para engoli-lo.
Respirei fundo e tentei sorrir.
Minha garganta ardia e meus olhos pinicavam.
Há quanto tempo eu não sinto vontade de chorar?
- Prometo, Meu bem – disse dando um beijo em sua testa.
Ela sorriu e encostou seu rosto em meu tronco.
- Você é uma boa pessoa, eu ia gostar se fosse o meu pai – disse com a voz sonolenta.
Eu quis chorar.
Como tive vontade.
Porém apenas sorri e segurei a lágrima que queria descer.
- Eu adoraria ter uma filha como você, Keiko. Ia ser o Homem mais afortunado do mundo se fosse seu pai.
- Então eu deixo que você seja meu pai – falou bocejando e fechando os olhinhos.
Todos a nossa volta riam e conversavam sem prestar atenção no que essa criança tinha acabado de fazer comigo.
Ela me deu a chance que eu precisava para recomeçar.
Ela me deu uma razão para lutar.
E o mais importante:
Ela coloriu o meu mundo cinza.
Ela achava que eu era bom e eu seria bom por ela, pela minha filha.

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⏰ Última atualização: Apr 27, 2018 ⏰

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