ELISE

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Elise...

Tento buscar nas minhas lembranças quando foi a primeira vez que ela surgiu para mim através dos sonhos, mas não encontro tal registro. A mais remota memória que possuo vem de uma tenra idade, esta se passava em parquinho onde as outras pessoas pareciam ser irrelevantes, sendo apenas ela e seu olhar as únicas coisas que me importavam.

Noites após noites a presença dela tornou-se frequente em meus devaneios. Lembro-me vividamente do primeiro diálogo que tentei criar com ela:

— Oi, qual...

Na ocasião, antes que eu pudesse terminar a frase, ela havia corrido para longe e me deixando ali parado, sozinho. Recordo-me que corri atrás dela, segurei em suas mãos com toda inocência que havia em meu coração infantil e pedi para que ela não me deixasse para trás preso naquele espaço escuro e vazio que estava.

Ela me disse "sim" e eu, que tinha 5 ou 6 anos de idade nessa época, me sentia bem com nossa amizade que foi se formando.

Os anos se passaram e eu sonhava com ela todas as noites, dia após dia eu a via e acreditava mais e mais que sua figura era real. Sempre que dormia era como me transportar para outro mundo, um lugar onde ela residia e sempre me esperava. Minha adolescência chegou, era a fase de descobertas, um mundo diferente do que experimentara até então se abriu.

Em meu aniversário, aquela que apelidei de narizinho, me disse o seu nome. Elise, ela se chamava Elise... A este ponto eu sentia por ela bem mais que amizade, eu a amava; meus sentimentos se reforçaram toda a vez que via seus olhos cheio de carinho enquanto olhava nos meus, quando seu sorriso se abria e até mesmo quando simplesmente a via respirar. Comecei a incorporá-la em minha vida desperta, expressava através de cartas o meu amor e tudo o que ela representava para mim. Cartas sem destinatário.

Minha vida toda fora dedicada a simplesmente passar meus dias sonhando com ela, tudo que fazia era em prol do descanso e consequentemente dos sonhos que me traziam sua imagem. Na segunda-feira de uma manhã fria exatamente no início do inverno veio a reviravolta da minha história.

Meu mundo parecia estar condenado a destruição, uma desolação que faria com que tudo fosse tragado pela escuridão, a mesma da qual Elise havia me salvado.

Eu não poderia deixar isso acontecer, não apenas pelas bilhões de pessoas no mundo, mas principalmente para continuar a sonhar com ela.

Por isso dediquei todo o tempo que dispunha acordado para criar algo que pudesse impedir que o mundo chegasse a seu desfecho, um borracha, para apagar o passado e reescrever o futuro.

Certo dia acordei atrasado, fiz tudo às pressas e sai correndo para pegar o ônibus e chegar ao meu laboratório de pesquisas. No caminho esbarrei em uma senhora, rapidamente me desculpei, porém, ao invés de um "tudo bem" o que a ouvi dizer foi :

"Elise"

Sim, bastou essa simples palavra para capturar minha atenção.

— Desculpe, o que a senhora disse?

Ajeitando seu cachecol sob o pescoço, e aparentemente sem dar importância ao que se passava em volta, respondeu:

— Sua mensagem da dimensão zero chegou à mim.— e ao dizer isso tudo parou de se mover. — Elise é real, suas vidas são ligada através de um plano que foge ao alcance de qualquer humano. Não complete a máquina do tempo, esse mundo não será tomado pelas trevas!

Nesse momento ouvi um carro buzinar muito próximo ao meu ouvido direito, foi quando percebi que estava parado no meio da rua, sozinho.

— Sua amada está aqui e não em outro lugar! — soaram as derradeiras palavras com o vento.

Aquela mulher havia desaparecido.

Alguns anos se passaram e eu não conseguia tirar as palavras daquela senhora de minha mente. Meu trabalho tornou-se o foco a medida que via meu mundo se desfazendo. Elise também sentia o mesmo que eu em relação ao que acontecia e temia que tudo chegasse ao fim.

No dia que completei vinte e nove anos o projeto foi concluído, porém, na noite anterior ao teste, ou seja ontem, aquela mesma senhora surgiu novamente, só que desta vez em meus sonhos.

— Ela não é o que exatamente como você espera, porém ainda é quem você ama. Abra seus olhos! Se você entrar na máquina do tempo, além de perdê-la, condenará outros mundos a destruição! — Foram suas palavras antes de desaparecer com minha amada.

Ela levou Elise de mim...

Agora, diante da borracha que pode apagar o passado, me pergunto se realmente devo fazê-lo.

Meus assistentes, que a anos trabalham comigo também não sabem se é prudente manipular o espaço tempo. Porém...

*Som de aviso nuclear*

...não sei se o amanhã existirá.

" Esse mundo não será tomado pelas trevas!"

Com essa frase em mente eu encaro cada um dos meus assistentes. Uma equipe leal formada por homens e mulheres de bem que temiam o fim do mundo.

"Ela não é o que exatamente como você espera"

Essa frase ressoou quando meus olhos a fitaram. Era uma de minha assistentes, uma garota desengonçada que poucas vezes conversava com os colegas. Eu nunca tinha reparado em seus olhos, talvez porque ela usava lentes de contato coloridas, mas naquele dia estava de óculos e eu reconheci seu olhar.

Um olhar que vira a muitos e por muitos anos...

*Som de uma televisão ligada*

" Avisamos que o alerta de ataque foi cancelado devido a assinatura de armistício entre as nações dando início ao processo de paz."

De fato não era como eu esperava, mas seu rosto medroso, que parecia implorar para não abandoná-la, deixou claro que era ela aquela que eu amava. 

CONTOS: Histórias de universos em construçãoWhere stories live. Discover now