A garota do parque
Dez e quarenta e cinco da manhã...
Ulisses está em uma das mais de dez filas de pessoas em seu entorno. Todos ali esperavam a quase cinquenta minutos a abertura dos portões metálicos, por esse motivo os funcionários sabiam que aquele seria um logo dia de trabalho.
Dez e cinquenta
Ulisses escuta os alto falantes da entrada ressoando uma música, uma espécie de hino.
Os funcionários cantam a música com entusiasmo ao mesmo tempo que iniciam o processo de abertura das portas. Nesse momento, o rapaz de corpo esguio, vê uma garota diferente do padrão de visitantes.
Aquele parque de diversões era um lugar que se auto intitulava "O país da felicidade" E para quase todos os visitantes ele de fato era. Mas existiam aqueles que sabiam que o lugar estava para falir e desejavam ver o fechamento de suas portas pessoalmente. Esse segundo tipo não sorria tanto, não ficava empolgado e tudo que transmitiam, mesmo aproveitando o lugar, era um sentimento de pena.
Aquela garota de olhos puxados provavelmente já teve seu tempo de felicidade ali dentro, mas Ulisses via sua energia solitária, como se estivesse atolada em uma angustia infinita.
Ele teria saído da fila para abraçá-la, mas já eram dez e cinquenta e cinco e todos começavam a entrar.
Uma vez transposta a barreira das catracas, todos os visitantes corriam em direção a entrada da montanha russa, a fama dizia que sua velocidade era tamanha que muitos sentiam como se deixassem o próprio corpo por um breve instante.
Ulisses chegara ali preparado para correr e não ter de enfrentar uma fila de horas, porém a visão daquela garota o fez desistir e por isso, assim que entrou, foi calmamente até outro brinquedo, um mais antigo e que ninguém se interessava.
Sua felicidade parecia ter sido sugada, o garoto viu nela um reflexo da própria solidão, até porque, assim como ela, não tinha nenhuma companhia ou amigos para desfrutar daquele lugar.
Ele divagava enquanto se ajeitava no brinquedo e recebia as instruções do responsável pela atração. As palavras ditas não faziam sentido, era como se ele estivesse falando debaixo d'agua de uma maneira irritada. Mas após algum tempo o brinquedo foi ligado mesmo com o funcionário não querendo fazê-lo.
Os assentos subiram até uma altura que permitia os passageiros visualizarem todo o parque, e quando este parou, Ulisses a viu novamente.
A mesma garota de antes estava sentada ao seu lado, ela olhava para tudo com tristeza, seus pés balançavam no vazio e ela parecia esperar por algo.
Após alguns segundos as engrenagens foram acionadas fazendo com que os bancos despencassem em alta velocidade em direção ao chão, porém, para Ulisses, tudo ficou lento. Seu traseiro descolou levemente da cadeira e seu corpo ficou detido pela proteção dos ombros, foi quando ele olhou para a garota.
Seus cabelos flutuavam em movimentos aquáticos perante a queda e seus olhos vislumbravam o céu a procura de algo. Naquele lapso de segundo o rapaz a viu de uma maneira diferente; sua pele era literalmente branca, as veias, completamente visíveis, transportavam um liquido negro e os olhos possuíam a uma cor rubro que se assemelhava ao sangue.
Dez e cinquenta e nove e cinquenta e sete segundos.
O brinquedo desacelera bruscamente fazendo o com que um frio na barriga surja em Ulisses. Ele não sabia se era a baixa expectativa ou se o brinquedo realmente era bom, mas ele sentiu como se tivesse saído rapidamente de seu próprio corpo, resultando em uma euforia absurda.
Dez e cinquenta e nove e cinquenta e nove segundos.
A garota inclina levemente a cabeça para baixo buscando ver o chão.
Onze da manhã
Sua boca entre aberta a faz sentir como se a melhor coisa do mundo tivesse acabado de acontecer. Aos poucos sua visão se ergue levemente e se vira em direção a Ulisses. No mesmo instante a garota sorri e o rapaz a vê como uma bela jovem colorida.
O brinquedo, chamado por muitos de elevador, completou sua descida lentamente até o solo. Até que esse parasse completamente os dois não haviam deixado de se encarar. Pareciam até dois bobos apaixonados que nunca mais se separariam.
Ao longe se via uma multidão voltando correndo em direção ao elevador, muitos inclusive haviam abandonado a montanha russa para irem até lá.
As travas se soltaram e a garota o segurou pela mão puxando para outro brinquedo vazio, escapando assim, da multidão que se aproximava.
Eles não olharam para trás, Ulisses sentia-se extasiado por ter feito com que as pessoas se interessassem pelo elevador, e claro que mais ainda por ter dado um pouco de alegria àquela garota antes tão melancólica.
Pelo resto do dia eles dois não desgrudaram, pelo resto do dia eles se divertiram nas atrações. E quando o parque fechou eles não saíram.
No fim daquele dia o parque de diversões foi fechado permanentemente, as autoridades e a mídia descobriram que as manutenções não vinham sendo realizadas no brinquedo elevador. Descobriu-se naquele dia também que, dois anos antes, um acidente havia acontecido naquela atração e a gerencia do parque havia feito um acordo com a família da vítima para que nada fosse divulgado.
Durante dois anos ninguém disse nada, durante dois anos ela ficou sozinha. Foram longos anos até que, as onze da manhã de um dia qualquer, alguém desobedecesse as orientações do responsável e se acomodasse na mesma cadeira defeituosa que ela um dia sentara.
Foram dois anos de solidão, até a garota do parque conseguir uma companhia.
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CONTOS: Histórias de universos em construção
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