Esperança

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Quem eu sou não faz mais diferença. Depois que perdi a Esperança nada mais me importa, tudo perdeu a cor, tudo se tornou falso como se eu estivesse preso ao inferno mesmo em vida.

Agora me vejo com a faca nas mãos sem ter controle de meu corpo, o fio de sangue escorrendo pela minha face indica que fui ferido no confronto rápido, sim, eu sou o algoz e a vítima e uma mulher extremamente bela de fios negros e lábios carnudos.

— Não me importa que você tenha esse anel em sua mão esquerda. — anuncio enquanto cuspo em sua face estática de olhos abertos. — Sua vadia imunda! — Continuo a estocar sua cabeça por diversas vezes.

Os vizinhos não tiveram coragem de permanecer em suas casas, os gritos eram assombrosos demais para qualquer pessoa minimamente sã aguentar.

— Eu te amava Maristela! Por que você foi fazer isso com você? Por que você foi fazer isso conosco?

Com todas as minhas forças enfio a lâmina no olho direito do cadáver já sem vida. Começo a me acostumar com a sensação do cabo da faca em minhas mãos. Eu que até aquele instante nunca tinha tirado uma vida se quer, eu que nunca venci uma única briga de escola, eu que sonhei em viver feliz com uma família, estava agora fadado a pagar por aquele crime.

— Polícia! — Os gritos e chutes vem do lado de fora da casa. — Polícia abre a porta agora!

— Eu sei o que te fez fazer isso, Maristela. — Olhos arregalados, as lágrimas escorrem misturadas com fios de sangue. Suas unhas rasgaram meu rosto e meus olhos em um último ato instintivo de defesa da sua parte.

Os chutes se intensificam no meu portão. O meu portão... O portão que nós dois desenhamos, calculamos com nossas habilidades de engenheiros formados. Aquela maldita peça de metal era para representar nosso triunfo diante desse mundo porco.

— Senhor Walace! Pare agora! — Uma militar grita meu nome pelo lado de fora da casa, uma militar que sei que era minha amiga de escola.

Ao fundo escuto os rotores de um helicóptero se aproximando, não é a polícia. As imagens na televisão mostram que é o piloto de um telejornal que filma minha casa de longe.

— Vieram ver o show que você começou com sua inveja, com sua loucura maldita. — Enterro a faca no peito de minha esposa já sem vida até que o cabo encoste na pele. — Você matou nossa Esperança apenas para satisfazer seu ego. Você destruiu a esperança que você mesma criou para nossas vidas...— Minha mente se confunde com o ódio que sinto por aquela vagabunda. Eu jamais imaginei que tal monstro pudesse existir, ainda mais que ela dormiria comigo.

O portão cede, o estrondo de metal se encontrando com o piso da garagem ecoa para todos ouvirem. Com um chute poderoso um soldado arromba a porta.

— Mão na cabeça agora! Deita vai! — Seus gritos são mais para amedrontar do que qualquer outra coisa.

— Que filho da puta...matou a própria esposa. — O militar aparentemente novato treme ao ver o estado deplorável da mulher que um dia eu jurei amar. — Eu conto pelo menos quarenta facadas.

— Foram setenta e três. — Falo rouco após diversos gritos enfurecidos a plenos pulmões. — Eu contei para ter certeza.

— Cala a boca seu assassino. — Sinto um chute atingir meu rosto, minha boca sangra com o golpe do coturno da mulher. — Você é um covarde miserável Walace. — Outro golpe com o pé, este, mais potente que o anterior, faz meu corpo se virar da posição de bruços.

Vejo no colete da oficial seu nome, mesmo, já o conhecendo.

— Foi crueldade capitã Amanda? — Meus olhos se enchem de lágrimas novamente, em prantos falo como uma criança desolada. — Ela matou a minha Esperança!

No mesmo instante que falo isso os oficiais começam uma varredura pela casa, não demora muito e eles encontram a razão para tudo aquilo. A líder do grupo vai até o quarto coberto por uma cortina cor de rosa.

— Meu deus, porquê? — Dos olhos da capitã de cabelos loiros brotaram lágrimas de profunda tristeza.

O quarto todo decorado com papel de parede rosa, ursos de pelúcia e quadros era da minha filha recém-nascida e em uma das molduras de madeira estava talhada o nome da minha menina.

— Esperança... — A oficial leu o nome da pequena. Quando analisou o corpo com cautela percebeu que o pescoço da minha pequena bebezinha possuía marcas de unhas no pescoço. — Asfixia...a mãe... 

CONTOS: Histórias de universos em construçãoWhere stories live. Discover now