CONTOS: Histórias de universos em construção

Ecos do silêncio

Ecos do silêncio

Vazio e ameno, a paisagem completamente estéril nada me apresenta de diferente. Olhares cheios de nada, natureza repleta de tecnologia. É tudo tão diferente de quando caminhei por essa terra pela primeira vez, que fica difícil dizer que se trata do mesmo mundo.

Lembro que as cores a serem observadas espalhavam-se como um campo de flores na primavera, recordo-me que essa diversidade convivia perfeitamente com os seres que reinavam sobre essa terra.

Ah, sim. Os seres que aqui reinavam.

Lembro que sua natureza caótica foi capaz de criar uma das mais perfeitas ordens, as cidades. Eram verdadeiros organismos vivos que jamais descansavam, Para falar a verdade nunca imaginei que tanto movimento fosse possível de ser criado por seres tão perdidos quanto estes. Mas agora, agora eles não estão perdidos, porém, diferente de antes, tudo está parado, frio e silencioso. Por quê? Como foi que tudo ficou assim?

Definitivamente não era para ser como da primeira vez que vim a este mundo, mas isso? Será que eu fiquei longe demais? Será que o tempo passou tão rápido que nem pude ser capaz de perceber? Não, isso não faz sentido, estava tudo escrito. Eu deveria retornar a esse mundo quando a paz estivesse pronta para reinar, quando o mundo todo finalmente estivesse apto a se unir. Foi por isso que dei minha vida da última vez, para que o caminho até a paz pudesse ser iniciado, uma estrada que começaria e terminaria comigo.

"O corpo e o sangue trará a redenção e com o retorno da alma o mundo finalmente se unirá em paz. "

Era isso que estava escrito para mim, esse era meu destino. Esse é o destino de quem protege esse mundo e sei que sou eu.

"O protetor do mundo é aquele que nasce com o propósito de dar à sua cultura o que ela precisa para continuar. "

Mas se as escrituras estavam certas, por que toda a vida parece tão morta? Por que, por mais que eu clame, ninguém me responde? Eu os vejo caminhando, seus passos marcam as areias, as águas e a terra, mas não parece espontâneo é como se estivessem...

— Sob o controle de alguém.

Essa voz, eu reconheço esse tom de voz. Se parece muito comigo... mas quem?

— Não se vire, não há necessidade disso. Tudo que precisa fazer para entender é escutar.

Eu não ouço nada, o que você quer que eu escute?

— Os ecos do silêncio. — Silencio. — Lindo não é mesmo?

Quem é você?

— Essa é uma pergunta complicada, mas a resposta é simples. Eu sou alguém que busca a paz assim como você, sou um messias da mesma forma que você é. Só que sou diferente, pois ao contrário de você eu agi ativamente na conquista da paz e tranquilidade, não fiquei apenas esperando que profecias se cumprissem.

Foi você que fez meu mundo se aquietar?

— Sim.

Mas esse não é o certo, meu mundo não deveria ficar assim.

— Como assim não é o certo? Eu não estou compreendendo sua visão. Eu fiz o que você deveria ter executado, eu trouxe a paz e a tranquilidade a essa terra e a esses seres. Ou você por acaso consegue sentir algum conflito ocorrendo neste mundo? Melhor ainda, consegue sentir qualquer alma sendo ferida, torturada ou mesmo executando algo ruim quanto ao seu semelhante ou a natureza? Consegue sentir qualquer tipo de balanço negativo?

Quem é você?

— Eu sou o mestre da escuridão, sou aquele que deve levar a paz e a tranquilidade à todas as civilizações das quarenta e uma dimensões existentes. — *som de desembainhar de espada. — Sua confusão é compreensível, você é que detém o título de protetor deste lugar, vê-lo quieto desta maneira deve ser angustiante, mas peço que tente entender meu ponto.

Para você a paz deve ser alcançada, não importa se para isso você tenha de colocar a civilização toda sob um controle uniforme. Você está disposto a colocar toda a vida dentro de um limbo estático de silêncio se isso significar a paz.

— Você desaprova minhas ações? Saiba que pode muito bem reverte-las, não que eu vá deixar que você rompa a calma que eu criei. Mas se você eliminasse minha existência...

"O protetor do mundo abaixa-se e toma um punhado de terra nas mãos. Com essa ação pode ver tudo o que acontecera naquela terra durante os milênios que esteve longe. Tudo surgiu em um instante diante de seus olhos, os conflitos, mortes e desilusões. Ao ter um contato com seu mundo ambos se comunicaram. Cada vida que já havia nascido e padecido e suas respectivas experiências se projetaram diante do protetor daquele mundo, tudo em apenas um flash de segundo. O conjunto de experiências mostrava uma infinidade de vidas tristes que sofreram por quase toda a vida, salvo apenas breves momentos felizes. Alguns sentiam-se esperançosos para a vinda do messias, mas ele nunca chegou, e no fim a esperança envenenou seus corações os tornando seres fragmentados e mais tristes ainda. "

Não, não desaprovo. Eu não tive a capacidade de agir e salvar minha cultura pelo meu meio. Se nem mesmo fui capaz salvar duas almas ligadas através do tempo, quem sou eu para destruir a paz que você criou?

— Fico feliz de ouvir isso. — som da espada sendo embainhada. — Acredite, já vi esse casal inúmeras vezes, seus nomes mudam, suas situações mudam, mas sempre estão fadados a esse destino. Por isso que eu atravesso as dimensões, para tentar evitar que este destino cruel da solidão ocorra com mais almas. Infelizmente quando cheguei já não pude salvar o rapaz, ele havia desaparecido pelos veios do tempo, acredito que procurando a mulher que ele tanto amava, o que ele não sabia é que ela sempre esteve aqui.

Ela está em paz?

— Sim, assim como tudo e todos nesta dimensão, ela está em paz.

Entendo.

— Ótimo, assim sendo só resta você a se unir a essa paz. Após isso, eu continuarei meu caminho para a próxima dimensão.

E o que precisa de mim para isso?

— Quero apenas o mesmo que peguei dos outros... quero a sua alma.