O bilhete

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O bilhete

Todos os dias eu venho para esse mesmo lugar, sempre o mesmo colégio, a mesma carteira de madeira mal feita que pinica o traseiro. Todos os dias eu olho para alguém ao meu lada na sala de aula e penso "Por que será que essa pessoa está aqui?" Claro que nunca cheguei a uma conclusão satisfatória, afinal de contas, com exceção dos momentos em trabalho em grupo, eu não conversava com mais ninguém.

Meus pais sempre disseram para pensar muito além do meu dia ou mesmo da minha semana, talvez por isso eu não me distraia tanto com amizades dentro dessa mini atmosfera de cadeia que chamavam de escola. Parando para pensar com meus lápis, acho que o fato de eu saber onde quero chegar, o que preciso fazer para isso e quanto tempo eu vou demorar, também têm a ver com esse meu isolamento.

Mais ainda assim, mesmo sendo recluso na maioria dos casos eu também tenho minha exceção.Eu também tenho algo que me tira do isolamento.

O cara na carteira imediatamente atrás da minha sempre passa o intervalo comigo, não conversamos e muito menos somos considerados amigos pelos que observam, porém gostamos de almoçar perto.

Sei lá.

Nos primeiros dias foi meio que por acaso, um pegava a merenda e, sem nem sequer perceber, sentava-se na mesma mesa do outro.

Ele também é quieto como eu, mas no caso dele a história é diferente.

A razão para a reclusão dele era medo e raiva dos demais que estavam a nossa volta. Eu cansei de contar quantas vezes vi alguém zombando dele pelo simples fato de que era divertido ter um alvo das piadas. Tá eu sei, toda piada sempre ofende alguém ou um grupo, eu mesmo faço piadas, mas não sei o que viram nele para que, de todos apenas fosse o alvo a ser atingido.

Lembro que um dia alguém tentou tomar o almoço dele e derrubar no lixo e eu impedi. Como eu não virei o foco da zoação por defendê-lo eu simplesmente não sei. Mas minha gentileza e lado "bom" não me deixou ficar parado. Ah, teve mais que isso naquela ocasião... Ali, depois de eu tê-lo ajudado, foi a primeira e a última vez que falou algo diretamente comigo.

"Quando eu te der um bilhete pedindo algo por favor cumpra"

Apenas isso, uma única frase seguida de um tapinha nas costas, nada mais.

Agora estou aqui em minha cadeira segurando o bilhete que ele me entregou, ainda estou estático sentindo uma mistura de medo e curiosidade do que está por vir...

Tenho medo de que isso seja verdade e curiosidade de descobrir o que vai acontecer se não for...

As duas opções estão diante de mim e eu tenho só alguns segundos para decidir.

Curiosidade ou medo...

Talvez seja só uma brincadeira... talvez seja só algo para que ele possa puxar assunto no intervalo. Talvez se optar pelo medo ele possa dizer "Não acredito que você caiu nessa " ou talvez se eu optar pela curiosidade ele possa falar "Droga pensei que iria te pegar nessa"

É...de todo o jeito o máximo que pode acontecer é eu rir com ele no intervalo, nada a mais. Por isso me viro com um sorriso no rosto, me levanto tocando o ombro dele e saio da sala sem dar atenção ao professor que me chama ao fundo.

Fecho a porta atrás de mim e vou em direção ao banheiro pensando em que desculpa darei quando a zoeira começar...

Só que... não era uma brincadeira...

" Você sempre foi legal comigo, saia da sala e eu não vou atirar em você."

Volto a ler o bilhete em minhas mãos enquanto escuto os gritos de desespero os tiros sendo disparados contra todos...

Lucas P. Silva

CONTOS: Histórias de universos em construçãoWhere stories live. Discover now