A última dança

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31/12/1999- A última dança

— O que você está fazendo entrando aí? Estamos preparados, as câmeras estão funcionando. — tentei chamar sua atenção, mas parecia inútil.

O som abafado da música tornou-se alto no momento que as portas da balada foram abertas. O cheiro adocicado do ambiente encheu os pulmões da garota que se esforçou muito para não desfazer o sorriso na voz.

— Deixa, já entramos mesmo, não tem problema ter demorado. — respondeu-me dubiamente em voz alta.

Ela, acompanhada de mais três meninas que havia acabado de conhecer na fila, adentrou no salão, o corpo gingando e o coração gritando no peito. As palavras de antes foram interpretadas pelas garotas ao seu lado com normalidade.

— O vip desse lugar é horrivelmente caro, pelo que os chefes pagam pela nossa presença deveríamos ter sido as primeiras a entrar. — falou uma delas, as palavras saindo como quem mastiga um torrão de açúcar.

— Sim, tem bastante gente aqui, não sei o que estamos comemorando além do ano novo, mas parece que tem muitas amigas. — A outra concluiu rápido ao passar os olhos pelo interior da casa. — Acho que vai ser difícil tirar um por fora hoje.

Com "amigas" a mulher se referia as demais garotas bem trajadas que faziam presença na balada. Elas eram as chamadas "ficha rosa", modelos que também trabalhavam de garotas de programa e o seu "um por fora" era justamente um cliente sexual.

Desfilavam despretensiosamente por todos os três andares que a festa ocupava, uma mais deslumbrante que a outra, mas todas sempre a chamar atenção. Algumas pareciam ter combinado com os arquitetos para usarem roupas das cores dos quadros, paredes e decorações, pois, dada sua beleza e semelhança com os objetos do lugar, algumas poderiam facilmente ser confundidas como peças andantes pertencentes a balada.

— Pois é, vocês não sabem, só que eu sou a comemoração. — A garota que falou comigo desvencilhou-se das duas que a ajudaram a entrar, perdendo-se assim no mar de gente do centro da pista de dança.

Seus saltos faziam barulhos altos a cada passada que dava, por cima de seu corpo trajava um sobretudo fino que poderia ser facilmente aberto se quisesse e algumas bijuterias bem-feitas adornavam seus pulsos, orelhas e pescoço.

Soltou os cabelos que antes estavam presos por um coque apertado.

Os fios azuis voaram gentilmente como roupas presas a um varal em pleno vento de outono. Alguns olhares se detiveram nela naquele instante, talvez a tivessem reconhecido, poderia ser; a Eurásia inteira já estava mais que ciente da mulher que ela era e do perigo que representava, logo não seria surpresa se alguém descarregasse uma arma em seu peito em um impulso de medo.

Seus quadris começaram a mover-se no ritmo lento da música que tocava; movimentos sedutores, fluídos como água corrente de um riacho. Para os presentes dentro da festa chegava a ser estranho a maneira como a cintura e o tronco dela executavam um oito, alguns certamente se perguntaram se não faltava alguns conjuntos de ossos naquele corpo.

— Luna! — Minha voz disforme no comunicador de seu ouvido soou novamente, mas ela o ignorou completamente como fazia muitas vezes. — Se alguém perceber, tudo vai dar errado.

O joelho esquerdo roçava na parte interna da coxa de um rapaz que ela capturara como seu parceiro temporário, a mão direita tocava no rosto de uma garota que dançava próximo a eles, os dedos finos acariciando a ponta do nariz e a parte superior dos lábios.

Os olhos verdes, no entanto, fitavam outra presa.

No terceiro andar algumas pessoas conversavam e bebiam em um ambiente particular, algumas garotas e seguranças se faziam presentes, mas eles não importavam...

CONTOS: Histórias de universos em construçãoWhere stories live. Discover now