1. Bernardo e Rebeca - Telefonema

30 0 0
                                    


Trin- trin- trin...

Na casa da Rua São João - Leste, 3210, Centro, de uma cidadezinha do interior, todas as luzes estão apagadas, com exceção de uma das lâmpadas do quintal. Bernardo desperta sem saber se era o despertador, a campainha, seu celular ou o telefone fixo da casa.

Trin- trin- trin...

Insiste o barulhinho. Não importa de onde venha, é urgente. Já passou da meia-noite, e Bernardo levanta apressadamente da cama, permitindo-se parar uns poucos milésimos de segundo para identificar qual aparelho estava fazendo o estardalhaço.

Trin- trin- trin...

Era o telefone fixo. Desce as escadas a passos galopantes, pulando os degraus de dois em dois, apoiando-se como uma criança no corrimão e na parede que sustentava os degraus.

Rebeca está com o carro estacionado na esquina, no início do quarteirão onde fica a casa de número 3210. Tinha tomado uma dose de coragem misturado com tequila, sal e limão antes de pegar o carro do estacionamento do bar e dirigir cautelosamente até ali. Apenas 3km separavam os lugares. Não estava bêbada, tampouco estava 100%. Todo cuidado do mundo dobrado ainda era pouco. Melhor seria, pensa tardiamente, que não tivesse bebido.

Estava ali. Era o que importava agora.

A cada toque de chamada, ela tinha menos certeza se tinha feito a escolha certa. Seus pensamentos iam se alternando entre ter feito ou não a coisa certeza. Uma ou duas respostas afirmativas foi o que a levou a pegar o celular no fundo da bolsa e fazer a chamada. Não sabia se ele acordaria se ligasse para o telefone móvel – que poderia muito bem estar em modo avião -, então resolveu escolher o mais certo e ligar para o fixo, que sempre estava ativo.

- Alô?

A voz de Bernardo era sonolenta e rouca, porém clara. Rebeca hesita uns poucos instantes.

- Oi. – diz simplesmente - Sou eu.

Bernardo reconhece a voz imediatamente. Seria possível? O tempo que estavam sem se falar, o fazia duvidar se sua memória reconheceria a tal voz. No entanto, tão rápido quanto fósforo sendo aceso, a lembrança veio à sua consciência, urgindo uma saudade descontente. Tudo estava tão emerso agora, que tinha quase certeza que podia sentir o perfume dela. O cabelo sedoso e limpo. Os lábios carnudos e doces como uva da safra. Se dando conta de que podia ser urgente, interrompe a avalanche de sensações que seu corpo o estava deixando sentir.

- Está tudo bem? Que horas são? – pergunta, e seu coração dá um soluço angustiado.

- Está tudo bem. – reponde, compreendendo que sua coragem a iludiu quanto ao horário. Era tarde. – Estou bem. Não se preocupe. – Rebeca se sente feliz com a preocupação, mas a alternativa que dizia que não era uma boa ideia ligar àquela hora começa a perpassar novamente seus pensamentos. – É que...

- Que horas são?

Rebeca afasta o celular da orelha e olha o visor.

- Meia noite e trinta. – responde.

- O que você está fazendo acordada?

- Estava no Bar do Gustavo...

Um silêncio audível preenche os dois segundos que se seguem.

- Está tarde. Por que ligou?

- Desculpe... é que... – ela hesita, mas busca aquela coragem misturada – é que eu estou com saudade.

Bernardo dá sinal de que vai falar alguma coisa, mas ela o impede.

- Não fala nada. Só escuta, ok? Demorou muito pra eu ter coragem de ligar e dizer o que quero dizer... – do outro lado da linha, Bernardo se senta numa poltrona de sua sala de estar. - Eu sinto falta de nós dois. – os dois respiram profundamente... as bocas, secas, relembram o sabor do outro - Sei que você pode não estar sentindo o mesmo, e respeito isso. Sei que isso pode ser só um sentimento meu e compreendo se não for correspondido. Não te liguei pra cobrar nada. Mas é que isso estava há muito trancado em minha garganta. Sinto falta de como você acorda meio sonâmbulo e vai fazendo o café... – ri com a lembrança -, de como você faz de tudo para sempre deixar o café da manhã pronto. Eu tenho saudades de te ouvir bater a lâmina de barbear na pia, e do barulho do chuveiro, e ainda mais do cheiro do seu sabonete.

Encontrando romanceOnde histórias criam vida. Descubra agora