Capítulo 35

765 53 14
                                    

Realmente foi muito estranho o que a minha madrinha me disse naquele jantar, depois de lhe ter dado as costas e de ter passado quase uma hora a chorar trancada no meu quarto. Chorar passou a ser um hábito e a culpa é toda dele.

Agora que em fim estava livre dos castigos e podia ir onde quisesse quando quisesse senti-me obrigada a seguir as regras anteriores, como se nunca parasse verdadeiramente de estar em restrições.

Não queria ter o asar de me encontrar com a minha mãe e não tinha necessariamente para ponde ir sozinha, sem que a sombra da minha mãe me esteja a perseguir na minha mente, por isso, depois da escola continuei a ir para casa e a trancar-me no quarto para estudar.

Durante as aulas as coisas mudaram um pouco, agora que estava com o grupo dos desportistas e a ser uma espécie de "namorada" do David, não conseguia parar de procurar o olhar da Delfina e da Jazmín, implorando para voltar atrás no tempo. Eu não pertencia àquele grupo, não fui feita para ser inferiorizada pelos rapazes e ser usada por um atleta, queria voltar às minhas antigas amizades, onde era a líder e elas as minhas seguidoras.

O Simon não voltou a aparecer, procuro-o cada vez que saiu da escola, ou pela janela das salas de aula, mas ele parou de aparecer. Depois do que aconteceu eu também não queria voltar a vê-lo, pelo menos é o que digo a mim mesma, porque lá no fundo a desilusão faz-se sentir no meu peito.

É como se eu estivesse à espera que ele se mostrá-se para puder dizer-lhe que estou ótima sem ele, mas como é que o posso fazer se ele nem se quer me vê?

Tudo isto estava a ficar demasiado saturante, fazendo-me esquecer as dúvidas em relação ao comportamento da minha madrinha, do medo da minha mãe e dos problemas com a Luna.

Eu precisava de uma mudança e urgente.

Foi por isso que vim cá hoje. É sexta, no Jam & Roller o Nico disse-me, contra vontade, que o Simon estava em casa a tirar um dia de folga e eu estou agora em frente ao prédio dele, com as mãos nos bolsos do casaco a agarrar na mão esquerda a chave que ele me tinha dado.

Último andar, porta à esquerda. Aquela porta que nunca quis abrir, aquela que simboliza aquilo que não quero me atrever a fazer. Afinal o que raio é que lhe podia dizer? "Desculpa a chapada, mas é que não estava à espera, mas por favor não voltes a fazer o que fizeste, porque eu não gosto de ti"?

É parvo da minha parte ter sequer pensado em tentar resolver as coisas com ele em vez de talvez com a Delfina e a Jazmín, mas com ele, por alguma razão sinto-me no direito de o fazer. Será que isso é que é a culpa? Culpa de quê se ele estava a manipular-me? Estava a manipular-me, certo? Como o que estava a fazer não resultou, optou por fazer o que fez, certo?

A minha cabeça está embrulhada numa enorme confusão. Abanei-a para afastar aqueles pensamentos e respirei fundo. Pronto, o que estou a fazer não passa de uma enorme maluquice. Tenho mesmo de me ir embora.

Virei-me sobre os meus calcanhares e quando ia dar um passo em frente sou surpreendida por uma figura, próxima a mim, a olhar-me fixamente.

O meu coração parou de bater.

Sobre um corpo magro e esguio erguia-se uma mulher pouco mais alta que eu, de cabelo castanho claro preso num rabo de cavalo atrás da cabeça e olhos azuis tremeluzentes atrás de um par de óculos de lentes finas.

À primeira vista não passaria de uma mulher qualquer meio pobre, vestida nas suas roupas mal conjugadas, porém o medo corroeu-me o corpo, enquanto o seu olhar me analisava com atenção, já com lágrimas a ameaçarem cair. Nenhum desconhecido qualquer faria o que aquela mulher estava a fazer naquele momento: olhar-me fixamente, como se já me conhecesse.

Verdades OcultasOnde histórias criam vida. Descubra agora