Capítulo 58

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 O meu coração parou por uns segundo, paralisando todo o meu corpo numa postura tensa, enquanto eu tentava assimilar a figura a um portão e um pequeno relvado de distância.

 Ele estava a usar uma camisola grossa, larga e comprida com capucho que puxava a gola do lado esquerdo, deixando o seu pescoço e um pouco da extensão que dava para o seu ombro em descoberto. Nunca o tinha visto a usar aquela camisola dividida igualmente por três tons de cinzento que vão ficando mais escuros à medida que sobe para os seus ombros. Tem vestidas de forma descontraída uma calças beges, umas meias pretas e aqueles ténis pretos de sola branca, colocados à presa.

 A última parte que me atrevi a analisar dele foi a cara. Ele estava inexpressivo, apesar de poder apostar que está surpreso, se não mesmo chocado por ser eu e tinha o cabelo bagunçado em cima da cabeça, como simplesmente o tivesse penteado com os dedos e deixado como estava o resto do dia.

 De alguma forma, ele estava bonito. Bem vestido e ao natural, uma junção que não estou muito habituada a ver nele.

 Desviei o olhar para as minhas mãos e agarrei no casaco entre elas, sem saber ao certo o que dizer, antes de voltar a cruzar o meu olhar com o seu, com a chuva a impor-se entre nós.

 Pareceu-me vê-lo respirar fundo, à medida que coçava a cabeça e desvia o olhar para o interior da casa, como se estivesse indeciso no que fazer, mas acabou por a encostar e colocar-se debaixo da chuva, vindo calmamente até mim, de cabeça baixa e mãos nos bolsos.

 Apertei o casaco forte entre a minhas mãos, sentindo meu coração disparar mais e mais à medida que ele se aproximava. Estava assim tão nervosa apenas por o ver?

 Ele estendeu a mão para o portão, destrancando-o e colocando-se entre ele e o murro, antes de voltar a fitar-me. Estamos tão próximos e sem proferir nenhuma palavra que eu até tenho receio de iniciar uma, porém a sua cara continua inexpressiva e os seus olhos vazios e eu sinto-me no dever de iniciar a conversa, afinal ele não me abriu o portão, estava apenas entre ele e o murro, como se a impedir-me de entrar, como se estivesse aborrecido com a situação.

 Seria mesmo possível que ele estivesse indiferente à minha chegada? Seria mesmo possível que ele já não soubesse se me odiava ou não? Pela postura parece-se zangado e o seu silêncio apoia esse facto, mas não consigo encontrar nada no seu olhar e isso está a deixar-me incomodada e a fazer-me sentir como uma grande idiota.

 - Olá. -cumprimentei, sem saber ao certo o que lhe dizer e desviei o olhar- Eu... eu, hã... Eu vim apenas... -as palavras não me vinham à boca e eu sentia-me como uma verdadeira imbecil, enquanto ele continuava a fitar-me indiferente, como se não quisesse mesmo saber e isso irritava-me. Abanei a cabeça- Sabes que mais? Isto foi mesmo estúpido. -resmunguei- Apenas... Desculpa. -pedi meio frustrada e atrapalhada, estendendo-lhe o casaco- Toma.

 Ele desceu o olhar para a minha mão, ficando uns pequenos segundos a observar o seu casaco, antes de em fim, calmamente, endireitar-se, largar o portão e aceitar o seu casaco. A sua mão quente tocou ao de leve na minha, para conseguir agarrar na gola e eu senti um pequeno arrepio que me fez largar de imediato o casaco e afastar a mão para junto do meu corpo, onde a enfiei no bolso do casaco.

 Voltei a fitá-lo, esperando que ele dissesse alguma coisa, mas ele ainda estava a olhar para o casaco, com o cabelo a ficar-lhe molhado, deixando-o perder o seu volume e eu perguntei-me como estaria o meu, sendo que tenho a cara quase toda molhada.

 Irritada com a sua falta de reação, virei-lhe costas, ainda de mãos enfiadas nos bolsos e comecei a caminhar apressada de volta para o outro lado do carro, donde tinha saído. 

 Era uma falta de respeito enorme ele nem ao menos dizer "olá" depois de tudo o que aconteceu. Tudo bem que ele esteja zangado e esteja a dar-me desprezo, mas eu voltei a conseguir-lhe o emprego, vim até aqui e ainda lhe pedi desculpas, além de que na última vez que estivemos cara a cara ele disse-me umas coisas bem feias, por isso, no mínimo ele podia abrir aquela sua boca e dizer algo. Qualquer coisa. Nem que fosse para dizer que não me perdoa.

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