CAPÍTULO 9

2.2K 252 7
                                    

Ao voltar para casa, me abrigo no meu quarto e evito descer para o jantar, tentando postergar o meu castigo inevitável. Para meu espanto, não sou incomodada, o Conde sequer manda alguma criada me chamar. Anne apenas aparece no fim da noite para ajudar a me vestir para dormir. Pouco depois ouço uma batida leve na porta. Elga entra no quarto para desejar-me bons sonhos, como faz todas as noites. Ela está com o semblante tranquilo e parece não ter tomado conhecimento dos acontecimentos de hoje. Alivia-me saber que Timothy e Henrique não mencionaram nada com os demais criados. Decido me calar sobre o assunto e poupá-la de uma preocupação desnecessária. Quando a hora chegar quero ser eu a única a sofrer com meu castigo.

*****

Passo a manhã inteira no estábulo ao lado de Aurora. Devido à fraqueza, minha égua continua a dormir a maior parte do tempo. Logo assim que cheguei, Henrique deixou o local, não me concedendo nada mais que um cumprimento sucinto e poucas palavras sobre os ferimentos de Aurora. Apesar de me tratar melhor do que quando nos conhecemos, ele ainda se mantém distanciado.
Elise aparece no período da tarde, como no dia anterior, e se oferece para me fazer companhia. Ouço mais histórias sobre sua família, parece que a menina sempre tem uma nova para contar. Em razão do avançar das horas resolvo ir para a casa e me preparar para o baile. Não posso desafiar mais o Conde chegando ao salão cheirando a estrume. Antes que eu tenha tempo para comunicar à Elise que preciso ir embora, as palavras que a ouço dizer roubam minha capacidade de falar. De sorrir. De respirar normalmente.
_Meu irmão está apaixonado. - Ela revela sem preâmbulos. - Aconteceu na temporada passada. Ele foi até a propriedade do barão de Stork para avaliar um cavalo que o Conde pretendia comprar. Eu não sei direito todas as circunstâncias, o que eu ouvi minha irmã Mary comentar é que ele acabou se envolvendo com a filha do barão, uma jovem muito bonita pelo o que dizem. Meu irmão alimentou sentimentos verdadeiros pela dama, os quais ele acreditou serem correspondidos. Entretanto, no fim da temporada ela acabou se casando com um visconde e meu irmão ficou desolado.
Sei que deveria acrescentar à conversa alguma ponderação, mas existem momentos em que o silêncio melhor representa nossas emoções.
_Henry não diz – Elise continua – Mas vejo que ainda sofre pela dama. E hoje será ainda pior.
_Hoje? – Consigo enfim formular uma pergunta.
_Eu ouvi Henry reclamar com Mary porque o mordomo designou que ele trabalhasse hoje no baile ajudando os convidados a descerem de suas carruagens. - Elise olha em volta, para garantir que estamos a sós. - Ele soube que a dama em questão confirmou presença no baile, juntamente com o seu marido. Concluo que meu irmão não quer vê-los juntos.
_Certamente que não. - Concordo.
Eu recordo, uma a uma, as palavras cruéis que Henrique me disse semanas atrás e elas passam finalmente a soar com algum senso de propósito. Eu gostaria de ter a chance de esclarecer-lhe que jamais brincaria dessa forma com os sentimentos de ninguém, criado ou não, mas seria realmente inútil dizê-lo. Que diferença faria? Pensar em Henrique lamentando a perda de outra mulher me revira o estômago. Um desconforto irracional toma posse de mim. Embora convicta de quão insensato seja querer o afeto de Henrique meu corpo rebela-se, experimentando sensações irrefreáveis toda vez que o vejo. Tolos sentimentos estes meus. É como se duas mulheres habitassem o mesmo corpo. A prudente e a aventureira. A resignada e a sonhadora. A filha de um Conde e a mulher livre.
Despeço-me de Elise e vou para casa. No caminho acabo me encontrando com Henrique.
_Milady. - Ele saúda quando nossos trajetos se cruzam.
"Milady" e não "Isadora".
Por um instante eu considero conceder-lhe apenas um aceno e seguir adiante. Contudo, eu estou em dívida com ele por cuidar com tamanho zelo de Aurora.
_Henrique. - O chamo e ele imediatamente vira-se me dirigindo sua atenção. - Não será necessário que trabalhe hoje no baile. James irá designar outra pessoa para o serviço.
_Algum problema? – Henrique parece confuso – Não é minha intenção contradizê-la, mas o Sr. Ablyn acabou de me entregar o uniforme que devo usar esta noite, de sorte que não compreendo o que mudou.
_Você é um cavalariço e não cocheiro. Eu ordenarei que James coloque outro em seu lugar. Faça seu serviço rotineiro e vá para casa, você já tem feito muito cuidando da minha égua.
O som do seu suspiro de alívio é audível.
_Como desejar. – Ele assente.
_Ótimo. Uma vez que o assunto está resolvido, não irei mais prendê-lo aqui. Até logo.
Eu apresso-me em sair de sua presença, porque nesse instante me dói olhar para ele.

[COMPLETO] A dama e o cavalariço Onde histórias criam vida. Descubra agora