CAPÍTULO 14

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**** Henrique ****

Me preocupo em cumprir meu trabalho - espero ainda ter um depois de hoje - e evitar entregar meus pensamentos em uma bandeja para Lady Isadora.
Era o certo a se fazer. Ela deveria era me agradecer, na realidade.
Feiticeira!
Outra vez me pego pensando nessa mulher.
Uso as esporas para incitar o cavalo a correr mais, dobrar a velocidade, me levar pra longe desse tormento... Mas parece que Isadora é trazida pelo vento. Ela está em tudo. Próxima demais. Dentro. No engolir dificultoso na minha garganta, na irritação lacrimejante nos meus olhos, na dor pungente na minha cabeça, na irregularidade das batidas do meu coração. Se ao menos eu não a tivesse beijado... A memória do quarto beijo retorna para me torturar. Eu nunca mais a beijarei. É possível que a essa hora ela esteja aos beijos com aquele Duque afetado.
_Mais rápido Hércules, vamos preguiçoso. - O cavalo ignora-me, mantendo o mesmo ritmo.
Quando chegamos junto ao lago, eu paro e permito que Hércules descanse. Enquanto isso, sento-me na grama, recostando no tronco de uma árvore. Eu rechaçaria as palavras de Mary, se elas não fossem impregnadas de tanta lógica. Hoje, vendo Isadora e o Duque juntos no jardim, fui incapaz de menosprezar como eles pareciam malditamente  adequados um para o outro. Era eu quem destoava no ambiente. Foi um erro ir até ali, agora percebo. Primeiro, o ciúme descontrolado, junto com o medo e mágoa de pensar que ela rapidamente me havia esquecido. Então, quando Isadora pediu a Lorde Denvalle que nos deixasse a sós e disse que escolhia meu plano, me escolhia,
uma fagulha de esperança capaz de atear fogo em toda uma floresta acendeu-me. Meu plano. Ser acudida por minha tia, vivendo numa cabana de um povoado humilde, um emprego incerto para mim, mais três irmãs a quem sustentar. Não foi preciso analisar muito para concluir que Lorde Denvalle é a melhor opção. Se ontem, eu pensei o contrário, foi pura estupidez momentânea. Eu a fiz acreditar que ela seria um fardo para mim, quando na verdade tratava-se do contrário. Não suportaria ouvir da boca dela um dia as mesmas queixas, sentir o amargor de iguais lágrimas de remorso, ver a mesma insatisfação estampada no semblante de Isadora. A mesma que a minha mãe sempre ostentou...

**** Onze anos atrás ****

_Deixe-me passar! - Ela vocifera, sua voz é seguida pelo som de algum objeto sendo quebrado.
Por mais que tente ninar Elise no meu colo, a discussão a mantém acordada, assim como a todos nós. Mary está deitada em sua cama, coberta até a cabeça com lençóis. Embora seu rosto esteja escondido, pequenos barulhos denunciam seu choro. Amália apenas permanece sentada, numa postura indefesa. Quero abraçá-la. Preciso consolar as três, mas a pequena Elise requer a minha atenção.
_Você não pode me deixar. - O tom suplicante do meu pai deixa-me perturbado. - Pense em seus filhos, minha pombinha.
_Eu devia ter pensado nos meus filhos antes mesmo de trazê-los ao mundo. - Minha mãe não se abala, tampouco apieda-se de papai. - Meu erro de julgamento condenou meus filhos a uma vida medíocre. Minhas filhas nunca poderão debutar numa temporada. Mary é tão bela que poderia facilmente conquistar um Conde, mas a sociedade nunca a aceitaria em bailes, pois o pai dela é um simples valete. Me parte o coração ver a mão de Henry já cheia de calos causados pelo trabalho árduo, ele é só um rapaz.
Um pranto agonizante é tudo o que pode-se ouvir por um tempo. É meu pai quem está chorando. Mas as vezes posso ouvir também mamãe. Perco a coragem de olhar para minhas irmãs, não quero ver mais dor. A briga não cessa. O mesmo discurso de sempre.  Minha mãe atormenta meu pai com a velha história "Meu pai era um Cavalheiro. Eu vivia com conforto. Podia ter uma vida diferente".
Como sempre ele gagueja sem argumentos, até meu pai compreende que verdades são imutáveis. Tudo que ele faz é dizer que a ama e implorar. Ele implora como os cães de rua, isso me nauseia. "Pare", eu murmuro, mas não há como meu pai me ouvir.
E mesmo que ele pudesse, acho que não me atenderia. Ele é incansável em tentar lembrá-la de como eles se amam, de como o coração dele parou quando a viu pela primeira vez, naquele prado, sendo beijada pela luz do sol. Aos gritos, minha mãe ordena que se cale.
A porta se bate bruscamente.
Ela se foi... Pra sempre.
Ela nem se despediu de mim.
_M-mamãe? - Elise choraminga com o rosto enterrado na curva do meu pescoço.
_Vai ficar tudo bem. - Tento tranquilizá-la, ainda que com uma mentira.

[COMPLETO] A dama e o cavalariço Onde histórias criam vida. Descubra agora