CAPÍTULO 15

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**** ISADORA ****

Passam os dias. E com o tempo as circunstâncias se abrandam. Meu pai ignora-me agora que conseguiu o que queria, é como se eu não existisse mais. Pobre de Kate que passou a ser seu alvo desde que ficou evidente as suas chances de também ser uma Duquesa. Toda vez que Louise se vangloria que a filha atraiu o melhor partido da temporada antes mesmo de debutar, minha irmã a presenteia com um sorriso doce e inocente e um sutil dar de ombros, mas eu posso enxergar em seu olhar um divertimento rebelde por enganá-los. As visitas de Willian são cada vez mais frequentes. Os periódicos até o intitularam de "o Duque domado". A princípio, pensei que ele se aborreceria, mas riu quando eu li a coluna que discorria sobre ele e Kate. "Podia ser pior" foi seu único comentário.
-Para quem cresceu sendo chamado de Louva-a-deus, esse novo título é uma ofensa irrisória. - Kate opina logo assim que acabo de ler a nota publicada. - E nós não podemos condená-los por dizerem a verdade. Um homem que me enche das mais belas e perfumadas flores, além de caixas e caixas do chocolate mais saboroso de Londres. "Dominado" é um termo bem apropriado, vamos convir.
Willian arqueia as sobrancelhas, mas não consegue sustentar tal postura e acaba explodindo em gargalhadas. Se eu me encontro distanciada dos padrões de etiqueta das jovens da sociedade, a minha irmã enquadra-se em uma categoria criada exclusivamente para comportá-la. A cada novo encontro ela desvenda uma maneira de tirar Willian do sério ou fazê-lo perder o fôlego rindo.
O meu coração temeroso e tripudiado ainda espera o momento em que os nossos planos falharão. A cada dia eu acredito que talvez possa ser esse que Willian me virará as costas, cansado de mudar o rumo de sua vida por mim. Homens não costumam ser confiáveis e amáveis. Entretanto, ele é. Constantemente. Quero achar onde está o erro, onde o destino vai rir de mim e me dizer o quanto sou tola por crer em príncipes que salvam donzelas indefesas. A parte mais racional de mim espera que ele seja como Henrique, que se acovarde e retroceda em sua palavra assim que compreender o fardo que sou. Contudo, Willian permanece ao meu lado. Toda vez que o mordomo anuncia o visitante eu me alegro por vê-lo adentrar a sala de chá.
    As feridas do meu corpo se curam com o tempo. Com muita mais rapidez graças ao cataplasma preparado por Henrique. Ele aprontou uma grande quantidade da mistura de ervas e entregou a Elga. A cada noite ela aplica sobre meus ferimentos. Seu toque é leve e cuidadoso. Tento inutilmente afastar a lembrança das mãos do cavalariço cuidando de mim. Não consigo esquecer. Embora possua mãos calejadas pelo trabalho, o seu tato foi brando e reconfortante.
_Lorde Denvalle encontrou a carta? - Sou despertada pela voz preocupada de Elga.
_Por enquanto não. - Uso a mesma resposta que dou todas as noites quando ela me pergunta. - Mas ele me garantiu que a achará. Há cômodos na propriedade onde Willian ainda não procurou.
A nossa moeda de troca. Minha vida por um segredo. Anos atrás Lorde Hugh, herdeiro do Duque de Grafton, foi levado ao tribunal pela morte de um cavalheiro. Como era de se esperar o filho do Duque foi sumariamente absolvido. Embora não o crime tenha ficado impune, Willian recorda claramente de uma conversa ouvida por acaso, quando seu pai ainda era o Duque de Spencer. Um homem humildemente vestido apareceu em um horário já avançado e entregou uma carta ao Duque, garantindo que foi escrita a próprio punho por Lorde Hugh, na qual ele se enaltecia por ter dado fim a vida de seu inimigo.
_Minha menina, e se essa carta foi destruída? - Tremo só de cogitar.
_Willian tem certeza que o Duque não daria fim a uma carta importante como essa. Pelo o que conhecia do pai, o antigo Duque guardaria a prova como um trunfo, a ser bem protegido para caso fosse necessário usá-lo.
_Rogo para que Lorde Denvalle não esteja equivocado.
Eu também.

********
_Isadora, como é bom revê-la. Desde que seu compromisso com Lorde Hadwerty foi firmado quase não a vejo mais em bailes. - Elizabeth vem ao meu encontro assim que coloco os pés no salão.
_Estive ocupada cuidando do meu enxoval para o casamento.
_Oh, como devem ser maravilhosos os vestidos que estão desenhando para você agora que será uma Duquesa.
_Realmente. - Concordo com um interesse fingido.
Na primeira oportunidade me separo de Elizabeth e toda sua tagarelice sobre a moda francesa. Esse é o primeiro baile que frequento sem que a sombra de Lorde Hadwerty paire sobre mim e eu quero aproveitá-lo, mesmo que permaneça tomando chá de cadeira como de costume, sem ser tirada para dançar. Me uno a um grupo de solteironas. É perceptível o olhar desdenhoso e confuso de algumas damas. A futura Duquesa de Grafton não está posicionada na mesa mais prestigiosa do salão, mas empolga-me ver a inteligência que alguma dessas mulheres possuem tanto para  botânica quanto para política. Estamos em um acalorado debate sobre a iminência de reformas sociais, quando todas se calam repentinamente e encaram algo por sobre meus ombros. Viro-me e encontro Willian bem próximo. É raro ver um homem por perto desse canto do salão.
_Lady Isadora. - Ele me cumprimenta, igualmente faz com as outras damas. - Você me daria a honra de conduzí-la na próxima dança?
Sou capaz de ouvir suspiros quase silenciosos ao meu redor, o que me faz lembrar que essas mulheres possivelmente são solteiras por imposição e não por opção.
Wilian me leva ao centro do salão e por alguns minutos nós executamos nossos passos sem dizer nada, apenas deixando que a música fale com nossos corpos.
_Todas as suas danças serão minhas. - Ouço-o dizer entre um acorde e outro.
_Perdão?
_Em breve eu poderei dançar quantas vezes desejar com você.
_Seria escandaloso dançar diversas vezes comigo em um único baile.
Ele me gira pelo ar, sempre segurando-me firmemente pela cintura.
_Dançaremos escondidos nos jardins,  em estufas pouco iluminadas. Dançaremos em nossa casa, nas noites em que dividiremos o mesmo quarto. Valsaremos nas escadas quando nos esbarrarmos pelos degraus.
_E correr o risco de cair e quebrar seu pescoço, milorde? - Questiono com fingido espanto.
_O que mais eu posso esperar da vida se não morrer feliz valsando?
_Não me faça a desfeita de morrer de forma tão precoce e vil. - Aperto mais forte a sua mão unida a minha, repreendendo-o pela brincadeira mórbida -  Dançaremos nas escadas com a devida cautela.
_Alegra-me ver que se preocupa comigo. - Ele me dirige um sorriso despretensioso, elevando mais o lado direito da boca, o que afeta a tranquilidade da minha respiração.
_Certamente. - Eu lhe devolvo um sorriso inocente. - E também há a chance de que quem caia da escada e quebre o pescoço seja eu. Desta maneira é melhor me precaver.
Ele ri.
_Uma dose equilibrada de altruísmo e autopreservação, Isa.
A música acaba, mas a leveza do momento se estende no tempo, inundando-me de paz. Enquanto caminhamos de volta à mesa, eu observo o olhar encantado e a mesmo tempo pesaroso daquelas que já desistiram de sonhar com danças como essa.
_Willian, posso lhe pedir um favor?
_O que quiser, Isa.
Não consigo desviar os meus olhos por nem um minuto. Eu pisco com espaço de tempo cada vez maiores, e quando ocorre é o mais rápido o possível. Isso porque não quero perder nada. Anseio gravar na memória cada giro, cada sorriso agradecido, e, principalmente, os olhos lacrimejantes e emocionados. No fim, Lorde Denvalle, o belo e poderoso Duque de Spencer, dançou com um total de oito solteironas, acostumadas a serem tão ativas quanto estátuas em eventos como esse. Ele deu a cada uma um momento especial para recordar. E a mim, ele deu mais uma prova de seu valor inestimável.

[COMPLETO] A dama e o cavalariço Onde histórias criam vida. Descubra agora