CAPÍTULO FINAL

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*** Uma semana depois...

Os primeiros feixes de luz invadem a carruagem. Sinto o calor do sol. Sinto o calor de Will... E o aroma amadeirado de sua loção. Abro os olhos repentinamente. Minha cabeça repousa sobre a rigidez de seu peito, enquanto o meu corpo é envolvido protetoramente por seus braços. Nossos corpos estão unidos em um encaixe confortável. Atrevo-me a olhar para a direção do seu rosto, é um alívio ele estar dormindo. Olho para o outro lado da carruagem. Elga também dorme tranquilamente. Da última vez que estive acordada, eu me encontrava sentada junto de Elga, no banco oposto, e falávamos sobre o azar de encontrarmos a única estalagem do caminho repleta de hóspedes. Acontecera um casamento no pequeno povoado, o dono nos explicara. Como esperado o senhor gentil, e ao mesmo tempo ganancioso, se prontificara a conseguir um quarto para o duque de Spencer, ainda que para isso precisasse desinstalar outra família. Willian negou a oferta. Nós seguimos viagem noite a dentro, devo ter pegado no sono rapidamente, tudo o que me lembro é de sentir-me cada vez mais cansada a medida que Elga desenterrava histórias sobre sua infância.
Com o cenho franzido encaro outra vez a posição íntima em que estamos. Me movimento lentamente, tentando escapulir sem despertá-lo. O dia acabou de nascer e ele necessita de descanso. Por mais que eu tente não é possível me desvencilhar. Suspiro frustada. Será embaraçoso quando todos estivermos acordados.
_Vejo que não exerci de modo eficiente minha função de travesseiro. - A voz de Willian sai distorcida entre um bocejo preguiçoso.
Embaraçoso, definitivamente.
_Eu tenho por costume acordar cedo. - Justifico-me, afastando finalmente meu corpo do dele. - Não era minha intenção interromper seu sono, me desculpe.
_Não se preocupe. Eu me rendo ao sono facilmente. Ainda posso voltar a dormir.
Willian boceja mais uma vez, como se para reafirmar o que disse. Sento-me ereta ao seu lado e o mais afastada possível. Ele estica o pescoço e os braços, para aliviar o desconforto.
_Você deve estar com dores no corpo por ter suportado horas do meu peso sobre si. - Observo. - Sinto muito.
_Pare de se sentir tão incomodada com a situação, Isa. Estamos nesta viagem há setes dias e você ainda não foi capaz de relaxar e desfrutar.
Não tenho defesa para o que Willian acaba de me dizer, então apenas curvo a cabeça e encaro o chão do veículo.
_Me desc...
Começo um novo pedido de desculpas, no entanto, impeço-me de terminá-lo. Eu já fiz isso vezes demais...
Senti culpa vezes demais...
Além dos inúmeros pedidos de desculpa feitos a Willian, eu também pedi desculpas a Elga por indiretamente forçá-la a estar nesta viagem, mesmo com sua idade mais avançada.
Eu pedi desculpas ao cocheiro, por ele ter que trabalhar num tempo não muito agradável, como o dos últimos dias.
Eu pedi desculpas aos cavalos de Willian, por sobrecarregá-los desta maneira.
Por pouco eu não me pus de joelhos e me desculpei com o pó da terra por esmagá-lo sob meus sapatos.
Respiro fundo, ainda de cabeça baixa.
O remorso me consome.
Sinto uma ânsia sufocante de rogar o perdão de todos.
Quero que Aurora me desculpe, pois tive que deixá-la para trás.
Eu gostaria que Belle me perdoasse por partir sem me despedir.
Preciso que Kate me perdoe pelas lágrimas que eu lhe causei, até aquelas que eu não a presenciei derramar.
Gostaria de me desculpar com Arthur por fazê-lo pensar que o culpo. Eu não o culpo.
Se eu pudesse eu imploraria, rastejaria e lutaria pelo perdão de Henrique. Por tê-lo afastado com palavras tão cruéis. Por ter lhe prometido o que não fui capaz de cumprir. Como poderia me entregar a alguém se eu não me pertenço.
Me perdoe, Henrique.
_Eu não pretendia ofendê-la. - A mão de Willian recai sobre a minha. - Eu só não consigo vê-la se martirizar dia após dia. - Seus dedos se entrelaçam aos meus. - Eu quero que seja feliz.
Quando permaneço calada, ele balbucia palavras que nenhum cavalheiro diz perante uma dama, o que não é comum de Willian. Eu o entristeço.
Luto contra as lágrimas que querem descer, elas são inúteis. Por uma vontade avassaladora de conhecer o que é o amor, eu mudei a vida de Henrique e suas irmãs, envolvi Willian nos meus planos, fiz com que Elga fosse minha cúmplice. Até Kate se viu obrigada a se arriscar por mim. Todos fizeram o melhor para me ajudar. E agora é como se eu não sentisse mais alegria de viver...
Fecho os olhos.
Eu desejo pedir desculpas a Isadora que sou neste momento. A mulher estilhaçada que me tornei, por ter agido de forma impulsiva, ingênua e insensata. E eu anseio profundamente que eu seja capaz de me perdoar.
Abro os olhos.
_Você está certo. - Digo a Willian, que se surpreende com meu olhar intenso e resiliente. - Eu estou triste. Me sinto derrotada. E tola. E perdida. Eu não sei o que fazer agora, Will. Não possuo esperanças para o futuro. Eu propus essa viagem porque necessitava de uma fuga, no entanto, sou arrastada para as lembranças como areia movediça.
Willian permite que eu desabafe, escuta atentamente o que digo.
_Eu tenho pesadelos a noite. Neles, Henrique e suas irmãs são consumidos pelo fogo e eu choro suas mortes. Em um dos pesadelos eu mesma me atiro ao fogo para queimar junto com eles. Eu acordo trêmula, suando e por mais que despertar me dê a certeza de que aquelas cenas não são reais, sou incapaz de não pensar que aquilo realmente poderia ter acontecido.
Algumas lágrimas insistentes caem pelo meu rosto. Procuro o olhar de Willian e vejo que todo o seu rosto está sério e introspectivo.
_Eu sou a pior companheira de viagem neste momento, Will. Não fará bem para ninguém estar perto de mim. Desta sorte, não se sinta obrigado comigo. Podemos nos separar na próxima estalagem. Eu ficarei bem... Com o tempo.
Um minuto completo se passa até que Willian me responda.
_Se você é tão infeliz assim longe dele, eu a levarei até Henrique. - A determinação no seu olhar, é a prova de que ele não mente. - Eu não sei o motivo por que você ainda não correu para os braços dele, contudo, certamente o criado deve estar esperando que um milagre aconteça e ele a tenha de volta.
A imagem de Henrique queimando atormenta-me de novo.
_Se eu o amasse um pouco menos, talvez fosse capaz de arriscar. Mas me unir a Henrique poria a sua vida em risco. O Conde ameaçou matá-lo. Certamente meu pai tentará fazê-lo. Talvez ele não consiga. Entretanto, e se conseguir? Então minha será a culpa da morte do homem a quem amo. Se eu e Henrique desaparecêssemos, ainda que sob a mentira que morri, meu pai, depois de tudo, não acreditaria. E se eu sumisse, simplesmente, geraria um escândalo, se as pessoas não souberem do meu paradeiro, elas inventarão coisas. Londres adora um bom escândalo. Se eu manchar o precioso sobrenome Pwenlly, meu pai se vingará tirando-me o que mais amo. Eu escolho perder Henrique a condená-lo à uma vida de medo e perigo.
Com uma tola esperança, eu aguardo que Willian me apresente uma solução, que discorde de tudo o que eu disse.
_Entendo. - Ele concorda. - O Conde é um inimigo poderoso.
_E perverso. - Completo, desviando o olhar para a janela, simulando prestar atenção na paisagem.
_O meu desejo neste momento é que meu pai esqueça a existência de Henrique, que mire toda sua fúria em minha direção e me atinja. Mas Henrique deve estar a salvo.
_Um sacrifício louvável. - Willian diz por fim.
Eu apenas concordo com a cabeça, inexpressiva.
_Não falemos mais nisso, sim? - Eu peço. - Viverei meu destino, e com o tempo minha cabeça voltará a ficar erguida. Eu tão somente preciso aprender um novo modo de ser feliz.
Encosto-me no banco, fecho os olhos e tento descansar. Quem sabe retornar a dormir. Antes que o sono chegue, escuto Willian declarar:
_Eu estarei com você. Nesta viagem. E por quanto tempo precisar para estar em paz. Este tópico não entrará mais em discussão. Eu fico. Nós vamos tentar juntos. Iremos conseguir juntos.
_Obrigada, Will.

[COMPLETO] A dama e o cavalariço Onde histórias criam vida. Descubra agora