CAPÍTULO 4

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_Ele me odeia. – Repito, entre soluços, pela milésima vez. – Elga, ele me olhou com elevado desprezo, como se tão somente o fato de eu respirar o ultrajasse.
Acabo confidenciando à ela o ocorrido pela manhã. Elga me escuta atentamente sem tecer nenhum comentário, limitando-se a me prestar seu apoio silencioso.
_ Foi horrível! Horrível! - continuo narrando a história. - Eu sou como nosso querido Mr. Darcy. Julgado precipitadamente, incompreendido, mal interpretado... O que eu fiz para merecer tamanho castigo?!
Ela simplesmente ri.
_Oh, meu raio de sol. – Elga decide que é uma boa hora para me interromper. – Lembro que lemos esse livro repetidas vezes. Mas não me recordo de Mr. Darcy ser tão dramático desta forma.
_ Bobagem - A contradigo. - Embora o livro não retrate com riquezas de detalhes, uma vez que a história gira em torno dos Bennet, tenho absoluta certeza que Fitzwilliam Darcy fora atingido cruelmente direto em seu coração pela opinião severa das pessoas.
_Ele sofreu, devo concordar. Mas não o vejo sucumbindo ao sofrimento de modo dramático. Talvez devêssemos reler o livro em busca de definirmos a verdadeira essência da natureza de Mr. Darcy. - Elga sugere com um brilho nos olhos. Qualquer um notaria que agora tudo o que ocupa sua mente é o personagem de nosso livro preferido.
_Pelo amor de Deus... - Bufo de maneira pouco feminina. - Não a chamei aqui para montarmos um clube de leitura! Voltemos ao ponto principal da conversa, sim?
_Claro, minha menina. - Concorda ela. Sua boca se curva em um sorriso. - Me perdoe. Sempre acabo sendo levada pelos encantos de Mr. Darcy.
_ É compreensível. - Digo, relembrando a minha estima pelo livro.
Ela assente de modo vago, e vejo que ela continua pensando no personagem. Então lhe lanço um olhar enfezado
_ Continue minha menina. - ela volta a si depois de um momento. - O que mais aconteceu?
_ Nós discutimos. Ele me ofendeu, parecia estar com raiva de mim. Eu o ofendi também - Resumo. - Oh, Elga, sofro "ardentemente".
Enterro o rosto em seu colo à espera de consolo. Em troca, sinto todo corpo de Elga tremer. Quando levanto confusa, a encontro se esforçando para não gargalhar alto.
_Me desculpe. - Ela não consegue mais prender o riso - É que essa sua releitura de Mr. Darcy é esplendorosa.
Talvez – apenas talvez – eu esteja sendo um pouco dramática.
Não consigo evitar e me junto a ela e nós duas rimos por um bom tempo. Inevitavelmente, a graça passa e os risos cessam e sou invadida novamente por meus pensamentos.
_Eu bati no rosto dele. – Quando digo em voz alta me sinto ainda mais culpada. – Eu bati nele.
_Oh! - Elga parece não saber o que dizer. Depois de permanecer um bom tempo em silêncio, ela me olha e diz com tranquilidade – Não se martirize, minha menina. Acredito que você esteja arrependida, e como me contou Henry a destratou.
Eu penso no que Elga acaba de me dizer.
_Sabe o que me diz a minha consciência? – Pergunto mais para mim mesma do que para ela. – Que não importa o quanto ele tenha me irritado, se Henrique possuísse um título eu nunca teria reagido daquela forma. – Encaro os meus dedos entrelaçados não tendo coragem de lhe olhar nos olhos. Sinto-me envergonhada. Parece que escuto de modo audível tudo o que o cavalariço me disse. "Frívola". "Mimada". – Então, no fim, talvez eu não seja tão diferente do que ele pensa, Elga.
Eu esbofetearia um marquês?
Sinto as lágrimas percorrerem o meu rosto em uma dança cruel.
_Não é verdade - Ela me abraça forte. - Você é a pessoa mais doce e amorosa que conheço.
Antes que eu possa replicar, somos interrompidas por uma batida leve na porta do meu quarto. É Anne, minha criada pessoal. Ela observa curiosa a cena. Certamente o meu rosto revela que andei me debulhando em lágrimas.
_Milady, desculpe interromper. - Ela diz insegura. - Acontece que o Conde me ordenou que eu viesse arrumá-la para o baile.
Eu havia me esquecido completamente do baile.
_ Sim Anne. - Assinto.
Escolho o vestido de seda azul. É o mais discreto, pois tem menos babados, mesmo assim a armação bufante da saia é incômoda. O decote é o mais atrevido que já vesti, mas a modista garantiu que o modelo é a última moda. Quando desço as escadas o conde já está a minha espera.
_Uma bela visão. - Ele aprova.
Não lhe respondo nada. Não é um elogio e sim de uma constatação que tudo está em acordo com a sua soberana vontade. Caminhamos em silêncio até à carruagem; o Conde oferece a mão para me ajudar a subir – o que me surpreende – enquanto Timothy termina de verificar se os cavalos estão presos corretamente. Eu miseravelmente falho ao tentar subir. Nunca usei um vestido com tantos babados e uma armação tão pesada. Eu simplesmente não consigo elevar a perna o suficiente. Ouço meu pai resmungar algo inteligível que só posso supor tratar-se de algo impróprio ao decoro. Quando sua irritação aumenta, ele revoga sua gentileza.
_Você - O conde chama – Venha aqui.
Me viro para ver a quem ele está chamando. Maldição. Henrique anda até nós sem levantar o olhar.
_Sim, milorde. – Seu corpo se curva em uma reverência perfeita.
_Ajude ela a subir na carruagem. E rápido. Já perdi tempo suficiente.
Assim que ordena, o Conde sobe no veículo, mas não antes de me lançar um olhar de desprezo. Logo, somos somente o cavalariço e eu. Ele estende sua mão, mas permaneço imóvel de vergonha, sem conseguir encará-lo. Após nosso encontro desastroso hoje cedo, não desejaria vê-lo, muito menos tão perto. De repente, eu lembro que quanto mais me demorar, mais aborrecido meu pai ficará. E ele pode até querer descontar sua fúria no criado. Então eu seguro sua mão e me esforço sobremaneira para subir no veículo. Ao olhar de relance para Henrique, espero encontrar raiva e ressentimento. Mas o que vejo é pior. Vejo indiferença.
_Pai – Eu o chamo assim que nos acomodamos na carruagem - E se nenhum homem quiser se casar comigo?
_Impossível – Ele responde claramente consternado com a pergunta - Quando esta temporada chegar ao fim, você estará casada.
_Talvez ninguém venha a se interessar por mim.
_Você é filha de um Conde. Isso é motivo suficiente para te garantir um marido.
_Eu só queria...
_Isadora – Ele ergue a mão para me interromper. – Tudo o que você tem que fazer é se comportar bem e sorrir. Eu cuido do resto.
É o primeiro baile em Londres que frequento. No campo, os bailes são mais simples, as regras não são tão restritivas. As pessoas riem mais, conversam mais, até se divertem. Aqui tudo parece montado, como se eu estivesse diante de uma encenação teatral. Os risos coquetes são habilmente coreografados, as danças não tem vida, não empolgam. Enquanto observo tudo a minha volta nada me parece verdadeiro.
Meu pai me apresenta a várias pessoas, e, antes mesmo delas virarem as costas para se retirar, eu já me esqueci dos seus nomes e títulos. Algumas debutantes vêm até mim, sorriem, elogiam meu vestido, e antes de voltarem para o seus lugares me confidenciam os últimos escândalos de Londres (o que eu percebo não é realmente uma confidência, e sim uma inclinação natural a mexericos). É assim que tomo conhecimento que a filha do visconde Althorp fora flagrada a sós em uma situação comprometedora com o segundo filho de um baronete em um baile na temporada passada. O ocorrido se resolveria com uma licença especial, segundo elas. Mas infelizmente o homem já era casado. A jovem acabou sendo exilada na propriedade de campo do tio de sua mãe. Ela nunca mais será bem-vinda a bailes como esse. Uma moça parada ao meu lado chamada Elizabeth me aponta, com descrição, para um homem alto e de boa aparência que mantém uma conversa animada do outro lado do salão. Depois, ela me explica que aquele é o homem casado que seduziu a jovem. O cavalheiro parece feliz, o que deixa me enfurecida. Ele consegue, porventura, mensurar o que causou àquela jovem?
No decorrer do baile não sou convidada para dançar por nenhum cavalheiro. Começo a me preocupar que meu pai se enfureça comigo por não ter atraído a atenção de nenhum homem, pois a maioria das damas dançou ao menos uma vez. Realmente não entendo o que estou fazendo de errado.

[COMPLETO] A dama e o cavalariço Onde histórias criam vida. Descubra agora