CAPÍTULO 10

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Desde o dia em que o Sr. Randy, meu tutor, ensinou-me sobre como surgem as borboletas eu passei a admirar lagartas. O assunto não possuía nenhuma relevância na formação de uma dama, porém, meu tutor gostava de me falar sobre os mistérios da natureza, coisas que ele intitulava de "pequenos milagres". Um dia eu encontrei um casulo numa árvore que havia ao lado do lago. RECORDO DE TER PERMANECIDO O DIA INTEIRO SENTADA  FRENTE À ÁRVORE APENAS OBSERVANDO...

_Lamento interromper a música - Ouço meu pai dizer do topo das escadas, contudo continuo absorta em meus pensamentos. - Mas tenho a satisfação de comunicar-lhes uma notícia de extrema...

À MEDIDA QUE OBSERVAVA O CASULO IA RELEMBRANDO TUDO QUE HAVIA APRENDIDO SOBRE LAGARTAS.

_O brasão de Pwenlly sempre foi motivo de honra para o reino da Inglaterra...

CRIATURAS APARENTEMENTE FRÁGEIS QUE DILIGENTEMENTE COMEM ATÉ ARMAZENAREM O SUFICIENTE.

_Meu pai, o sexto Conde Pwenlly ensinou-me que... - A voz do meu pai é como um eco distante para mim

QUANDO SE SENTE PREPARADA A LAGARTA ESCOLHE UM LUGAR SEGURO E TORNA-SE UMA PUPA, SEM NUNCA COMER E RARAMENTE SE MEXER.

_A perpetuação da linhagem dos meus antepassados...

A FORMAÇÃO DO CASULO PROPORCIONA A PROTEÇÃO DA METAMORFOSE QUE OCORRE NO SEU INTERIOR. PARA QUE A TRANSFORMAÇÃO OCORRA O CORPO DA LAGARTA É ATACADO.

_A união dos dois honoráveis brasões através do matrimônio... – Ouço como um som distante e dissonante.

MEU TUTOR ME EXPLICARA QUE É NECESSÁRIO QUE O CORPO DA LAGARTA SEJA DESTRUÍDO EM GRANDE PARTE PARA QUE SÓ ENTÃO SEJA RECONSTRUÍDO.

_Conceder a mão de minha filha mais velha em casamento ao inestimável Duque de Grafton...

O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO É IMPRESSIONANTE, MAS EU SEMPRE ME QUESTIONEI SE AS LAGARTAS SENTEM A DOR DA MUDANÇA. ELAS TÊM DE ALGUMA FORMA CONSCIÊNCIA DE
QUE SE TORNARÃO BELAS BORBOLETAS?

Ouço o som de aplausos e algumas congratulações de pessoas próximas a mim...

A HORA DE DEIXAR O CASULO É IGUALMENTE DIFÍCIL. POUCO A POUCO A CASCA É ROMPIDA. UM PROCESSO GRADUAL QUE EXIGE MUITA ENERGIA.

_Sorria. - Lorde Hadwerty ordena, sussurrando em meu ouvido.

FINALMENTE O PROCESSO CHEGA AO TÉRMINO E A BORBOLETA É LIBERTA.

_Sorria mais. - O duque insiste insatisfeito com meu sorriso opaco.

FINALMENTE A BORBOLETA PODE VOAR...
UM PEQUENO MILAGRE.
**************
Depois de ser felicitada pela maioria dos presentes no baile e de receber de Lorde Hadwerty um anel de ouro branco, com uma pedra de rubi em formato retangular, invento que preciso me ausentar para me recuperar das fortes emoções que abalaram minha natureza sensível, tia Emma se oferece para me acompanhar, mas logo que nos afastamos eu imploro a ela que me deixe a sós por um momento. Ela parece hesitar, mas acaba concordando. Assim que passo pelas portas que dão acesso à varanda eu começo a caminhar mais depressa. Depois que desço as escadas em direção ao jardim passo deliberadamente a correr. Somente paro ao chegar à parte mais afastada do jardim, atrás de diversos arbustos suntuosos que me cobrem por completo. Meus pulmões queimam pelo esforço, tento estabilizar minha respiração enquanto meu corpo vibra com soluços incontroláveis. Aqui me sinto segura para chorar.
Perdida.
Eu estou perdida.
_Não posso casar com aquele homem... - Murmuro desolada.
Por um breve tempo o único som que consigo escutar é o do meu próprio choro, mas então sou surpreendida ao ouvir passos cada vez mais próximos. Penso em me esconder, mas antes que possa agir a voz que ouço faz meus pés estancaram no chão.
_Eu a vi correndo nesta direção. – Ele diz de algum lugar do grande jardim, mas não consigo enxergá-lo. – Eu precisava me certificar que você estava bem.
_Você não devia estar aqui. – O censuro.
Uso minha luva para secar as lágrimas do rosto. Não quero que me vejam chorar. Principalmente ele.
_ Como eu lhe disse quando nos conhecemos, eu não tenho por objetivo de vida fazer o que devo. – Vejo-o surgir juntos às roseiras, ele não vem até mim, apenas fica parado do outro lado do jardim me observando – Você fica ainda mais bela quando está com os olhos lacrimejantes, a bochecha nesse tom rubro e rodeada por todas essas flores. Uma imagem etérea. E eu sei que isso é algo horrível de se dizer neste momento, mas acho que você merece saber que mesmo em ocasiões tristes você consegue destacar sua beleza.
_Lorde Denvalle, pare. Por favor. – O interrompo ao me sentir intimidada por sua gentileza. – Eu preciso lembrá-lo o quão inapropriado é estarmos sozinhos aqui?
_O que você teme? – Ele arqueia a sobrancelha com presunção à medida que se aproxima. – Que sejamos flagrados nesse jardim e obrigados a nos casar? Posso estar enganado, mas eu pensei que casar comigo era o seu desejo.
Eu não havia pensado nisso...
_Então é isso que Sua Graça veio fazer aqui? Comprometer-me? – Pergunto desconfiada, sem saber se ele mudou de ideia ou está somente divertindo-se a minhas custas.
_Sim e não. – Ele responde de forma evasiva. Eu mal percebi como, mas agora apenas centímetros de distância nos separam.
Lorde Denvalle, como eu intuía, veio divertir-se a minhas custas.
_Milorde, não permitirei que brinque comigo. Eu não estou com ânimo para meias respostas. Faça a gentileza de se retirar. – Desvio o olhar, tentando esconder minha frustração.
_Não... – A sua mão lentamente se eleva até meu rosto e ele começa a acariciar o meu queixo com delicadeza – Porque eu não pretendo manchar sua reputação de maneira leviana, permitindo que nos flagrem em um encontro clandestino.
Com a sua mão livre Lorde Denvalle envolve minha cintura e me atrai para si, unindo o meu corpo ao seu. A respiração quente e ofegante dele arrepia minha pele enquanto ele roça seu nariz levemente pela curvatura do meu pescoço.
_E sim. – Sussurra junto ao meu ouvido. – Porque as coisas que eu tenho em mente são altamente comprometedoras, mas eu tentarei me conter. Essa noite será um segredo meu e seu. Eu só preciso saber...
A sua boca desce sobre a minha repentinamente. Primeiro como uma leve carícia, mas logo em seguida a sua língua desliza lambendo o meu lábio inferior e depois o superior. Com movimentos lentos e deliberados ele tenta entreabrir os meus lábios. Eu instintivamente me afasto do seu toque íntimo sentindo-me atordoada.  
_Lorde Denvalle, e-eu... É q-que... – Tento ponderar o que dizer, mas o constrangimento me impede de raciocinar. – Você me rechaçou! – O acuso por fim, mesmo sabendo que não deveria ter feito.
_Eu rechacei a ideia de casamento de um modo geral – Ele defende-se – Seja razoável, eu fui surpreendido com a sua proposta, para dizer o mínimo. Entretanto, na mesma hora que a vi se afastar, indo em direção a Hadwerty e notei o olhar lascivo que o velho lhe concedeu... Eu quis matá-lo com minhas próprias mãos por sequer ter pensamentos desonrosos a seu respeito. Você me agrada. Você parece ser diferente das jovens insossas que poluem Londres. E eu certamente a desejo como um homem deseja uma mulher. Então, eu penso que talvez possamos nos entender.
_Talvez... – Repito tentando assimilar o que isso significa.
_Sim, talvez. Mas eu preciso ter certeza de que somos compatíveis... – Ele pigarreia desconfortável – Eu não sei como explicar sem ofendê-la, desta sorte serei direto. Eu não posso me casar com você sem ter a certeza que a agrado, que nos entenderemos... Na cama. Embora não haja sentimentos envolvidos, eu quero uma esposa que ao menos possa me satisfazer, e eu a ela. Por isso o beijo.
_O beijo? – Questiono desorientada. Tudo o que ouvi borbulha na minha mente confundindo-me. – O que você está tentando dizer é que se me beijar saberá se me quer como sua esposa?
_ Eu a quero. – Ele se apressa em dizer, de modo contundente. – O beijo é para que eu descubra se você me quer como homem.
_Oh. – Como isso é possível? – Eu confesso que não entendo como o beijo lhe dará uma resposta que eu mesma não sei milorde.
_Se aproxime. – Ele ordena. Eu hesito momentaneamente, mas acabo obedecendo. – Permite-me que a beije?
Eu balanço a cabeça.
_Assim que você souber a resposta me informe, por favor. – Peço e me sinto imediatamente estúpida por dizer essas palavras.
_Quando eu souber. – Ele sorri elevando apenas um canto da boca. – Você também saberá sem que ninguém lhe diga. Você simplesmente sentirá.
Novamente os seus lábios ganham os meus. Controlo minha hesitação para tentar buscar a resposta que ambos necessitamos. Dessa vez quando a sua língua delicadamente intenta entreabrir os meus lábios eu cedo. O beijo começa suave, sinto a sua língua acariciar a minha e às vezes sugando de leve. Eu tento repetir o que ele faz e o ouço gemer quando mordisco seu lábio inferior. Naturalmente o beijo se intensifica e fica mais exigente. Lorde Denvalle envolve minha cintura e uni nossos corpos de modo que eu posso sentir a evidência do seu desejo. Isso faz minhas maças do rosto esquentarem e minha respiração se desestabiliza. Eu enterro os dedos nos seus cabelos e começo a massagear timidamente. Ele arfa ainda colado aos meus lábios e sussurra o meu nome como se testando as letras em seus lábios.
_I.sa.do.ra... – Ele repete assim que nossos lábios se separam.
Segue-se um silêncio confortável, enquanto permanecemos entrelaçados. Ele apoia sua testa na minha mantendo seus olhos fechados e tão somente inspira profundamente e expira.
Eu não poderia prever que meu primeiro beijo fosse resultar tão agradável.
_Willian... – Arrisco chamá-lo pelo nome, não posso evitar, sinto-me inquieta por não saber como agir depois do beijo.
Ele sorri ainda com os olhos fechados.
_ Eu preciso ir. – Ele finalmente abre os olhos e anuncia.
Ele solta minha cintura e se vai, me deixando confusa e aturdida.
Afinal, qual é resposta?

********
Permaneço abrigada na solidão reconfortante do jardim até que constato um sem fim de carruagens deixarem a propriedade. Sei que meu pai deve estar irritado com o meu sumiço, mas era sufocante demais ficar no meio de tudo aquilo para que eu pudesse suportar. Eu olho de relance para o anel que meu dedo ostenta e prendo a respiração. De repente é como se esse jardim se convertesse em um labirinto e me fizesse sua prisioneira. Me sinto acuada. Casar com lorde Hadwerty é inegavelmente o castigo que eu mais temia. Decido que é hora de voltar para casa, passo pelo saguão em direção ao meu quarto e tudo que eu vejo são criados limpando os cômodos. Pelo o que parece todos os convidados já se foram. A mulher por quem Henrique é apaixonado... Só agora me lembro dela. Provavelmente nossos olhares se cruzaram hoje durante o baile, é possível até termos trocado algumas palavras. Será que ela é bonita como Elise disse?
Entro no meu quarto e respiro aliviada por este dia ter chegado ao fim. Esforço-me para não cair aos prantos de novo, pois de nada me adianta. No fundo eu sempre soube que seria assim. O casamento. O desprezo do Conde. Perder Elga. Perder Aurora. Sinto-me como se tudo me escapasse entre os dedos.
Um batida na porta.
_ Entre – encaro a porta apreensiva. – Ah, é você Anne. Chegou em boa hora. Não aguento mais esse espartilho comprimindo meus pulmões. Ajude-me a tirar o vestido, por favor.
_Lady Isadora. – Há algo estranho na sua voz – O Conde me enviou para buscá-la. Ele a aguarda em seu escritório.
Oh, céus
_Vamos então. – Digo resignada.

[COMPLETO] A dama e o cavalariço Onde histórias criam vida. Descubra agora