Acordo na manhã do dia em que seria livre como prisioneira no meu próprio quarto. Quando voltei para casa com o coração devastado ontem à noite, um criado já estava a minha espera, por ordens do Conde, para me escoltar até meu quarto. A chave da porta foi levada. As janelas são altas demais para que possa possibilitar uma fulga. Não que eu tivesse para onde fugir, em todo caso. Levanto-me e fico andando de um lado a outro do quarto, no anseio que o tempo passe mais rápido. Minhas pernas chegam a arder pelo esforço, mas as horas caminham lentamente.
A única pessoa que vem me ver é Anne. E apenas para me trazer minhas refeições. Ela chega a desviar o olhar quando a encaro, como se minha simples presença pudesse colocá-la em risco. Fico me perguntando o que os criados sabem... e o quanto inventaram. Não consigo comer nada. Grande parte do dia eu gasto com os ouvidos colados na porta tentando ouvir algo. Tudo que eu consigo escutar são alguns cochichos, os quais não sou capaz de compreender. Ouço passos também. Talvez, nesse exato momento eu posso estar ouvindo os passos de minhas irmãs,
mas não há como distinguir.
É hora do jantar quando Anne retorna trazendo uma bandeja. Ela entra de cabeça baixa, com passos apressados. Esquece-se até de executar uma reverência.
_Você faz parecer que eu estou com uma doença contagiosa, Anne. - Decido quebrar o silêncio.
A criada imediatamente cora, envergonhada.
_Perdão, milady. - Ele encara os próprios pés. Não foi minha intenção desrespeitá-la.
Eu assinto, sem ter nenhuma raiva.
_Tudo bem. - Forço um sorriso. - Eu acredito que se eu lhe fizer perguntas, estas não serão respondidas, estou enganada?
_Oh, eu sinto tanto, mas... Oh, eu não poderia...
Eu concordo com a cabeça, me arrependendo de ter perguntado. Tudo o que almejo é saber se Henrique está bem. Se está a salvo. Mas eu posso notar no rosto da criada uma súplica velada. "Não me meta em confusão. Assim como você fez com ele".
_Pode ir agora, Anne.
Quando as sombras da noite envolvem o quarto, eu fecho os olhos e tento dormir. Coloco a cabeça sobre o travesseiro e choro. Copiosamente. Até que minhas emoções vão ficando distantes, meus olhos começam a pesar e eu me rendo à exaustão.
_Acorde. - Sinto meus ombros sacolejarem, mas ainda estou sonolenta. - Acorde, Isadora.
Sobressaltada abro os olhos e ergo a cabeça.
_AAAAAAH... - Meu grito é interrompido quando sua mão cobre a minha boca.
_Shhhh... Não acorde a casa toda. Não seria nada inteligente.
_Arthur? - Agora que estou completamente desperta, o reconheço. - O que faz aqui?
Ele movimenta o pescoço em sinal de desconforto.
_Faz mais de três anos que não a via. - Sua voz soa triste. - E agora eu sou proibido de vê-la, pois você está presa aqui. Eu só... me sinto culpado.
_Isso deve-se ao fato que realmente a culpa é sua. - Acuso-o e solto um suspiro, ressentida.
Minhas palavras o atingem como um punho direto no nariz, como se ele buscasse em mim consolo para sua consciência pesada.
_O que você queria que eu fizesse, Isadora? - Ele abre os braços, frustado.
"Que me ouvisse. Que me desse a chance de explicar."
_Como você conseguiu entrar aqui? E, primeiramente, por que se deu ao trabalho?
_Com o incentivo adequado eu consegui uma cópia da chave. - Meu irmão esclarece. - Eu queria ver como você estava. Eu precisava saber que ele não a castigou mais.
_Não há castigo maior do que o que já recebi.
Abrir mão de Henrique...
_Logo isso passará. E você ficará bem.
_Você diz isso porque não conhece a fundo meu futuro marido.
_Não pode ser tão ruim assim. Você será uma Duquesa. Será admirada pelas melhores famílias, participará dos melhores eventos, viverá com conforto. Eu sei que ele é velho, mas você pode achar maneiras de ocupar seu tempo. Além disso...
_Vá embora.
Arthur se cala e seus olhos focam os meus.
_Perdão?
_Vá.Embora.Agora.
Eu me viro, puxo as cobertas sobre a cabeça, tentando nitidamente ignorá-lo, mas não há nenhum sinal de movimentação no quarto. E continuo a ouvir sua respiração pesada.
Arthur esbraveja, perdendo a calma.
_Eu fiz o que julguei necessário para protegê-la. Espero que um dia possa entender.
Uma lágrima solitária desce pelo meu rosto, e eu me alivio de estar com o rosto coberto. Permaneço quieta.
_Há algo em que possa te ajudar? Algo que precise? - Oferece meu irmão.
_O que eu lhe pediria, certamente não seria atendido, então é inútil tentar.
_Qualquer coisa, Isadora. - Ele toca meu braço por cima do tecido da coberta. - Eu faço qualquer coisa, desde que não a prejudique.
Meu coração acelera. Desde o momento em que vi Henrique se afastar, na noite anterior, eu desejei uma forma de ajudá-lo, de dar a ele uma vida diferente desta. Quem sabe seja possível.
_Eu preciso que faça algo por mim.
Sem protestos, sem perguntas, meu irmão promete atender ao meu pedido. Ele leva consigo o dinheiro que tenho guardado, uma carta destinada a Mary e as passagens para América. Quando Arthur entregar tudo a Elga sei que ela fará o necessário para a irmã de Henrique aceite minha ajuda.
Olho para as minhas mãos, especificamente para a passagem que seguro. Minha passagem. Em um acesso de fúria e frustração a desfaço em diversos pedacinhos e os espalho pelo chão. O retrato perfeito do meu destino.
Eu choro e sorrio ao mesmo instante, em medidas iguais.
As lágrimas são por mim, pela vida que perdi, pela vida que nunca cheguei a ter. Os sorrisos são por Henrique e suas irmãs. Eles poderão recomeçar em um lugar distante. Uma nova vida.
Estarão livres dos olhos julgadores de Londres.
Meu sorriso se alarga um pouco.
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[COMPLETO] A dama e o cavalariço
Historical FictionUma paixão proibida transformada em um amor que não pôde ser impedido. Quando Lady Isadora Pwenlly chegou a Londres para a temporada de 1826 estava resignada com o que o futuro lhe oferecia: um casamento por conveniência. O que a dama não previa é q...