Capítulo 08

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As casas da cidade e seus telhados cinzentos estavam silenciosas naquela manhã mais fria que o normal, o asfalto da rua sete ainda estava quente depois que os ônibus da cidade começaram a rodar, e os caminhões de entrega começaram o seu ziguezague matinal. E todos os dias, a pacata rotina se iniciava em Dustinville, como um ciclo vicioso que ninguém nunca ousaria reclamar.

Os bancos da pequena praça arborizada da igreja estavam vazios, exceto por John, o paroquiano fiel sentado com as mãos inquietas sobre a mesa, onde alguém havia riscado com uma pedra, uma tabuleta de xadrez. John era velho demais, cansado demais, tinha dois filhos e alguns netos já em idade escolar. Sua esposa morrera há oito anos de um mal súbito e desde então tem ajudado na igreja, "Joy gostaria disso", pensava ele. Mas estava velho demais pra lidar com segredos que não eram deles.

A praça cintilou sobre o brilho dos faróis altos do carro de entrega das revistas, a nevoa estava descendo devagar e pairando no ar, se misturando com a fumaça do escapamento dos carros. Há uma semana notara com um tom amargo quando seu padre tinha começado a agir de forma estranha. Perturbado, pensou, o Chapinha estava perturbado.

Sempre pensou que o homem era jovem demais para seguir como servo, ou tomar conta de uma comunidade como aquela paroquia.

Os pecados da carne são ruins mas são os menores males de todos. A idade tinha trazido a John a experiência que todos eles subestimavam, era só um velho babão que recolhia o dizimo e segurava a hóstia, pensavam eles, mas era esperto. Não precisava ser para notar que algo estava acontecendo, qualquer um com olhar mais atento teria notado a tensão sexual no ar sobre eles.

E isso, nem era o que o preocupava de verdade.

Era a garota Jones. Ela o preocupava. Carolyn Jones era sua amiga, não era próxima, mas se encontravam nas noites de quarta no bingo em Albernathy antes do câncer chegar, enquanto apostavam algumas notas de cinco e um frape, ela dava com as línguas nos dentes e deixa escapar alguns questionamentos. John tinha receio sobre ela, as pessoas da cidade não falavam sobre aquilo. Não tocavam no assunto, e não eram exatamente receptivas.

ㅡ Qual eram os nomes? ㅡ Ele perguntou em voz alta, falando sozinho para os bancos, e se deu conta de que nem se lembrava mais os nomes dos pais da garota.

Tinha visto o Chapinha, que era como chamava o jovem padre Styles de olhos verdes quando não estava na sua presença, sair cedo, e quase invisível pelas ruas vazias. Algo na sua mente simplesmente sabia para onde estava indo. Estava indo a casa dela. John pedia a Deus que fosse apenas tensão o que sentia no ar, e que não tivesse, consumado ato algum. Sabia em algum canto da sua mente que estava se enganado. Se fosse jovem outra vez, mesmo na época em que as garotas usavam sais abaixo dos joelhos e os primeiros negros chegaram em trailers e montaram seus acampamentos perto da rodovia, não teria pensado com razão.

ㅡ Era Kade e Charlotte Jones. Como eu me esqueci? ㅡ Coçou o queixo, a tragédia tinha saído em todos os jornais por pelo menos cinco semanas seguintes das investigações, que não deram em nada. A polícia deu o caso como encerrado, crime passional, o marido matou a esposa e se matou. E a cidade se calou. Ah se calou. ㅡ Santo Deus, estou ficando senil.

Não estava não. Ele sabia o que era, mas não admitiria a ninguém, mesmo que o bom jesus descesse a terra outra vez. O que tinha naquela cidade não era coisa dele, não mesmo, era coisa do camarada lá de baixo, pensou olhando para os lados inquieto, soando como um louco a qualquer um que passasse por ali tão cedo.

As pessoas da cidade não gostavam dos Jones daquela rua em especial, e sempre olharia para Kyra Jones com desprezo. As pessoas não gostavam dela também. Era perturbada, diziam eles, tinha presenciado a morte dos pais, mas John era velho e esperto, e sabia.

Sabia que não era por isso.

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