Capítulo 04

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O quarto do padre era pequeno e simples, não havia decoração minuciosa e nenhum luxo, somente a cama de madeira de carvalho branco e a cruz pregada na parede acima da cabeceira. Nada de fotos de família, ele não gostava de lembrar da saudade que sentia da família desde que mudou de estado. Mas o que deixava aliviado era saber que tinha uma família, mesmo que longe, o esperava de volta sempre de braços abertos. Ele era o orgulho de sua mãe, que fez a promessa de que seu primeiro filho homem serviria a Cristo, muito antes de nascer.

Cresceu sabendo da sua sina, nunca a negou. Sempre foi a missa e assistia a elas curioso e pensativo, gostava de refletir por si mesmo e ler a palavra do senhor com frequência. Aos quinze foi mandado a escola de padres, e depois o seminário onde formou-se estudou mais um longo tempo até ser direcionado a uma paroquia. Harry sentia se satisfeito com a sua vida simples, gostava dos cantos e das leituras. Era a sua vocação.

Ele passou a mão sobre a batina preta sobre a cama e seus dedos deslizaram pelo tecido. Ajoelhou-se em frente a cama e fitou a cruz com seus olhos cansados.

ㅡ Não deixe me perder no caminho, meu pai. Tenho lutado tanto contra mim mesmo, contra isso que eu tenho sentido aqui dentro do meu peito.

Baixou a cabeça e encarou o chão de madeira envernizada, e arquejou. Como poderia pregar todo as missas sobre a palavra de Deus sabendo que em pensamento não tem sido fiel a sua vocação e a promessa de sua mãe? O mal à espreita o persegue e culmina sua mente com ideias profanas, ideias do pecado original.

ㅡ Porque ela, Senhor? Porque essa garota? ㅡ pediu silenciosamente. ㅡ Me guie por essa tempestade, me ajude a saber o que fazer...

Sentiu algo surgir em seu peito, uma faísca momentânea que cresceu e logo se apagou. Ele não entendia os planos de Deus, apenas compreendia a sua onipotência e servia com avidez. O padre Styles terminou a sua reza e saiu. Andando devagar, ainda se perguntando se era exatamente isso que deveria fazer.

"Ela tem um emprego na taberna" Lembrou-se de John, o paroquiano dizendo a ele. E então nada tiraria da sua mente a ideia de que devia falar com Kyra Jones. Um homem deve enfrentar os seus próprios demônios, pensou ele. E ele foi atrás do seu.

Sabia bem que não pegaria exatamente bem a um pároco ser visto assim tão tarde em um bar, a cidade era pequena, e as pessoas falam, as velhas fofocam. Harry odiava isso. Ouvia metade delas sempre no confessionário, absolvendo pecados, e certa vez, sendo assediado por uma garota de olhos selvagens e corpo quente.

Sacudiu a cabeça.

Sentou-se em um banco iluminado da praça há dez metros do bar, onde a música country tocava e os beberrões faziam sua dança constante de pedir outra garrafa. Esperou por tanto tempo até que seus dedos dos pés estivessem congelados dentro das meias. Ele juntou as mãos e as esfregou tentando se aquecer, passou as mãos nos cabelos e quando já estava disposto a voltar para casa, onde era quente e livre de problemas, a viu cruzar a rua, com seus quadris sacudindo naturalmente ao andar.

ㅡ Jones? ㅡ Ele a chamou pelo sobrenome, não ousou dizer o seu nome em voz alta ali naquele lugar, parecia estranho.

Ela ergueu o rosto parecendo confusa e então sorriu timidamente com os cantos dos lábios. Está fingindo, disse a voz na sua cabeça, ela não é o tipo de garota que ruboriza na presença de homens, e você sabe disso Harry. Sabe muito bem que é instável como uma bomba relógio.

ㅡ Padre Styles. ㅡ Ela respondeu parecendo feliz, as palavras formando fumaça no ar frio. ㅡ Não esperava encontra-lo.

"Nem eu esperava vir até aqui" quase disse. Mas apenas devolveu um sorriso.

ㅡ Passei para Conversarmos.

Ela estremeceu.

ㅡ Padre... Se for sobre....

Ele sacudiu a cabeça e ela se calou.

ㅡ Deixe me acompanha-la até em casa, sim?

Ela notou que não tinha escolha, ele já vinha em sua direção e caminhava ao seu lado. Caminharam em silêncio pelo quarteirão pelo o que Kyra pensou ser uma eternidade, até que ele falou de repente.

ㅡ Kyra, eu sei que tem passado por muitos problemas. ㅡ Sua voz soou patriarcal. ㅡ E eu compreendo isso. Compreendo como é jovem e as coisas devem estar confusas em sua cabeça. Mas espero que entenda, que os seus sentimentos, não podem ser reais. Eu não posso ama-la de volta, Kyra. Eu sirvo ao senhor.

Ela concordou.

ㅡ Eu entendo bem, padre. Mas quem pode controlar o que vem do coração?

Harry a olhou estupefato. Foi como levar um soco no estomago. Este é o seu mal, Harry, este é o seu demônio. Uma garota apaixonada, e frágil sobre a luz de uma lâmpada. É isso que tanto teme?

ㅡ Talvez... ㅡ Ela continuou, ergueu sua mão devagar e roçou a lateral do rosto do jovem padre com seus dedos quentes e ágeis. ㅡ Talvez, mesmo que não me ame de volta. Eu ainda possa ama-lo. Isso é tudo que me restou, e nada vai tirar isso de mim. É tudo que eu ainda tenho.

Ele contraiu suas sobrancelhas, Kyra se aproximou o suficiente para tentar beija-lo, Harry se afastou bruscamente assustado, e segurou a mão da garota no ar. Não era com o que vinha de seu coração que Harry estava preocupado, e sim com outras partes.

ㅡ Então talvez eu deva ficar o mais longe que puder. Isso não fará bem a nenhum de nós. ㅡ Engoliu seco e deu de ombros deixando a garota sozinha no meio fio. ㅡ Boa noite, Kyra.

Ela soluçou, e o viu ir embora.

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