Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Ninguém mais sabia o que acontecia dentro daquela cidade silenciosa, quando as chamas tão altas quanto os prédios consumiram a igreja, as primeiras sirenes dos bombeiros puderam ser ouvidas cruzando em alta velocidade a rodovia até a cidade. O vento frio que soprava do sul naquela manhã apenas fez com que as chamas se espalhassem mais, consumindo as árvores da praça da igreja, os mercados e a casas ao redor. Subindo pelos telhados, entrando pelas janelas, e limpando qualquer vestígio das verdades sombrias que Dustinville escondia. Fogo divino, alguns teriam dito mais tarde no silêncio de suas casas fechadas, mas a verdade, é que qualquer bem que pudesse haver, tinha deixado aquela cidade desde os primórdios da adoração ao mal.
Na rodoviária local de Dustinville, os ônibus saiam devagar, andando longe do caminho dos bombeiros e dos carros de polícia, já passava das sete da noite e o fogo insistia na sua luta. Usando uma jaqueta de couro grande demais para os ombros, uma garota chegou a bilheteria com apenas uma mochila nas costas, e a respiração difícil. A balconista não deu atenção a quem quer que fosse, não fazia parte do seu trabalho e estava preocupada demais com olhos atentos a pequena tevê no balcão, ouvindo a contagem dos mortos pelo noticiário local.
ㅡ Uma passagem, por favor. ㅡ A garota empurrou uma nota de cinquenta pelo vão no vidro, a balconista encarou as pontas dos dedos chamuscados meio vermelhos demais da menina, mas não comentou.
ㅡ Para onde você está indo?
ㅡ Para qualquer lugar longe daqui.
A moça emitiu uma passagem para o Decate, que era o mais longe que os ônibus de Dustinville podiam chegar, e entregou a garota. Ela pegou a passagem e enfiou no bolso traseiro do seu jeans, e girou em seus calcanhares em direção aos bancos vazios ao lado da pequena loja de conveniência
Kyra começa a chorar, uma brisa do sul sacode as copas das árvores e atinge o seu rosto, ela cobre o rosto com as mãos e soluça, sentindo que nem lágrimas mais por aquela cidade ela consegue derramar. Os carros de bombeiro continuam cantando pneus e chiando no asfalto em direção a fumaça preta que sobe para o céu, ninguém presta atenção a ela.
Ainda conseguia sentir o calor do fogo perto do rosto e o cheiro de queimado naquela sensação constante de ter descido ao inferno. Ainda não acredita como conseguiu fugir das chamas, talvez nunca tenha acreditado em Deus tanto quanto agora, quando por um milagre não fez parte da contagem de corpos carbonizados da igreja. Ela estava ciente de quem tinha assassinado Harry tinha sido ela e a droga do candelabro que começou as chamas. Ainda sentia vibrar em sua mente a presença dele, ou talvez, vibrasse em seu ventre um pequena parte daquele mal. Não se importava mais nem com a dor das queimaduras por baixo da roupa.
Não se importava em deixar tudo para trás, só queria sair dali. De onde estava sentada ainda podia ouvir a voz no noticiário da tevê da balconista falando sobre a tragédia e o número de mortos continuava a subir.
Kyra cruzou as mãos e respirou fundo ainda sentindo o gosto da fumaça na boca, tinha voltado no pequeno apartamento no centro comercial para tomar um banho doloroso e buscar uma muda de roupas. Se tivesse procurado um policial e contado o que viu, acreditariam nela? Logo nela? É claro que não, pensou. Teriam a arrastado para mais perguntas que ela não saberia responder, e talvez a trancado em um daqueles lugares onde prendem os loucos, e Kyra já tinha tido a sua cota de loucura por uma vida. Olhou ao redor uma última vez em todas as suas tranqueiras e se despediu nunca mais olhando para trás. Tudo o que tinha em mãos, eram alguns dólares e a vontade de viver apesar da tristeza.
Meia hora depois o ônibus chegou, a rodoviária ainda estava vazia e silenciosa, a fumaça preta se erguendo no horizonte e Kyra quase podia ouvir o crepitar do fogo há quilômetros.
ㅡ Adeus. ㅡ Ela disse se virando uma última vez para aquele horizonte sombrio, tendo certeza de que a cidade nunca seria mais nada, e nunca mais a mesma, mas estaria longe o suficiente, tentando reconstruir os pedaços da sua vida.
Entrou no ônibus, entregou a passagem para Decate, jogou a mochila no bagageiro no teto, e pegou um assento a janela. Enquanto o ônibus deslizava para longe com seus poucos passageiros, Kyra cantava baixinho uma música que ouviu muitas vezes na igreja. Ela passou uma das mãos no ventre ainda meio incerta se aquela Coisa estava certa sobre ela, e sorriu. Não de felicidade, ainda estava corroída pela avassaladora dúvida do que o pároco dissera antes de dar o seu último suspiro. Mesmo assim, ficou feliz ao ver a paisagem correr pelos seus olhos escuros, ficou feliz em ver a grande nuvem de fumaça ficar para trás e a estrada se estender infinitamente a sua frente.
ㅡ Agora, somos só eu e você. ㅡ Ela disse para ninguém em especial e acariciou a barriga. ㅡ Só eu e você, camaradinha.
E assim o ônibus partiu, e Kyra estava certa de que tudo tinha acabado, pelo menos para ela, tinha rompido um ciclo. Ainda estava em choque para compreender a fundo o que acontecia, era só uma garota confusa e com medo. A luz interna do ônibus se apagou, e olhando para fora, sentiu a febril sensação engraçada de como estar acordando de um sonho ruim.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.