Capítulo 25

1.7K 189 147
                                    

O coração de Kyra pareceu ter sido jogado em um abismo sem fim por um instante quando enfiou o punhal no peito dele. As lágrimas desciam pelo seu rosto porque por uma fração de segundos quando uivou de dor e surpresa, ela quase estava certa de ter ouvido a voz de Harry, o seu padre Styles por cima. Quando as pessoas de capuz começaram a correr na direção dele preocupadas, ela estava fazendo o caminho contrário, correndo até a saída.

Quase teria conseguido, pobre garota.

ㅡ Fechem as portas! ㅡ Alguém gritou, e foi o que se apressaram em fazer.

Kyra não desistiria, Oh não, as vozes. Elas tinham simplesmente a deixado para trás.

ㅡ Vagabunda! ㅡ A coisa gritou se levantando, o punhal ainda estava enfiado até o cabo, e um pavor estarrecedor tomou conta de Kyra.

Ninguém a salvaria. As portas bateram e uma lufada de ar frio a atingiu.

ㅡ Por favor! ㅡ Ela berrou. ㅡ Me deixem sair.

Ninguém obedeceu. Ninguém se moveu do lugar.

Harry está de pé com a faca cravada em seu peito e sorrindo com olhos doentios e vazios.

Era como se seu mundo estivesse partindo, rachaduras no céu por onde passavam pedaços da sua vida e do resto da sua sanidade. Pedaços do céu que caiam em seus ombros e a puxavam para baixo com a gravidade. Continuou correndo sem parar, pés ágeis desviando dos bancos de madeira, das pessoas que pareciam bonecos assistindo um espetáculo sombrio que não tinha fim. Seus joelhos batendo um no outro, vacilando quando tentava subir as escadas, ouvindo os gritos atrás dela.

ㅡ Não adianta fugir. ㅡ Harry Riu mais alto, dessa vez, até mesmo os morcegos no forro levantaram voo assustados. ㅡ Você não pode correr do seu destino.

Conseguiu alcançar a sacristia e bateu a porta atrás de si, o cômodo escuro era menos assustador do que a esperava lá fora, onde os gritos ficavam cada vez mais altos e alucinantes. Seus dedos correram pela fechadura e girou a pesada chave no trinco velho de metal, pretendia arrastar a mesa até a porta quando tropeçou em algo no escuro, sentindo suas mãos úmidas de agua. Um gemido baixo foi emitido da massa cinzenta em que tropeçara.

Suas mãos tremulas alcançaram o interruptor e as manchas vermelhas nos dedos e na parede revelaram o seu medo, não é agua. Era sangue. Gritou quando viu o corpo caído em uma poça de sangue que se estendia por todo o carpete. Se abaixou instintivamente e conseguiu ver o desfigurado rosto, demorou algum tempo até que pudesse reconhece-lo. As batidas na porta começaram de repente.

ㅡ John? É você? ㅡ Perguntou sentindo as lágrimas descendo pelas bochechas que ardiam. ㅡ Ai meu deus!

Ela ofegou e suprimiu outro grito quando as batidas na porta ficaram mais fortes.

O rosto desfigurado do pároco se virou o suficiente para encara-la. Estava coberto de sangue, e parte lateral da sua cabeça estava faltando, como se tivesse sido acertado por algo pesado. Pedaços de massa rosa avermelhada saiam do buraco, e pedaços brancos, do que poderia ser do seu crânio estavam na parede. Estava agonizando em seus momentos finais, seus olhos tinham perdido as orbitas, mas parecia ainda poder ouvi-la.

ㅡ Demônio... ㅡ Ele murmurou com a sua voz gorgolejante, sangue muito escuro saindo pela lateral dos lábios. ㅡ Isso nunca vai acabar...ele...está chegando.

ㅡ Ele? ㅡ Ela segurou os ombros frágeis do velho moribundo. ㅡ Ele quem? Por favor, John! Fique acordado, por favor...

ㅡ O filho do mal. ㅡ Seu lábio inferior tremeu uma última vez. Ela aperta firme a mão dele, mas ele não estava mais lá. Só o corpo retalhado sobre o carpete e a garota desesperada de joelhos.

Uma mão se enrosca nos seus cabelos a puxando para trás.

ㅡ Ah veja quem encontrei aqui. ㅡ A voz disse perto do seu ouvido, sua mão puxando com mais força o cabelo, arrancando boa parte deles intencionalmente. ㅡ A minha noiva querida. Porque está fugindo, amor? Não era isso que queria?

ㅡ Você matou todos eles. Todos eles.

ㅡ Eu? ㅡ Ele a arrasta para trás e joga a garota contra a parede. ㅡ Eu sou só o padre da cidade, Amor. Você está se sentindo bem? Talvez devesse procurar um doutor. Para curar a sua cabecinha paranóica.

Kyra ouve algo se partir em seu ombro, grita de dor, mas agora estão sozinhos, se vai morrer, pelo menos não terá a mórbida plateia ao seu redor. Está cansada, cansada de lutar. Se cansou de correr e tem sangue por toda parte.

ㅡ Você não é o Harry, pare de falar como ele, pare de mexer com a minha cabeça! Apenas me mate.

ㅡ Você não tem certeza, tem? ㅡ Ele pisca fascinado, as velas apagadas nos castiçais se ascendem todas de uma vez só como em um coro. ㅡ Harry não está. Harry está. Quer tentar me matar outra vez? Ah você quer. Quer tentar?

Ele balança a cabeça.

ㅡ Me mate!

ㅡ O que está dizendo Kyra? Eu só quero te ajudar. Te ajudar a acabar com as suas mentiras.

Ele se aproxima e se abaixa até ela. Kyra ainda pode ver o sangue saindo do buraco no peito, onde tinha enfiado a adaga.

ㅡ Você está doente, Amor. Doente da cabeça. Louquinha da silva. Precisa do seu remédio.

ㅡ EU NÃO ESTOU LOUCA. ㅡ gritou ela.

ㅡ Não? Olhe aonde você está Kyra, olhe ao redor. Pare de mentir para si mesma!

ㅡ Do que você está falando? ㅡ Ela fala com a sua voz alguns tons mais baixo.

ㅡ Olhe para as suas mãos.

Ela encara o sangue cintilando sob a luz das velas, e em outras partes seco nas extremidades. Sente um imenso terror crescendo em seu peito. Um terror que já sentiu antes. Um terror sobre ter perdido o controle. Está fraca, tudo está se esvaindo pelos dedos como sangue. Todos que ela conhecia estão mortos. Está sozinha, e tem raiva por isso.

ㅡ Não! ㅡ A garota solta um grito cultural e se joga para o lado contra uma das mesas de madeira, fazendo um candelabro sacudir e cair. As velas rolam pelo chão e encontram as cortinas pesadas sobre as janelas. As chamas sobem pela parede e rapidamente toma conta do papel de parede e consomem a madeira.

Até mesmo a Coisa parece estupefata pelas chamas que se alastram em alta velocidade e os cerca. Kyra puxa o candelabro e olha uma última vez naqueles olhos verdes que tremeluziam. As labaredas chamuscam a sua pele e começam a tomar conta da sua roupa. Tentou se afastar mas não conseguiu, precisava acabar com aquilo. Ela mesma estava morrendo por dentro, mas se havia um deus lá em cima, ele estava tentando lhe dar outra pequena chance.

Ele começou a rir outra vez. Uma gargalhada doente e vitoriosa. Um segundo a mais e ele teria escapado. Acertou ele com o candelabro, com um momento de força sobre humana. O corpo caiu no chão, se embrenhando na poça de sangue quente do outro homem morto. Foi rápido. O candelabro era pesado e arrebentou a cabeça dele, acometeu uma sensação de alivio e triunfo.

ㅡ Me desculpe, Harry. ㅡ Choramingou . O coração apertava-lhe no peito.

Saiu cambaleando entre a confusão, braços esticados pingando sangue vivido borbulhando na sua pelo, e o cheiro de carne queimada cobria-lhe o seu nariz. Começou a correr sem rumo, fugindo do incêndio e de toda a confusão. Correndo do medo de ele pudesse se levantar e vir atrás dela uma outra vez. Mas ele não faria, ela sabia que tinha acabado. Correndo da destruição com crescente horror.

Tinha finalmente acabado.

The SinnerOnde histórias criam vida. Descubra agora