Capítulo 05

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Kyra chega em casa furiosa. O silêncio da casa se estende pelos cômodos agora quase totalmente vazios. Ela grita, tão alto que pode ouvir os ratos correndo sobre as revistas velhas no sótão. Grita outra vez e chora sobre o tapete no saguão. Não liga se os vizinhos estão ouvindo, todos a ignoram completamente na vizinhança, sente completamente miserável.

Miserável e solitária.

Miserável e com um amor tão grande no peito que dói como se a queimassem com metal quente. Como se fossem rasga-la em pedaços e jogar ao ar.

Odiava aquela casa, por ela, botaria fogo e veria o teto queimar, não se importaria de queimar junto. Nem se daria ao trabalho de se mover em quanto as chamas se alastrassem. Mas ainda não podia ir, não desistiria assim tão fácil. Gritava como um animal sedento enquanto correu até a sala, rasgou uma lasca de papel de parede.

­ ㅡ Eu o amo tanto, padre.

Ela chorou. Puxou com as unhas o papel de parede, cavou os buracos com os dedos até arrancar o que conseguia. Meia hora depois, seu olhos estavam inchados e seus braços completamente exaustos. Se deparou com toda a sujeira que havia feito, e olhou com assombro as marcas amarronzadas nas paredes, as que ainda eram escuras o suficiente para ver. Aquelas que não conseguiram limpar e que os homens da polícia com luzes especiais ficaram olhando atentamente há mais de oito anos atrás no seu passado esquecido.

ㅡ EU NÂO QUERO LEMBRAR! ㅡ Gritou segurando os cabelos.

Mais flashes do passado. Por um momento foi como se estivesse vendo pelos olhos do seu eu do passado, vendo as paredes manchadas de sangue vivo. Olhou para o lado e viu o corpo da sua mãe metade na escada e metade no saguão. Faltava os dois braços, que mais tarde foram encontrados na cozinha e na sala. O chão estava rubro como rosas e as pegadas desciam até a porta na cozinha. Ela sacudiu a cabeça, tudo tinha voltado ao normal.

Estava paralisada e atordoada, mal conseguia respirar. Os flashes daquele dia continuavam voltando e ela tentava rebate-los como em um jogo de baseball. Se arrastou pelas escadas até o segundo andar, entrou em seu quarto com dificuldade e se pendurou na janela, sentindo o vento frio contra o seu rosto. Kyra encara o topo da cúpula da igreja, que pode ver do terraço, não fica muito distante.

Estava tão sozinha e envergonhada, Pensando no corpo do pai dela dependurado em uma viga no porão. Sacudindo de um lado para o outro.

Ela enfiou-se debaixo dos cobertores e tapou a cabeça com os travesseiros. Isso era passado, Kyra, não há nada além de lembranças amargas. E então lembrou-se da sua tia dizendo certa vez, que quando o vento soprava forte e chiava no telhado, eram os pedidos de ajuda dos mortos que ainda não descansaram.

Se concentrou no rosto do padre e em seus olhos encarando os dela. Era a única boa memória. O padre Harry e os seus lábios, que prometeu a si mesma um dia ainda beijar. Mas prometeu também, parar de sonhar acordada, naquela noite, ele tinha dissolvido todas as suas esperanças mais remotas.

Mas não ia desistir.

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