Capítulo 16

2.7K 240 71
                                    

Passava do meio dia quando a caminhonete estalou seus pneus contra o cascalho da velha estada de terra na entrada da casa de veraneio. Era inverno e o ar estava pesado e congelante, de forma que ardia as vias nasais se tentasse pegar um pouco mais de fôlego. A nevoa já tinha se dispersado quase por inteira, apenas um pouco se estendia esbranquiçada sobre o lago á frente da casa.

Kyra desceu do carro com a mochila nos ombros, sua cabeça ainda doía como se carregasse os céus nos ombros. Sentia-se um pouco tonta, mas não queria reclamar, o padre já estava fazendo muito por ela. Talvez fosse o ar puro, tentou convencer-se disso, estava plenamente envergonhada por ele ter de vê-la nessa situação.

A paisagem era linda e bucólica, os carvalhos e os abetos se curvando levemente na entrada, dava a impressão de natureza intocada, mas logo quando deu alguns passos Kyra pode ver a madeira pintada de azul das paredes da casa, o pequeno deck que se estendia até o lago cálido e as flores silvestres que nasciam timidamente ao redor da casa. Era como um sonho doce de infância. Ela sacudiu o cabelo sentindo o roçar nas suas costas, e deixou cair a mochila para as mãos.

ㅡ Esse lugar...

ㅡ É lindo, não é?

Ela concordou pressionando seus lábios. Tinha perguntas a fazer mas não quis incomodar, talvez ele também quisesse devolver com mais perguntas sobre coisas que ela simplesmente não estava pronta para compartilhar. Kyra se pegou encarando o pela primeira vez sem ser o padre, Harry é um homem alto e esguio, em forma e perfeitamente saudável. Mas agora, até mesmo os seu olhos verdes brilhavam de uma forma diferente. Kyra não conseguiu identificar o que aquilo significava, mas já à algum tempo ele não era o mesmo homem.

Harry carregou as malas até a empoeirada entrada, deixou as no assoalho e recolheu o seu molho de chaves. A porta abriu-se com um rangido e o Jovem ex padre entrou pelo empoeirado saguão e tossiu, ecoando pelos cômodos mobiliados meio antiquados e as cortinas claras meio encardidas.

ㅡ Só precisa de uma boa faxina.

ㅡ Pra mim está ótimo. ㅡ Disse Kyra entrando e dando uma última olhada no lago pelo ombro. ㅡ Eu posso ajudar, é só me dizer onde estão os baldes e os panos de limpeza.

Harry sorriu.

ㅡ Vou fazer algo para comermos. Está com fome? ㅡ Ele deixou as malas no canto do corredor e se direcionou até a varanda. ㅡ Passei no mercado antes de buscar você no hospital.

ㅡ Eu nunca imaginei que você soubesse cozinhar.

Kyra girou sobre os seus calcanhares encarando a lareira e os tapetes cheios de mofo na parede.

ㅡ Os padres não tem empregadas, Kyra. ㅡ Ele zombou em um tom ácido até para si mesmo, era estranho referir a si mesmo como um cara normal. Notou que ambos pouco sabiam um do outro, eram estereótipos na contra mão.

Enquanto Harry foi até o carro buscar as sacolas de compra, Kyra continuou pensando em um milhão de perguntas que gostaria de fazer à ele. E quando ele voltou, os dois descobriram como ligar os fusíveis no porão, e deram um rápido jeito na cozinha. Ela não conseguia deixar de olha-lo fascinada enquanto Harry cozinhava e se movia de um lado para outro.

Os dois comeram em silêncio, não falaram dos problemas. Kyra, por vergonha, Harry, por receio de desencadear outra crise. E naquele momento que para Kyra parecia o mais próximo de um laço afetivo que teve em toda a sua vida, ela pensou que talvez não tivesse sido tão ruim ainda estar viva.

ㅡ Está muito bom. ㅡ Disse pegando um pouco mais de purê de batatas, e uma porção de ervilhas. Ficou em silêncio por mais algum tempo e então acrescentou. ㅡ Eu nem sei como agradecer a você o que está fazendo por mim. Eu sei que disse que está tudo bem, mas eu só queria te dizer que ninguém nunca fez algo assim por mim.

Harry suspirou e pousou o garfo na beirada do prato.

ㅡ Estou fazendo isso porque gosto de você. ㅡ Disse com segurança.

ㅡ Eu não faço bem a você.

ㅡ Você não faz bem a si mesma, estou cuidando de você.

Ela arfou.

ㅡ Fiz você ser expulso da igreja.

ㅡ Tecnicamente, estou de licença. E não é culpa sua, sou um homem adulto Kyra, por mais erradas que sejam as decisões que tomo, eu tenho total responsabilidade e ciência delas, mesmo que em algum nível.

Um longo momento de silêncio constrangedor se estabeleceu sobre eles, e foi Kyra a primeira a quebrar, outra vez.

ㅡ Ainda preciso trabalhar as quatro. ㅡ Disse baixinho. ㅡ Estamos a cinco quilômetros da cidade.

ㅡ Eu levo você. ㅡ Harry se levantou desconcertado e levou o seu prato até a pia. Era tudo estranho e novo para ele, até mesmo as simples conversas e interações pessoais. Sacudiu a cabeça e saiu do cômodo, um pouco apreensivo. Achou melhor deixar Kyra ter o seu próprio espaço, claramente, ela não era mais a garota que revelou seus desejos por ele em um confessionário.

Sozinha, Kyra terminou o seu almoço encarando os moveis e a cortina balançar com o vento que entrava por uma fresta na janela. Aqueles momentos de silêncio a estavam destruindo por completo, se levantou e foi atrás de Harry.

Ela o encontrou sentado na beirada da cama, tinha trocado os lençóis empoeirados e encarava suas mãos girando os polegares impaciente. Parecia um pouco perturbado com alguma coisa, não conseguiu entender, talvez estivesse bravo com ela, era difícil saber, ele não dizia muito sobre si mesmo, era sempre tão amável e agia como um livro de autoajuda vivo. Exceto quando transavam, ele parecia deixar de lado todo o seu discurso de bom samaritano e mostrava seu verdadeiro lado.

ㅡ Você está bem? ㅡ Perguntou apreensiva do batente da porta.

Harry virou seu rosto e seu cabelo tampou seus olhos, que pareciam mais escuros, como se estivesse em uma luta interna para se conter.

ㅡ Eu fiquei realmente preocupado com você ontem. Eu quase pensei o pior.

Ela suspirou.

ㅡ Você sabe... ㅡ Ele se levantou. ㅡ É difícil tudo isso para mim, eu não posso imaginar pelo que está passando.

ㅡ Padre, eu...

ㅡ Me chame de Harry Kyra, quero ouvir você dizendo o meu nome.

Kyra estremeceu por um momento.

ㅡ Harry. Eu não sei o que fazer para que você entenda. ㅡ Umedeceu seus lábios. ㅡ O quanto eu tenho sido grata.

Ele se aproximou com os seus olhos verdes mais escuros pela pouca luz, Harry deslizou sua mão pelo pescoço da garota fazendo seus pelos eriçarem e seu corpo tremer com o seu toque quente.

ㅡ Harry... ㅡ Ela gemeu.

ㅡ Só me deixe sozinho por agora. ㅡ Ele puxou de volta a sua mão e deu de costas sacudindo a cabeça e colocando as mãos um pouco acima do quadril. ㅡ Me deixe pensar sobre tudo isso, Okay? Me deixe sozinho.

Ela continuou parada sem saber o que realmente fazer.

ㅡ O seu quarto está pronto do outro lado do corredor, troquei os lençóis e ajeitei os moveis. Agora vá. ㅡ Disse secamente.

Kyra confusa, apenas se retirou muito envergonhada ㅡ e quente ㅡ sem entender absolutamente nada. Ela não poderia entender ainda que ele apenas estava bravo com ela, por ter tentando se matar. Kyra ia contra todos os seus princípios, e Harry não estava certo se sabia lidar com isso.

...

Próximo cap as coisas vão esquentar. Espero que gostem :)

The SinnerOnde histórias criam vida. Descubra agora