Capitulo 3

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Eugênio levantou-se apressado. Dormira demais. Tinha um compromisso
logo cedo no escritório e se atrasara. Já eram nove horas!
Pulou da cama e entrou rapidamente embaixo do chuveiro e, em menos de
dez minutos, estava saindo. Olívia tentou detê-lo para falar-lhe de Euvira, a
empregada que Alzira conseguira perto de sua casa, mas ele não lhe deu
atenção.
— Estou atrasado — gritou esbaforido. — Tem gente me esperando desde as
oito e meia!
No carro, nervoso, procurando vencer a ansiedade, no meio do trânsito, ele
percebeu que seu rosto ardia. Apanhou um lenço e passou-o no local. Estava
sangrando. Também, ele se barbeara com tanta pressa que havia se cortado.
— Que dia! — pensou irritado.
Aquele negócio era importante para a empresa, e ele não podia falhar. Por
que se atrasara daquela forma? E o relógio, por que não despertara?
Havia dormido tarde. Eunice insistira para que fosse ficando, embora ele lhe
houvesse dito que teria que levantar-se cedo na manhã seguinte. Para ela, era
fácil! Pudera. Não fazia nada. Ficava na cama até tarde!
Ela parecia-lhe mudada. Antes era agradável, alegre, agora dera para insistir
em coisas sem importância. Queria comprar os móveis do apartamento, vivia
procurando coisas para gastar o seu dinheiro. Sim, porque os recursos dela, por
certo não dariam para tantas exigências.
Parecia não compreender que as coisas haviam mudado. Que ele agora
estava cheio de problemas difíceis, gastando muito mais dinheiro. Tendo que
preocupar-se com as crianças, tendo Olívia sempre lhe cobrando alguma coisa.
Aquela era outra que parecia não entender! Ele não era de
ferro! Pensando bem, naquela história toda, quem perdera fora ele, só ele.
Todo mundo se queixava, mas enquanto Elisa estava viva, ele tivera mais
liberdade e conforto.
Agora, o peso da família ficara todo em seus ombros.
Precisava trabalhar, ter a cabeça fria para poder continuar a melhorar na
firma, mas, com tantos problemas, já se sentia prejudicado.
Que bom se ele pudesse sair, largar tudo, sozinho, ir para bem longe e
descansar! Mas não era possível. Estava preso. Obrigado a dar satisfações de sua
vida não só à cunhada como a Eunice. Seus filhos estavam ariscos, e Marina o
hostilizava abertamente.
Olívia teria coragem para falar mal dele às crianças? Se a apanhasse fazendo
isso, a colocaria na rua. Não toleraria uma coisa dessas. Dentro de sua própria casa!
Mulherzinha irritante! Se não fosse o medo das crianças ficarem sozinhas, e
ele ter que ficar em casa até arranjar quem cuidasse delas, ele já teria feito isso.
Afinal, quem ela pensava que era?
Sentiu saudades de Elisa. Ela, sim, era uma mulher maravilhosa! Ele fora
muito precipitado! Se tivesse sido mais comedido, nada teria acontecido.
O carro da frente parou, e ele deu uma brecada em cima! Soltou um
palavrão. O
motorista do outro carro ficou furioso e desceu com cara de poucos amigos.
— O que foi que disse? — perguntou colocando a mão na cintura. — Repete
agora, na minha cara!
Eugênio engoliu em seco. Ele estava com pressa. De forma alguma queria
brigar e perder mais tempo.
— Nada. Eu não disse nada. Estou atrasado e tenho pressa.
— Por que não passa por cima? Não viu que havia uma pessoa atravessando
a rua?
Queria que eu a atropelasse?
— Eu não queria nada. Vamos embora. Preciso trabalhar. Estou atrasado.
— Pois da próxima vez, saia mais cedo de casa.
Lentamente o outro foi para o carro enquanto Eugênio, irritado, procurava
conter-se.
Sentiu vontade de descer e brigar. Conteve-se. Não teve outro jeito senão
esperar o outro sair da sua frente.
Finalmente chegou ao escritório. Olhou o relógio, eram quase dez horas.
Entrou e foi logo perguntando à secretária:
— D. Irmã, o dr. Medeiros ainda está aí?
— O dr. Medeiros telefonou às oito e quinze para avisar que ele não podia vir
aqui hoje.
Pediu desculpas e vai lhe telefonar à
Tarde.
Eugênio irritou-se ainda mais:
— E por que você não me ligou? Não sabe que eu corri como um louco, me
cortei, quase bati o carro, e ele já havia lhe avisado que não viria? Viu o que fez?
Irmã olhou-o ofendida e assustada. Ele nunca a tratara daquele jeito. Que
horror!
Eugênio entrou em sua sala e fechou a porta com raiva. Uma funcionária que
observava tudo, disse a Irmã:
— Não ligue. Deixe pra lá. Não vale a pena.
— Você viu? Ele parecia louco. Nunca vi o Sr. Eugênio assim!
— Era de esperar. Ele perdeu a mulher atropelada. Esqueceu disso? Já pensou
nas três crianças sem mãe? Eu sinto pena dele, deve estar passando por mil problemas.
— Isso é. Você tem razão. Trabalho com ele há dois anos e ele nunca foi
grosseiro. Ao contrário. Sempre mostrou-se amável, educado. Realmente, hoje
ele não está bem.
Eugênio sentou-se em frente a sua mesa e passou a mão pelos cabelos.
Precisava acalmar-se. Irritar-se não ia resolver seus problemas. Levantou-se e
apanhou um copo de água.
De repente, a vida que era só alegria, só prazer, havia se transformado em
um inferno. E
o pior é que ele não via nenhuma solução a curto prazo. Seus filhos eram
muito pequenos. O tempo ia custar a passar até que eles crescessem e pudessem
cuidar de si mesmos. Enquanto isso, o jeito era ficar lá, cuidando de tudo.
Foi ao banheiro e olhou o pequeno corte que fizera no queixo. Ainda ardia.
Precisava passar alguma coisa. Na maré em que ele estava, aquilo poderia
infeccionar. Procurou na gaveta onde guardava um vidro de água de colônia,
para as ocasiões especiais, quando saía direto do escritório para um encontro
agradável.
Abriu o frasco e passou um pouco do perfume no local. Ardeu, mas ele
sentiu-se bem, aspirando gostosamente o aroma delicado.
Não podia continuar assim nervoso, preocupado, tenso. Tinha que cuidar-se,
relaxar.
Antes, Eunice o revigorava. Seus encontros eram sempre muito agradáveis. E
ele adorava estar com ela depois de um dia tenso de trabalho. Mas agora ela
pusera na cabeça de ir para o tal apartamento e só falava nisso. Parecia idéia
fixa. Que diabo, ela estava muito bem instalada, o apartamento era deles mesmo.
Por que, justamente naquele momento em que ele se sentia inseguro e com
maiores despesas, ela insistia nisso?
Ele havia concordado em alugar aquele apartamento. Claro que ele não iria
morar com ela lá, onde ela residia. Era pequeno para os dois e ele estava
acostumado ao luxo e ao conforto. Sonhara um local delicioso, onde eles
viveriam juntos sempre. Mas agora isso tornara-se um sonho impossível, e ela
não compreendia isso.
Ele a amava. Quanto a isso não tinha dúvida. E entendia que se ela o amasse,
aceitaria o que ele lhe podia oferecer. Naquele momento, preocupado com o
futuro, ele não desejava aumentar as despesas.
Sentou-se novamente pensativo. O que ele precisava era falar com ela.
Colocar as cartas na mesa. Se ela o amasse mesmo, saberia esperar com calma
até que a solução ideal aparecesse.
Qual seria a solução ideal para ele? Casar-se com ela? Sentiu leve repulsa.
Não gostaria de casar-se de novo. Mas diante da necessidade dos filhos, poderia
até sacrificar-se.
Contudo, já percebera que Eunice não havia se entusiasmado com a idéia de  assumir sua família. Reconhecia que mulher como Elisa, era difícil. Tão
dedicada! Ao lado dela sua vida sempre correra fácil, tudo em ordem, no lugar.
Ela até parecia mágica. Conseguia cuidar das crianças, da casa, da comida,
de tudo e estava sempre pronta e alegre quando ele chegava. Nunca se queixava.
Ele nunca mais encontraria outra igual a ela. Em todo caso, ela se fora e ele
ficara. Era um mal sem remédio. Tinha que conformar-se.
Lembrou-se que Olívia falara qualquer coisa sobre uma empregada.
Preocupou-se. Por que não lhe perguntara o salário? Aquela irresponsável bem
podia ter contratado a moça por uma fortuna. Afinal, o dinheiro não era dela. Era
ele quem teria que pagar!
Precisava ver isso antes que fosse tarde. Telefonaria a Eunice e não iria
jantar com ela naquela noite. Estava cansado. Iria para casa e tentaria tomar as
rédeas da situação.
Olívia lhe dissera que ficaria apenas uma semana e já fazia mais de quinze
dias que ela estava lá.
Durante esse tempo, eles quase não se viram. Ele lhe dissera que comeria
fora para aliviar o trabalho em casa. Almoçava em restaurante e à noite jantava
com Eunice, chegando em casa sempre muito tarde, quando todos estavam
dormindo.
Nos primeiros dias, no café da manhã, tentara aproximar-se dos filhos, mas
eles, sempre agarrados a Olívia, não se mostraram afetivos. Por isso, ele saía
logo e mal os via.
Olívia olhava-o com ar de reprovação. E uma vez o criticara
por isso. Mas ele não lhe dera atenção. Quando ela se fosse, ele teria os filhos
só para si e poderia reconquistá-los. Tinha a certeza de que conseguiria.
Telefonou a Eunice, disse-lhe que não estava se sentindo muito bem e que não
jantaria com ela naquela noite. Iria para casa mais cedo. Saiu do escritório às
sete horas e resolveu dar uma volta para comer alguma coisa. Em casa, por
certo, não teria nada.
Jantou em um pequeno restaurante e foi para casa. Entrou um silêncio e viu
na sala de estar Olívia, sentada no sofá, tendo Nelinha no colo, Juninho ao lado e
Marina a seus pés, conversando tranqüilamente. Percebeu que ela contava uma
história de princesas e fadas, e eles a ouviam fascinados.
— Ainda bem que pelo menos ela cuidava bem das crianças — pensou ele.
Fez um pequeno ruído e todos olharam para ele. Olívia calou-se. Pretendendo
aproximar-se, Eugênio entrou na sala dizendo com suavidade:
— Vim mais cedo hoje para vê-los. Estava com saudades. Aproximou-se e
sentou-se ao lado de Juninho. Marina levantou-se imediatamente. Eugênio
continuou:
— Venha aqui, minha filha. Quero falar com você. Ela olhou para Olívia e não disse nada.
Eugênio puxou-a delicadamente pelo braço, dizendo:
— Está na hora de conversarmos. É preciso que nos entendamos.
Marina o olhava em silêncio e de semblante carregado.
— Papai tem estado muito ocupado, trabalhado muito, não pode ficar em
casa com vocês o tempo todo, mas eu gosto muito de vocês e se pudesse, ficaria
aqui.
Marina soltou-se e deu alguns passos para trás.
— Isso é mentira! — gritou em lágrimas. — Se você gostasse de nós, não
teria ido embora de casa e mamãe estaria viva! Você não trabalha até tarde da
noite. A verdade é que prefere a outra mulher a ficar aqui em casa. Quando eu
crescer, vou embora e você nunca mais me verá! Eu juro!
Eugênio empalideceu e passou a mão pelos cabelos nervosamente. Olhou
para Olívia com raiva. Ela com certeza era responsável por essa atitude de
Marina. Ela era pequena demais para perceber certas coisas.
— Não me olhe assim — foi dizendo Olívia com calma. — Eu não tenho
nada com isso.
— Não brigue com ela! — pediu Nelinha em pranto.
Eugênio tentou contornar.
— Eu não disse nada. Vim cedo, pensei em ficar com vocês um pouco mais e
parece que vocês não querem.
Os dois pequenos agarraram-se mais a Olívia abraçando-a, e Marina,
olhando o pai com rancor, disse:
— Nós não precisamos de você, temos tia Olívia. Ela sim gosta de nós! Você
nos abandonou, agora não adianta fingir. Pode ir embora. Nós queremos ficar é
com tia Olívia.
— Sua tia não quer ficar com vocês — disse ele, irritado. — Por isso, acho
bom se acostumar. Terão que ficar comigo mesmo. Eu sou o pai de vocês. Exijo
respeito e obediência. Quando você crescer, fará o que quiser, mas enquanto for
pequena, terá que me obedecer.
Olívia levantou-se e, segurando as duas crianças pela mão, foi dizendo:
— Agora vamos. Está na hora de dormir. Digam boa noite ao seu pai e vamos
para cama.
— E a história? — perguntou Nelinha.
— Lá em cima eu acabo.
Eugênio aproximou-se das crianças beijando-as na testa, dizendo:
— Durmam bem.
Enquanto Olívia subia com os três para o quarto, ele sentou-se no sofá
pensativo. Ia ser difícil. Se ao menos Marina pudesse entender! Os outros dois
eram pequenos e seria mais fácil conduzi-los. Logo esqueceriam a tragédia.
Olívia bem poderia tomar conta deles! Ela poderia mudar-se para sua casa,
alugar o apartamento. Ele iria morar com Eunice, como sempre desejara.
Ficaria caro. Teria que sustentar a casa, mas sua liberdade valeria a pena.
Pensando bem, não era apenas pela liberdade. Ele se sentia inibido, sem
saber bem como agir com as crianças. Se ao menos Olívia o ajudasse! Ela
parecia bem à vontade cuidando delas. Infelizmente, não podia contar com a
cunhada. Sabia que se não fosse pelo amor que sentia pelas crianças, não teria
ficado ali durante tanto tempo.
Aguardou pacientemente que Olívia descesse. Quando a viu, foi logo dizendo:
— Vim mais cedo também porque precisamos conversar. Tenho estado
ocupado
mesmo. Depois, todos aqui me hostilizam e eu não tenho nenhum prazer em
voltar para casa.
— Claro. Não era bem aqui que você gostaria de ficar. Eu
sei que você vem contrariado. Aliás, até as crianças percebem sua má
vontade.
— Olhe aqui, eu não pretendo brigar com você. Deve convir que o ambiente
aqui não está nada bom para mim. Além das lembranças de Elisa, as crianças
estão com raiva de mim. Mas eu gosto de meus filhos e você precisa reconhecer
isso. Não pode fazer guerra contra mim, instigando as crianças a que me odeiem.
Olívia sacudiu a cabeça negativamente.
— Engana-se. Embora conheça você e saiba que foi o culpado da morte de
Elisa, reconheço que não posso prejudicar as crianças. Você é o pai delas e elas
precisam de você. Eu não seria capaz de fazer isso. Se eu não o elogio, também
não falo mal, disso pode ter certeza.
— Ajudaria muito se fizesse mesmo isso. Eles estão fugindo de mim. Agora
eu sou a única pessoa com quem terão que contar neste mundo.
— Não exagere. Eu também gosto deles.
— Não a ponto de sacrificar-se por eles. De ficar com eles para sempre.
Olívia riu com ironia.
— Isso é o que você desejaria! Assim, ficaria livre para levar sua vida com
aquela desavergonhada. Eu até poderia ficar com eles, seria até um prazer, mas
nunca farei isso, porque o dever é seu. Você enche a boca para dizer que é pai.
Pois faça sua obrigação. Seja um bom pai pelo menos, já que nunca foi um bom
marido para minha irmã.
— Você é injusta comigo. Está certo, o tempo passou, Elisa mudou, eu me
apaixonei por outra mulher, mas isso aconteceu. Pode acontecer a qualquer um.
— Pode. Quando o marido é ingrato e não sabe avaliar a pérola que tem em
casa. Elisa era boa demais para você. Por isso abusou dela a vida inteira.
Eugênio suspirou resignado. Olívia jamais compreenderia.
— Você torna as coisas mais difíceis do que são. Gosta de complicar tudo.
— Pelo contrário. Larguei minha casa e estou aqui tentando ajudar. Mas faço
isso pelas crianças e por Elisa. Por você, não moveria uma palha.
— Isso eu sei. Não precisa repetir. Você e eu nunca nos entenderemos. Vim
cedo hoje querendo resolver este assunto. Desejo fazer-lhe uma proposta.
— Proposta? — perguntou ela, desconfiada. — Qual é?
— Esta casa é confortável, você poderia vir para cá e morar definitivamente
com as crianças. Não teria nenhuma despesa, eu pagaria tudo e ainda poderia
alugar seu apartamento. Seria uma solução boa.
— Eu nunca moraria com você aqui.
— Eu irei embora, alugarei um apartamento para mim. Olívia olhou-o com
raiva.
— Estou entendendo! Quer ver-se livre das crianças para correr e ir morar
com aquela messalina.
Eugênio fez um gesto desalentado:
— Não é nada disso. É que você tem jeito para cuidar das crianças e elas
gostam de você. De uma certa forma, elas transferiram o amor da mãe a você.
O que será delas quando você se for?
Pelos olhos de Olívia passou um brilho de emoção. Muitas vezes se fizera a
mesma pergunta. Contudo, não pretendia ceder.
— Elas precisam entender que sou apenas tia. Gosto delas, podem contar
comigo sempre, mas não vou assumir o lugar da mãe. E depois, elas têm pai.
Minha empregada, a Alzira, já arranjou uma pessoa boa para trabalhar aqui. Ela
vai começar amanhã e se ela for como espero, dentro de mais dois ou três dias,
voltarei para casa.
— Tem certeza mesmo de que é uma boa pessoa?
— A Alzira me garantiu.
— Já combinou o salário?
— Sim.
— Por que não me deixou fazer isso?
— Porque você nunca está aqui. Depois, ela vai trabalhar das 8 até as 20
horas.
— Ela não vai dormir aqui?
— Não. Você é viúvo e nenhuma delas aceitaria dormir aqui.
Eugênio irritou-se:
— Que besteira! Acham que eu desrespeitaria minha própria casa?
— Isso eu não sei. Mas elas não querem ficar. Está difícil conseguir uma
pessoa que queira cuidar de três crianças, lavar, passar, cozinhar, tudo. Foi o
melhor que pudemos arranjar.
Havia um brilho malicioso nos olhos de Olívia quando ela continuou: — você
vai ter que assumir o seu papel de pai, todas as noites.
Eugênio passou a mão pelos cabelos desalentado:
— Eu não saberia. Nunca cuidei deles.
— Pois terá que aprender agora.
De repente, Eugênio sentiu uma onda de revolta. Disse com raiva:
— Não farei isso. Você fez de propósito. Vou arranjar alguém que fique todo
o tempo.
Você vai ver.
Olívia deu de ombros:
— Pois faça isso, se puder. Por agora, ficaremos com essa. A casa é sua, os
filhos são seus, e se conseguir coisa melhor, será ótimo.
— Você não vai me deixar na mão. Vai esperar eu arranjar uma pessoa que
possa dormir no emprego.
Olívia sacudiu a cabeça negativamente.
— Preciso trabalhar e não posso ficar mais. Portanto, se a nova empregada
for boa, irei embora domingo. Assim poderei recomeçar a trabalhar na segunda-
feira.
— Você bem que poderia vir dormir aqui.
— Isso é impossível.
— Pelo menos durante mais algum tempo. As crianças vão sentir muito sua
falta.
— Terão que se acostumar. Virei vê-las sempre que puder.
— Não seja vingativa. Aceite minha proposta! Só terá a lucrar.
— Não posso. Vou cuidar da minha vida. Você que cuide da sua.
Eugênio olhou-a firme nos olhos enquanto dizia:
— Você é a pessoa mais injusta e mais vingativa que conheci. Para me ferir,
vai acabar ferindo as crianças.
Olívia irritou-se:
— Nunca mais repita isso! As crianças estão acima de qualquer coisa. Mas
eu nunca vou assumir um papel que não é meu, uma obrigação que não é minha.
Ela é sua. Você pôs esses filhos no mundo, você acabou com a vida da mãe e
agora tenha pelo menos a decência de fazer o que lhe cabe.
— Você é intratável! E eu que pensei que poderia sensibilizá-la! Você não
tem coração.
— Não tenho mesmo. Não adianta se colocar no papel do pobre homem
incapaz.
Sempre foi capaz de fazer tudo o que fez. Nunca pensou em ninguém a não
ser em si mesmo. Agora não venha tentar me usar. Você fez isso a vida inteira
com Elisa, mas comigo, não. Nunca permitirei. Tenha a dignidade de assumir sua
família. Tenho a certeza que, se quiser, poderá fazer isso muito bem. Agora, boa
noite. Já é tarde.
Amanhã, Alzira trará a moça às sete.
— Boa noite — resmungou Eugênio, tentando dissimular a
raiva. Aquela mulher era intragável. Que diferença de Elisa, sempre amável e serena.
Nunca se negava a nada. Atendia tudo com disposição e alegria. Como
podiam ser irmãs?
Foi para o quarto e não conseguiu dormir. Eram mais de onze horas quando o
telefone tocou. Eugênio atendeu. Era Eunice:
— Alô, meu bem. Senti saudades! — foi dizendo logo.— Não consegui
dormir. Você melhorou?
— Não — respondeu Eugênio, desanimado.
— O que você tem?
Eunice sentia-se insegura. A situação parecia-lhe modificada. Tinha a
impressão que o Geninho estava tirando o corpo fora. Não comprara os móveis,
falara em morar com ela e as crianças. Estaria mesmo pensando nisso? Chegou
a sentir ciúme. Teria arranjado outra mulher? Por isso, resolvera telefonar.
— Sinto-me cansado, indisposto. Tudo isso que tem acontecido, tem me feito
mal.
Estou cheio de problemas aqui em casa. Minha cunhada é arrogante e faz
tudo para me irritar.
— Se você tivesse vindo aqui, eu saberia ajudá-lo a relaxar e a esquecer. Eu
amo você.
— Eu também amo você — disse ele mais confortado.
— Ainda penso que se estivéssemos morando juntos, só nós dois, você não
teria que passar por tantos aborrecimentos.
— Você fala como se eu pudesse fazer isso! Esquece-se de que tenho três
filhos pequenos e que agora preciso cuidar deles?
— Você? Um homem não tem jeito para essas coisas. Você precisa arranjar
alguém que cuide deles, que more com eles. Pode ir vê-los com freqüência.
— Pensei nisso, mas está difícil arranjar alguém. Não posso deixá-los com
qualquer pessoa.
— Talvez possa colocá-los em um colégio. Há colégios maravilhosos, que
cuidam de tudo e educam muito bem. Seria melhor para eles. Sairiam aos
dezoito anos e teriam vida própria.
— Você acha isso? Já estão sem mãe, e ficariam entre pessoas estranhas.
— Pessoas especializadas que cuidariam deles melhor do que você. Teriam
uma boa formação. Se fossem meus filhos, é o que eu faria.
— Não é o que eu gostaria, mas pode vir a ser uma solução.
— Pense nisso, meu bem. Eles estariam em segurança e você ficaria
tranqüilo para trabalhar e cuidar de sua vida.
— Vou pensar.
— Amanhã você virá mais cedo?
— Vamos ver. Talvez.
— Não fale assim. Parece até que não sente mais vontade de me ver! Se me
amasse mesmo, viria correndo.
— Amanhã, veremos. Agora estou cansado. Um beijo e durma bem.
— Até amanhã. Estarei esperando ansiosamente. Eugênio desligou o telefone
pensativo.
Teria coragem de colocar as crianças em um colégio? Marina jamais
compreenderia.
Ficaria mais revoltada e o odiaria ainda mais. Não, ele não podia fazer isso.
Pelo menos naquele momento, enquanto eles ainda estavam muito chocados
com a morte da mãe.
Eugênio sentiu um aperto no coração. Por que acontecera aquela desgraça,
por quê?
Sentou-se no leito, colocando a cabeça entre as mãos, e não conseguiu mais
reter o pranto. Começou a chorar.

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