Capítulo 22

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Eugênio levantou-se cedo naquele domingo. Sentia-se insatisfeito, inquieto,
inseguro.
Por quê? Antes tomava decisões, tinha objetivos, sabia o que queria. Agora
não sentia a mesma facilidade. Isso o desgostava. Estaria se tornando incapaz?
Depois de tomar o café, sentou-se na sala para ler o jornal, mas não
conseguia fixar sua atenção nas notícias. Ele não era mais um adolescente. Não
podia permitir-se a fraquezas que poderiam resultar em problemas para sua
família. Na véspera, saíra de casa disposto a falar com Lourdes seriamente.
Estava certo de que a amava e de que ela seria a esposa ideal para tomar conta
de seus filhos. Entretanto, seu entusiasmo arrefecera e agora já não tinha mais
certeza de nada. As crianças conheciam Lourdes e não demonstravam simpatia
por ela. Mudariam se a conhecessem melhor?
Na noite anterior, saíra com o propósito de declarar-se e de levar Lourdes
para um hotel.
Passara a semana inteira antegozando o prazer desse encontro, fantasiando
como seria.
Por que de repente perdera completamente a vontade? Seu antigo problema
estaria de volta?
Passou a mão pelos cabelos preocupado. O que estava acontecendo com ele
não era normal. Sempre fora ousado, audacioso e nunca perdera a oportunidade
de estar com uma bela mulher. Por que perdera o interesse?
Pensou em Olívia. A presença dela teria algo a ver com o que lhe
acontecera? Vê-la era recordar-se do passado. Era pensar que, de alguma
forma, ele desencadeara a tragédia que havia matado Elisa e o reduzira àquela
triste situação. Quando poderia esquecer?
Teria que suportar esse peso pelo resto da vida?
Pensamentos sombrios o incomodavam, tirando-lhe a alegria e a paz. Quando
Amaro chegou para irem almoçar juntos, percebeu logo que ele não estava bem.
Enquanto as crianças se arrumavam
para sair com eles, tentou conversar:
— Ontem você estava tão bem, tão alegre! Fazia tempo que eu não o via
assim.
Aconteceu alguma coisa?
— Não sei o que está se passando comigo. Sempre fui firme, determinado.
Agora, estou confuso, insatisfeito, inseguro.
— Por que pensa isso?
— Porque ontem eu estava certo do que queria. Saí de casa disposto a pedir Lourdes em casamento. Claro, depois que ela se aproximasse mais das crianças e elas a apreciassem. Só pensava na noite de amor que teríamos. De repente,
perdi o interesse, não lhe disse nada. Esfriei. Agora já não sei mais o que quero.
Um casamento com ela parece-me quase impossível.
— Você não a ama!
— É uma mulher maravilhosa! Seria a esposa perfeita! Depois, ela me atrai.
Até ontem acreditava estar perdidamente apaixonado. Agora...
— Pretende ter outra esposa perfeita, igual a Elisa?
— Dizendo isso, você me confunde mais. Além de gostar, eu preciso me
casar com alguém que cuide bem das crianças. Tem que ser uma mulher
especial.
— Talvez não seja hora de se casar de novo!
— Pode ser. Não é isso o que me preocupa. Posso continuar a viver bem
como até aqui.
Mas não gosto de me sentir inseguro, de ser leviano, ora querendo, ora não.
— Você tem dormido bem?
— Não. Minha cabeça parece um vulcão. No trabalho, não consigo a mesma
lucidez de antigamente. Quando me esforço para prestar mais atenção, sinto
atordoamento, sono, mal-estar. O dr. Júlio chamou-me para conversar, disse que
a tragédia com Elisa havia perturbado minhas idéias e, no fim, aconselhou-me a
consultar um psiquiatra. Você acha que ele está certo? Estou começando a pensar
nisso. Não posso mais continuar assim.
— Seu problema é espiritual, não mental. Você reagiu bem a tudo quanto lhe
aconteceu.
Assumiu a família, fez tudo certo. Quem está com problemas mentais não faz
o que você fez.
— Então, por que não posso voltar a ser como antes?
— Claro que você mudou. Amadureceu. Aprendeu a olhar outros lados da
sua vida.
— Nesse caso, eu deveria sentir-me melhor.
— Você saiu de uma situação a que estava habituado, na qual se julgava
seguro para enfrentar novos desafios. De certa forma, isso pode haver provocado
um pouco de insegurança.
— No início, fiquei desnorteado. Escolhera uma coisa e a vida me chamou
para outra completamente diferente. Mas, hoje, o fato de haver assumido a
família sozinho parece-me natural e não me assusta mais. Ao contrário, não
saberia mais pensar em mim sem eles. Não creio que meu problema venha daí.
Antigamente eu ganhava bem e achava que as crianças precisavam de muito
pouco para manter-se. Gastava a maior soma comigo, nas coisas que me davam
prazer. Agora eu percebo a necessidade de dar-lhes uma boa educação, coloquei-os em um colégio melhor, preciso ganhar mais. E o que me acontece? Estou me sentindo limitado, incompetente como nunca fui. É desanimador!
— Você é muito resistente! Nunca se perguntou o porquê de tudo quanto lhe
aconteceu?
— Mil vezes. Essa é uma pergunta sem resposta.
— Não é verdade. A vida não faz nada sem uma finalidade. Quando ela age
precipitando os fatos, é porque sabe que você já tem condições de aproveitar,
amadurecer.
— Estarei sendo castigado por não haver dado a importância que devia aos
meus filhos e desejar abandoná-los?
— Que idéia! Não é nada disso. Estou vendo que você ainda não se libertou
da culpa pela morte de Elisa.
— De uma certa forma, contribuí para isso.
— Você não teve culpa de nada. Fez o que lhe pareceu melhor naquele
tempo. Nunca pensou que o acidente pudesse ocorrer.
— É verdade.
— Nesse caso, de que se culpa? O que lhe aconteceu não foi um castigo. A
vida sempre faz o melhor. Ela mudou seu destino, porque o caminho que você
havia escolhido não era aquele que lhe daria mais felicidade. Ela o chamou para
uma reavaliação dos seus sentimentos, e também para que despertasse para a
vida espiritual. Você sempre foi desligado desse assunto. Está sendo forçado a
pensar nele. Ontem foi se divertir e o que aconteceu? A vida nos juntou para a
conversa que tivemos. Não lhe parece mais do que uma simples coincidência?
— Encontrá-los nesta imensa cidade sem havermos combinado foi
surpreendente.
— Nada acontece por acaso. A vida é mágica e cada coisa tem uma
importância particular. Você está sendo pressionado de todas as formas. Nelinha
viu Elisa, Lourdes também. Olívia já está convencida de que ela vive em outro
mundo. Só você ainda resiste. O que espera?
— Nada. Eu desejo apenas tocar minha vida e da minha família o melhor
possível.
— Se espera que as coisas voltem a ser como antes, perca as ilusões. Você já
não é o mesmo, seus filhos também. Vocês estão maduros para perceber a
espiritualidade e não vão poder voltar atrás.
— O que quer dizer?
— Que quanto mais você resistir, mais a vida vai pressioná-lo , até que você
aceite.
— Você fala, mas não sei se isso é verdade! Essa história de espíritos parece-
me tão irreal!
— Não lhe peço que acredite no que estou dizendo, mas que pelo menos
estude o assunto. Vá assistir algumas sessões no Centro.
— Por que insiste nisso?
— Por que você tem tanto medo de ir lá?
— Não tenho medo de nada. É que nunca acreditei em nada disso. Parece-
me
constrangedor ir a um Centro Espírita.
Amaro riu bem-humorado:
— É só para continuar a ser "durão" comigo e com Olívia? Saiba que se você
não for, o problema será só seu. Eu e ela continuaremos cada dia melhor. Não sei
se poderá dizer o mesmo.
— Até parece que ir lá vai resolver todos os meus problemas. Isso chega a
ser fanatismo.
— Você está falando de algo que não conhece. Nunca foi, nunca
experimentou e já condenou. Se pretende ser tão radical, não se fala mais nisso.
— Radical? Eu?!
— Radical e preconceituoso, sim. Não foi, não conhece e não gosta. Quer
mais preconceito do que isso?
— Qualquer noite destas, eu vou a esse Centro só para que não pense que sou
tudo isso.
— Quando quiser ir, terei prazer em acompanhá-lo.
— Vamos almoçar que as crianças estão com fome. É tarde e Olívia resolveu
vir vê-los esta tarde.
— Você está é querendo fugir ao assunto. Nunca se preocupou com as visitas
de Olívia!
— Eu prometi estar em casa. Vamos embora.
Amaro sorriu e resolveu não insistir. Contudo, na quinta-feira seguinte,
conversou com ele no escritório, renovando o convite:
— Hoje à noite vou com Olívia ao Centro. Quer ir conosco?
— Não posso. Tenho que ir para casa cedo. Não programei ninguém para
ficar com as crianças.
— Fica para outra vez.
Eugênio concordou aliviado. Parecia-lhe absurdo, mas quando pensava em ir
até lá, sentia arrepios e uma sensação de desconforto. Não queria admitir que
tinha medo do que poderia ocorrer. Não acreditava em nada disso, mas e se Elisa
viesse mesmo pedir-lhe contas? A esse pensamento, sentia-se assustado. Estava
chocado com a tragédia e desejava esquecer. Não iria procurar nada.
Amaro comentou com Olívia a atitude de Eugênio, finalizando:
— Ele diz que não acredita, mas fica apavorado só em falar
— Ele nunca irá!
— Não penso assim. Quando Deus quer, não há como fugir.
Ao entrarem no salão das reuniões, Olívia passou o olhar pela assistência
pensando em Inês. Quando a viu, imediatamente foi cumprimentá-la.
— Que bom que você veio! — disse abraçando-a.
— Fiquei em dúvida se deveria... estava me sentindo muito deprimida, sem vontade de sair... mas Marilda passou em casa e me animou.
— Fez bem. Precisa reagir. Não pode se deixar dominar pela tristeza.
— Tenho esperanças de saber notícias de Carlos. Daria tudo para poder falar
com ele...
saber como está...
— Eu também gostaria de falar com Elisa. Quem sabe hoje teremos mais
sorte.
Calaram-se porque as luzes se apagaram. A reunião ia começar. Após a
leitura de um trecho de O Livro dos Espíritos, dos comentários esclarecedores
dos dirigentes, das orações costumeiras, o silêncio se fez.
Olívia quase não prestou atenção ao que eles haviam dito, porquanto Inês, a
seu lado, sentia-se mal. Várias vezes fizera menção de levantar-se para sair, e
Olívia tentava acalmá-la, falando baixinho que logo tudo iria passar, segurando
suas mãos geladas e trêmulas. Quebrando o silêncio da sala, Inês começou a
soluçar e a gritar:
— Me ajudem! Estou desesperado! Me ajudem! Imediatamente, Marilda
levantou-se da mesa e foi ter com
ela, dizendo com voz serena:
— Vamos ajudar. Acalme-se. Venha, Inês.
Ela levantou-se e Marilda a fez sentar-se em seu lugar ao
redor da mesa. Ela soluçava sem parar.
— Pronto. Você pode falar. Como poderemos ajudá-lo? Inês levantou a
cabeça e esforçou-se para conter os soluços que lhe sacudiam o corpo. Marilda
continuou:
— Não se preocupe. Fale o que está sentindo. Deus vai nos ajudar.
— Estou sofrendo todos os tormentos do inferno! — disse ela. — Pensei que
havia resolvido definitivamente o problema, mas agora percebo que só o
agravei! As coisas estão piores do que antes! A culpa é minha! Eu mereço ser
castigado, não ela. Meu Deus, o que fiz da minha vida? Quem poderá me
socorrer nesta hora?
— Deus! Peça ajuda a ele!
— Eu não mereço! Precipitei as coisas. Estava desesperado! Não agüentava
mais ver os maus tratos que ela sofria ao lado dele!
— Não se martirize. O passado não volta mais. Pense o que você pode fazer
agora de melhor.
— Estou manietado! O miserável me ameaça! Sei que ele cumprirá! Ele é
perverso!
Estou sem poder fazer nada!
— O que você não pode fazer, entregue nas mãos de Deus! Ele tem
sabedoria para fazer o que for mais adequado.
— Deixar as coisas como estão? Impossível!
— Você nada pode fazer. Pretende agravar mais a situação?
— Ela precisa saber! Ele pretende continuar dominando-a mesmo depois de
morto!
Não posso tolerar isso!
— Por que não pára com esse jogo de poder? Você quer que ele se afaste,
para voltar a dominá-la.
— Mas eu a amo e posso zelar pela sua felicidade! Ele não! Estava cheio de
aventuras e sequer a respeitava!
— Quem ama, liberta. Se a amasse mesmo, deixava-a em paz para seguir
seu destino.
— Não posso! Ela ficaria com ele!
— Quem pode saber o futuro? Deixe-a em paz. Cuide de você que está infeliz
e descontrolado.
— Estou assim porque, apesar de tudo, não consegui libertá-la dele. Anos
planejando, trabalhando para isso e agora está tudo perdido.
— Cada um é livre para escolher seu caminho. Você não é dono de ninguém.
Já interferiu demais na vida deles. Deixe a vingança de lado. Afaste-se e cuide
de sua vida.
Veja em que estado lastimável você está!
— Tudo parecia ir tão bem! Nunca pensei que pudesse dar errado! Eu estava
do lado da justiça. Ele foi julgado e condenado!
— Nós não temos condições de julgar ninguém. Você estava enganado!
— Trabalhei anos na organização, eles sabiam de tudo. Fizeram o julgamento
e o condenaram. Por que agora se recusam a intervir e me deixam sozinho com
meu desespero? Eles se diziam tão poderosos, e agora percebo que seus poderes
são limitados. Eles são incapazes de aprisioná-lo de novo!
— Você pede ajuda. Para ser ajudado, precisa se ajudar. Perdoar, acabar
com idéias de vingança. Elas estão infelicitando vocês todos. A única forma de
melhorar essa situação é deixá-los em paz, entregar tudo nas mãos de Deus.
— É difícil... não posso...
— Pode, sim.
— Como fazer isso?
— Desligando-se dela de uma vez. Libertando-a!
— Não suportarei a separação!
— Não seja dramático. Sua atitude só tem contribuído para a infelicidade de
todos. Seja generoso. Deixe-a em paz. Se fizer isso, nós o ajudaremos a se
recuperar. E, quando estiver bem, poderá voltar a vê-la.
— Farei qualquer coisa para que ela seja feliz!
— Comece deixando-a seguir o próprio caminho. Ela precisa crescer,
aprender outras coisas, encontrar a felicidade. Não acha que tem sofrido
bastante?
— Acho. Sinto-me exausto e sem forças. Mas se eu a deixar, ele vai
atormentá-la, e ela estará sem defesa.
— Nós a ajudaremos. Ele também terá que deixá-la.
— Nesse caso, concordo. Se conseguir que ela se liberte dele, farei tudo
quanto me disserem. Mas preciso ter certeza, sossegar meu coração.
— Você será informado, prometo. Agora, vai junto com essa moça que está
a seu lado.
Ela lhe dirá o que fazer e o conduzirá a um lugar de recuperação.
— Tenho medo da organização! Eles não queriam que eu os deixasse,
alegaram que estou comprometido com eles!
— Se deseja mesmo deixá-los, nós o protegeremos e nada lhe acontecerá.
Agora vá.
Fundo suspiro escapou do peito de Inês, e ela deixou-se cair trêmula sobre a
mesa.
Marilda apanhou um copo com água e a fez ingerir alguns goles dizendo:
— Já passou. Reze e procure pensar em Deus.
Quando a sessão terminou, Olívia levantou-se e foi ter com Inês que, ainda
trêmula, sentia-se atordoada.
— Sente-se melhor? — indagou.
— Sim. Apesar de tudo, estou calma. Amaro aproximou-se sorrindo e
dizendo:
— Mediunidade! Você tem mediunidade! Nunca percebeu? Inês meneou a
cabeça
negativamente:
— Mas fui eu quem falou! Foi esquisito, porque eu estava vendo e ouvindo
tudo, mas não conseguia parar. Minha boca falava sem eu pensar, e eu sentia
desespero, tristeza, medo, remorso e culpa! Não dá para explicar tudo que senti.
O que aconteceu de verdade? Eu me sentia como se fosse meu pai! Foi muito
estranho!
— Foi o espírito de seu pai quem falou através de você. Amaior parte do que
sentiu, era o sentimento dele — esclareceu Marilda.
— Nesse caso, ele estava sofrendo muito!
— Estava. Mas foi ajudado, graças a você. Através da sua mediunidade, ele
pôde desabafar, entender algumas coisas. Ele era muito apegado a você. Desde
que morreu, nunca deixou de estar a seu lado.
— Ele era assim mesmo. Às vezes até me dava medo. Nunca vi tanto apego!
Chegava até a me incomodar!
— Agora ele entendeu e vai deixá-la em paz — disse Amaro, calmo.
Inês sacudiu a cabeça pensativa:
— Não sei, não. Custo a crer que ele tenha me deixado.
— Deixou, sim. Foi levado pelos nossos amigos espirituais para um lugar de recuperação onde, além de receber ajuda para se reequilibrar, vai aprender
a viver melhor. Só poderá visitá-la quando estiver em melhores condições —
confirmou Marilda.
Inês suspirou:
— Ele sempre implicou com Carlos. Até depois de morto, ele o perseguiu.
Não entendi bem o que ele quis dizer, o que ele fez para as coisas piorarem.
Acho que ele gostou do que aconteceu.
— Não pense nisso para não atraí-lo novamente. Agora é sua vez de libertá-
lo. Ele precisa retomar o próprio caminho — tornou Amaro.
— Por que será que ele estava com medo de Carlos?
— Procure não pensar nisso. Você agora precisa cuidar da sua saúde,
recuperar suas forças. Deixe-os em paz. Eles partiram e você ficou. Significa
que seu caminho agora é diferente do deles.
Enquanto eles precisam aprender a viver no outro mundo, enfrentar seus
problemas, seguir para frente, você terá que viver aqui, cuidando de seus filhos,
aprendendo a cuidar de si. É isso o que a vida deseja agora, e ela sempre quer o
melhor — disse Marilda convicta.
— É verdade — ajuntou Olívia com voz firme. — Você agora está livre para
fazer o que quiser. Já pensou que maravilha?
Inês meneou a cabeça negativamente:
— Eu preferia que eles estivessem comigo. Sinto-me insegura, não sei o que
fazer da vida...
— Se jogar fora o passado e pensar na sua felicidade, tenho certeza de que
aprenderá bem depressa! — tornou Marilda sorrindo.
— Eu e Olívia vamos comer alguma coisa, vocês nos acompanham?
— O que aconteceu hoje me intriga. Eu gostaria de conversar mais — disse
Inês.
— Infelizmente hoje não poderei demorar — esclareceu Marilda.
— Preciso voltar com ela — disse Inês. — Mas vocês poderiam ir para
minha casa!
Comeremos alguma coisa e poderemos conversar mais um pouco! Depois do
que me aconteceu esta noite, SEI que não vou conseguir dormir.
Amaro olhou para Olívia que sorriu e respondeu:
— Para mim, está bem. Só que não vamos nos demorar muito, porque
amanhã terei que acordar cedo.
Naquela noite, Elisa, vendo Inês aprontar-se para sair com Marilda, sentira-se
triste. Sua situação não se resolvia, e ela não suportava mais a falta de notícias
dos seus. Carlos parecia muito à vontade sem se preocupar com os problemas
dela e dos demais que o acompanhavam.
Depois que elas saíram para o Centro, Elisa aproximara-se de Carlos:
— Precisamos conversar. Não posso ficar mais aqui. Tenho família, preciso cuidar dos meus filhos e da minha vida. Por favor! Eu peço! Deixe-me ir
embora. Juro que nada farei que possa prejudicá-lo. Ao contrário. Estou cansada
da organização e não pretendo voltar mais lá.
Carlos olhou-a com certa indiferença.
— Você diz isso agora. Assim que sair daqui, vai procurar aquele covarde!
— Juro que não! Eu mal o conheço. Não tenho nada a ver com ele.
— Mentira! Estava trabalhando para ele.
— Só aceitei, porque queria ajudar Inês. Tive pena dela. Agora estou
arrependida. Não devia ter me envolvido nesse caso...
— Mas se envolveu. Quando você está por perto, Inês se acalma. Preciso de
você aqui, ao lado dela.
— Ela está melhor, já não precisa de mim.
— Você faz o que eu quiser, entendeu? - gritou ele pegando-a pelos ombros e
sacudindo-a com força. Elisa tonteou e procurou segurar-se para não cair. Não
tinha coragem de enfrentá-lo. Receosa, disse com voz súplice:
— Está bem. Mas pense no que eu pedi.
— Ela tem razão — disse um dos homens que se aproximara. — Isto aqui não
está certo. Estamos perdendo muito tempo. Eu também tenho negócios para
tratar. Não posso ficar aqui toda vida à espera de que você decida enfrentar
Adalberto.
Carlos olhou-o irritado:
— Você não é como ela. Se quer ir, vá. A porta está aberta. Mas depois não
grite por mim quando a organização o prender. Sabe que eles não descansarão
enquanto não nos apanharem. Se quisermos vencer, teremos que ser mais
astuciosos do que eles.
— Esta calmaria me deixa nervoso! — disse outro que ouvira suas palavras.
— Amim também. Mas não podemos facilitar. Teremos que esperar. Aqui
estamos seguros.
Vendo inútil suas rogativas, Elisa afastou-se postando-se a um canto do quarto
de Inês, mais uma vez lamentando sua ingenuidade ao envolver-se com eles.
Triste, começou a rezar, implorando ajuda, pensando em Renata e em Amílcar.
Lembrando-se de tudo quanto lhe acontecera, Elisa deixava que as lágrimas
corressem livremente, dando vazão à angústia que sentia. O que seria dela dali
para frente? Estaria destinada a ficar prisioneira daqueles facínoras até quando?
Estava cansada. Pediu a Deus que a ajudasse, tirando-a daquela triste situação.
Sentiu-se mais calma depois disso. Naquele instante, percebeu uma claridade
a um canto do quarto, e Renata apareceu dizendo-lhe:
— Hoje chegamos mais próximos à solução dos problemas que os afligem.
Adalberto resolveu cooperar. Concordou em deixar Inês e Carlos em paz.
— Nesse caso poderei ir embora?
— Mais depressa do que imagina.
— Se me ajudar, poderei ir agora.
— Isso não será possível. Precisamos de você aí mais um pouco.
— Se Adalberto se afastou, não haverá mais briga. Eu posso cuidar da minha
vida.
— Temos que ajudar Carlos a compreender. Elisa meneou a cabeça:
— Esse nunca entenderá! É duro como uma pedra!
— Deus tem seus próprios meios. Tenhamos fé. Adalberto veio comigo e
deseja falar-lhe.
Elisa, admirada, viu entrar Adalberto pálido, abatido, apoiado por dois
enfermeiros.
Aproximou-se dela dizendo com voz triste:
— Elisa, sei que está angustiada, mas não pude fazer nada para libertá-la!
Você viu como Carlos me ameaçou... Em meio ao nosso sofrimento, percebi que
você é bondosa e tem feito muito bem a Inês. Estou agoniado, não tenho forças
para lutar mais, compreendi que preciso afastar-me por uns tempos para
refazer-me. Dói muito deixar Inês principalmente por ver que Carlos continua aí,
prejudicando-a como sempre.
Prometeram-me que ele também irá embora, que sua permanência ao lado
dela não será por muito tempo, por isso eu rogo a você que não a abandone.
Confio que você tudo fará para ampará-la, caso ele tente algo contra ela.
Elisa, comovida, sentia que as lágrimas voltaram a cair. Onde estava aquele
homem orgulhoso, seguro de si, forte, cheio de pose que conhecera? Era difícil
reconhecê-lo nesse ser inseguro e agoniado que lhe falava.
— Gosto de Inês. Ela é tão sofrida quanto eu. Farei tudo que puder para
ajudá-la.
Entretanto, sou fraca e não posso nada. Estou cheia de problemas e vivo
angustiada longe dos meus, prisioneira, sem saber o que vai ser da minha vida.
— Segundo me disseram, as coisas vão mudar, e você poderá também
resolver sua vida.
Não volte à organização. Eles estão enganados e não sabem o que estão
fazendo. Não se iluda mais com eles. Nós precisamos ter a ajuda dos filhos da
luz!
— A voz de Adalberto era fraca, mas Elisa entendeu.
— Também estou arrependida. Não quero mais nada com eles. Se eu sair
dessa, nunca mais volto lá.
— Agora temos que ir — tornou Renata. — Continue rezando e confiando.
Tudo vai ser resolvido.
— Por favor, acalme meu coração! Diga que a protegerá! Confio em você!
Elisa sentiu-se valorizada, olhou-o nos olhos dizendo firme:
— Pode contar comigo. Ficarei atenta.
— Qualquer coisa, peça ajuda, chame pela Renata.
— Acalme-se, Adalberto. Ela sabe como fazer. Este lugar está sob nosso
controle. Tudo que acontecer aqui nós saberemos. Vamos embora.
— Adeus, Elisa, beije as crianças por mim.
— Adeus, Adalberto. Felicidades!
Quando eles se afastaram, Elisa sentiu-se mais animada. Sua liberdade
estaria por pouco. Dirigiu-se à sala temerosa de que Carlos houvesse visto algo.
Encolhido a um canto, ele não estava bem. Praguejava e andava de um lado a
outro, inquieto. Um dos homens aproximou-se dele dizendo:
— O que foi? Você não me parece bem.
— As dores voltaram. De repente recomeçaram. Veja, este ferimento está
novamente sangrando.
— Você precisa de socorros médicos. A situação pode piorar.
— Vire essa boca pra lá! Nada vai piorar. Vou ficar bom. Esqueceu que já
passei pela morte?
— Por isso mesmo. E se não passar? Vai ficar sentindo isso quanto tempo?
— Já estava quase bom. Não sei por que piorou. Vai ter que passar.
— Não sei, não... Precisa tratar-se. Carlos irritou-se:
— De que jeito? Esqueceu que estamos presos aqui?
— É por isso que precisamos fazer alguma coisa. Não podemos ficar aqui
para sempre.
Até você que estava muito à vontade em sua própria casa, agora começa a
ficar ruim.
— Começo a pensar que tem razão. Esta situação começa a me cansar. E
esta dor que não passa?
— Está sangrando muito. Tem que fazer alguma coisa para parar.
Realmente, os ferimentos de Carlos sangravam sem que ele pudesse fazer
nada.
Instintivamente, passou pelo quarto onde Elisa estava e foi ao banheiro na
tentativa de procurar algo que o aliviasse.
Elisa, vendo-o, assustou-se:
— Você está mal! — disse.
— Estou, mas não é por isso que você vai escapar. Estou de olho aberto.
— Precisa de ajuda.
Ele sacudiu a cabeça negativamente:
— Ninguém pode me ajudar.
— Seu estado pode agravar-se. Ontem, seus ferimentos estavam só irritados,
mas hoje estão sangrando muito. Por que não procura ajuda?
— Não vê que é impossível? Estou preso aqui e se sair, Adalberto e os outros
me prendem de novo.
— Você não precisa sair para obter ajuda.
— Você sabe o que fazer para estancar o sangue?
— Não. Mas conheço alguém que pode.
— Você é da organização. Não quero nada com eles. Está me armando
uma...
— Está enganado. Também não quero nada com a organização. Por causa
deles me meti nesta confusão. Quando me livrar, tjuro ficar bem longe deles.
— Está me dizendo a verdade? Você tem raiva de mim, por isso me ajudaria?
— Não gosto de você, isso é verdade. Mas não posso ver ninguém sangrando
desse jeito sem ajudar. Sou humana e nunca fiz mal a ninguém. Você não me
conhece.
Carlos olhou-a firme como que querendo penetrar seus pensamentos. Depois
disse:
— Estou lavando as feridas, mas o sangue não pára. Se ao menos eu soubesse
um remédio...
— Isso eu não sei. Mas conheço uma pessoa que tem me Ajudado muito
desde que fiquei prisioneira. Talvez possa ajudá-lo.
Ele olhou-a desconfiado:
— Não vi ninguém estranho aqui. Como entrou e eu não percebi?
— Ela só fica visível quando quer e para quem quer. Tem muitos poderes. Eu
estava muito angustiada e se não fosse por ela, nem sei o que teria sido de mim.
— Se tivesse mesmo poder, teria libertado você. Por que não o fez?
— Por que ela quer que eu fique mais um pouco perto de Inês. Diz que
preciso ajudá-la.
Carlos fez um gesto ameaçador:
— Não quero estranhos aqui! Avise-a que não apareça mais. Se a encontro,
ela vai se arrepender.
Elisa deu de ombros dizendo:
— Você é quem sabe! Está sofrendo, se acabando, precisando de ajuda e
continua maldoso. Não direi mais nada. Arranje-se como puder. Se lhe acontecer
algo pior, a culpa é só sua.
Ele ameaçou agredi-la respondendo com raiva:
— Saia da minha frente. Não preciso da sua ajuda.
Elisa saiu do banheiro e foi até a sala exatamente quando Inês abriu a porta e,
para sua surpresa, Olívia e Amaro entraram com ela. Emocionada, Elisa
abraçou Olívia chorando copiosamente.
Olívia, embora não a pudesse ver, foi acometida de grande emoção. Era
pessoa controlada, não se emocionava com facilidade. Entretanto, sentada no
sofá, a custo continha o pranto. Amaro olhava-a preocupado e não se conteve:
— O que foi, Olívia. Não se sente bem?
— Aconteceu uma coisa estranha. Meu coração disparou e sinto muita
vontade de chorar. Eu estava tão bem...
— Foi só entrar aqui... — disse Inês que se sentara também depois de pedir a Janete que providenciasse o lanche. — Tenho chorado muito, e você deve ter
sentido essas energias. Marilda me disse que quando eu choro e lamento, estou
poluindo o ambiente de minha casa, enchendo-o de energias ruins, prejudicando
minha família. Não acreditei muito, mas agora vendo você, penso que ela estava
certa.
— Não sei se foi isso — respondeu Olívia, pensativa. — Apesar da vontade de
chorar, não sinto tristeza, ao contrário, é uma sensação de alívio, alguma coisa
muito familiar que não sei o que é.
— Seria bom trazer alguns médiuns aqui para uma reunião — sugeriu
Amaro. — Sinto que ajudaria muito sua recuperação.
Carlos, que os observava, não gostou da idéia. Aproximou-se de Amaro e
disse-lhe com raiva:
— Vá embora. Ninguém o chamou aqui. Se tentar fazer o que diz, vai se
arrepender.
Amaro registrou certo mal-estar, mas controlou-se. Havia percebido alguns
vultos escuros à sua volta. Continuou calmamente:
— Seria uma forma de receber a ajuda dos bons espíritos.
— Eu gostaria muito. Antes de ir ao Centro no dia da sessão, fico inquieta,
nervosa, sinto receio de ir. No entanto, eu vou e volto sempre melhor. Penso que
se eles viessem rezar aqui em casa, todos nos sentiríamos melhor.
— É verdade. Se você quiser, falarei com os dirigentes e poderemos marcar
para a semana que vem.
Carlos irritou-se ainda mais. Avançou em Amaro dizendo:
— Proíbo-o de fazer isso! Era só o que me faltava!
Amaro sentiu o impacto e fechou os olhos orando em silêncio. Sentia-se mal
e seu corpo cobrira-se de frio suor.
— O que foi? — indagou Olívia, assustada. — Está se sentindo
mal?
— Rezem — disse ele — ajudem-me.
Elas começaram a rezar maquinalmente, mas estavam assustadas demais
para pôr sentido na oração.
— Preciso receber um espírito — disse Amaro. — Vocês precisam conversar
com ele.
— Não sei como fazer isso! — disse Inês, apavorada.
— Olívia pode. Não dá para esperar mais! — disse ele fazendo enorme
esforço para controlar-se.
— Está bem — tornou Olívia, decidida. — Tentarei.
Elisa, abraçada a Olívia, tentava protegê-la. Temia que Carlos e seus homens
em sua revolta também a agredissem.
Amaro concordou e em seguida começou a contorcer-se na cadeira
gemendo e gritando com voz rouca:
— Vão embora! Não quero ninguém aqui. Se tentarem alguma coisa, vão se
ver
comigo.
— Acalme-se — disse Olívia — não vamos fazer-lhe mal.
— É mentira. Vocês todos estão contra mim, querem afastar-me de Inês.
Mas não vão conseguir. Ela me pertence, entenderam? É minha. Só faz o que eu
quero. Sempre foi assim e sempre será.
— Não estamos contra você — respondeu Olívia — só queremos ajudá-lo.
— Não creio. Vocês querem é o meu fim. Mas não vão conseguir. Sou forte e
nada vai me tirar daqui.
Elisa resolveu intervir. Lembrou-se das aulas de magnetização e, colocando a
mão na testa de Olívia, procurou transmitir-lhe seus pensamentos e percebeu
com satisfação que ela repetia suas palavras:
— Veja como você está mal. Você precisa de atendimento médico. Não pode
ficar como está. Até quando vai agüentar?
— Eu agüento. Sei que vai passar.
— Suas feridas sangram e, a cada dia, vão piorar até que sem forças você
perca os sentidos. Nesse dia, será arrebatado pelos seus inimigos que só esperam
isso para apanhá-lo.
— Como sabe? Quem lhe contou isso?
Elisa viu que Amílcar se aproximara envolvendo Olívia que Imediatamente
respondeu:
— Viemos ajudá-lo. Podemos levá-lo a um hospital onde será tratado.
Precisa curar seus ferimentos.
— Que garantia me dão que não vão prender-me?
— Não vamos prendê-lo. Mas para atendê-lo, você precisa
prometer que vai obedecer o tratamento, cooperando com os médicos e
fazendo o que eles disserem.
— E se eu não quiser?
— Ficará como está. Não temos tempo a perder com quem não quer se
ajudar. É uma chance que você tem. É pegar ou largar.
— Depois poderei voltar aqui?
— Só quando estiver muito melhor. De que lhe adiantaria vir sem estar
curado para começar tudo de novo?
— O que vão querer em troca dessa ajuda?
— Que obedeça a disciplina do hospital.
— Não posso sair daqui. Se eu sair, o Adalberto vai voltar.
— Ele foi ajudado hoje e concordou em deixar Inês em paz.
— Não creio.
— Se for conosco, vamos mostrar-lhe onde e como ele está.
— Vocês têm poder para isso?
— Deus pode tudo. Agora vamos. Quanto antes começar seu tratamento,
melhor.
— Se eu sair, meus amigos serão presos. Nossos inimigos estão esperando do
lado de fora.
— Se eles quiserem ir, poderemos levá-los conosco para nossa colônia, desde
que concordem em atender a disciplina. Garanto que não irão se arrepender.
— Vou perguntar-lhes. — Amaro fez alguns segundos de silêncio, depois
continuou: —
farão qualquer coisa para se livrarem da organização.
— Muito bem. O tempo urge. Vamos embora — disse Olívia.
— Eu vou, Inês. Mas eu volto. Adeus.
Amaro suspirou, estremeceu e abriu os olhos. Olívia deixou-se cair em uma
poltrona olhando admirada para Inês que soluçava.
— Era ele! — disse ela por fim. — Senti que era ele! Meu Deus, ele estava
aqui sangrando o tempo todo e eu nunca vi. Por isso, me sentia tão aflita. Os dois
se foram, o que será de mim agora? Que farei da vida sem eles? Eu quero ir com
ele... quero morrer também...
Olívia levantou-se e, aproximando-se de Inês, disse-lhe com voz
diferenciada:
— Como você é boba! Agora está livre! Deveria festejar, gritar de alegria.
Não sabe do que se livrou. Se eu pudesse estar aí, em seu lugar, com meus filhos,
não ia fazer questão nenhuma daquele meu marido sem-vergonha e traidor. Abra
os olhos, Inês, você tem
dinheiro, tem uma linda casa, dois filhos saudáveis. É moça e bonita. O QUE
está esperando para viver? Ah! Se eu estivesse em seu lugar, que feliz seria!
Todos os dias agradeceria a Deus a bênção da vida! T enxugue suas lágrimas e
de hoje em diante seja você mesma. Faça O QUE lhe dá vontade. Aproveite. É
só o que eu posso dizer.
— Quem é você? — indagou Inês, curiosa. — Parece-me familiar.
— Faz tempo que estou com você. Estava aqui presa, primeiro pelo
Adalberto, depois pelo Carlos. Agora estou livre para ver meus filhos e fazer o
que eu quero. Nunca mais vou me prender. queria lhe dizer que tive muita pena
dos seus sofrimentos. Eu também fui como você, mas aprendi que não vale a
pena. Se quando estava no mundo, eu soubesse o que sei hoje, tudo teria sido
diferente. Agora é muito tarde para mim, mas você ainda está aí, com seus
filhos, tem tempo de recomeçar. Acredite, chorar por um homem desleal e
malvado, é inútil. Você pode viver melhor. Não se acovarde. Antes, agradeça a
Deus por haver se livrado dele.
Amaro aproximou-se de Olívia dizendo com voz suave:
— Agora está tudo bem. Você está livre. Amílcar me disse que veio buscá-la.
— Não posso — respondeu Olívia. — Preciso ver meus filhos. É com eles que quero ficar.
— É impossível. Você precisa refazer-se. Quando estiver bem, poderá visitá-
los, ajudá-
los.
— Eu preciso vê-los! Estou me libertando deles e me tornando prisioneira de
vocês?
— Não se trata disso. Você vai apenas para equilibrar-se. se ficar sozinha,
pode lhe acontecer algo pior. Precisa aprender a proteger-se. Estou informado de
que você tem condições de viver melhor. Se houvesse atendido nosso apelo
tempos atrás, não teria sofrido o que sofreu.
Olívia suspirou enquanto lágrimas desciam pelo seu rosto pálido. Amaro
colocou a mão sobre sua testa dizendo:
— Agora vá. Deixe Olívia em paz. Quando se sentir melhor, poderá voltar.
— Olívia, cuide das crianças por mim! Eu deveria ter ouvido você! Por que
não a escutei? Estou sofrendo muito! Por favor, não deixe outra mulher tomar
conta delas.
Faça isso por mim! Eu lhe peço! Só confio em você!
Olívia tremia como folha sacudida pelo vento. Amaro percebeu que ela
estava no limite de suas forças. Por isso, rezou pedindo A Amílcar que a
socorresse.
Amílcar aproximou-se de Elisa que, abraçada a Olívia, chorava
copiosamente:
— Não faça isso. Você a está perturbando. Se prometer obedecer, levarei
você para ver as crianças.
Imediatamente, Elisa parou de chorar e concordou. Olívia respirou fundo
dizendo:
— Eu vou. Quando puder, voltarei para conversar. Adeus. Olívia tonteou e
teria caído se Amaro não a houvesse amparado, fazendo-a sentar-se no sofá.
Estava gelada e seu corpo estremecia de vez em quando.
— Calma, Olívia. Ela já se foi. Vai passar — disse Amaro enquanto
trabalhava com as mãos, tirando as energias perturbadoras que Olívia absorvera.
Dentro de alguns minutos, ela sentiu-se melhor. Inês trouxe lhe um copo com
água e ela bebeu alguns goles. Depois, olhou para Amaro dizendo aflita:
— Não sei o que aconteceu comigo. Acho que estou misturando as coisas.
Não posso entender. Desde que entrei aqui, me emocionei, senti a presença de
Elisa. Não sou sugestionável. O que aconteceu? Todo tempo eu falava como se
fosse ela! De tanto desejar vê-la, será que eu criei tudo isso? Não foi animismo?
Eu não sou médium!
Amaro olhou-a calmo e respondeu:
— Você é médium. Lembra-se de como se sentiu quando foi ao Centro pela primeira vez? Tenho observado você. Tem muita sensibilidade. Percebe os fatos rapidamente.
— Mas e hoje, o que aconteceu? Foi fantasia minha?
— Não. Por incrível que possa parecer, Elisa estava aqui quando chegamos.
Foi ela quem falou conosco a pouco. Estou certo disso. Eu a vi abraçada a você,
chorando muito.
— Foi por isso que me emocionei tanto quando cheguei. Ela estava aqui!
Disse que era prisioneira. O que estaria fazendo? Por que estava com Inês? Ela
falou como se a conhecesse bem. Quando Elisa era viva, nós não a conhecíamos.
Não posso entender.
— Não posso responder isso. O que sei é que era ela e que falou através de
você o tempo todo. Sou médium consciente. Enquanto Carlos falava através de
mim, não era você quem conversava com ele, era Elisa.
— Por isso, as palavras me vinham com tanta facilidade. Parecia-me vê-lo
sangrando, pálido, sofrendo. Como podia saber o que estava acontecendo com
ele?
— Elisa sabia, e você percebia os pensamentos dela. É
Muito comum. Quando um espírito desencarnado nos envolve, seus
pensamentos
misturam-se aos nossos e fica difícil diferenciá-los. Podemos perceber isso
quando desconhecemos certos fatos e nos diferimos a eles, quando sentimos ou
pensamos coisas que são muito diferentes dos nossos pensamentos habituais.
— Elisa chorava, não estava bem. Tanto tempo depois de sua morte, ainda
sofre?
— Ela amadureceu, tenho certeza. Pelos conselhos que deu a Inês, podemos
perceber como ela se modificou.
— É verdade. Ela pensava muito diferente. É triste descobrir que ela está
sofrendo.
— Não deve levar a sério esse sofrimento. Ela se emocionou vendo-a,
sentindo sua proximidade. Junto a você, deve ter sentido mais saudades dos filhos.
Mas ela concordou em seguir com Amílcar, e esse fato foi o mais importante. Eu
sabia que ela estava revoltada e não queria obedecer as orientações dos espíritos
superiores que pretendiam ajudá-la. O mundo astral é muito perigoso para quem,
sem conhecimento de como ele funciona, resolva enfrentá-lo. principalmente,
pretendendo usar os conceitos que aprendeu no mundo. Cedo descobrirá o quanto
estava despreparado. É o que deve ter acontecido com Elisa.
— E agora, o que acontecerá a ela? — perguntou Olívia.
— Se ela atender a disciplina, melhorará a cada dia e logo estará em
condições de visitar a família, sem perturbar ninguém e até podendo ajudá-los com energias positivas.
— Ela não quer que outra mulher tome conta das crianças. pediu que eu tome conta delas. Senti isso muito forte. Todo desespero dela concentra-se nisso. Acho até que ela já não ama o marido como antes. Senti que ela o despreza.
— É um problema difícil. Com o tempo, ela terá que compreender que não é
dona dos filhos. Eles terão que seguir seu próprio destino e só Deus sabe o que
lhes está reservado. Conheço Eugênio. É um homem romântico, não vai ficar
sozinho o resto da vida. Qualquer dia destes vai se casar de novo. Elisa não
poderá fazer nada.
— Ela pediu para eu tomar conta deles. Eu os quero bem, como se fossem
meus filhos.
Mas você sabe como eu penso. A responsabilidade é do pai. Eu não posso
querer tirá-las dele. Mesmo sendo como ele é, percebi que mudou muito desde
que assumiu as
crianças.
— Eugênio é melhor do que você pensa.
— Ele é seu amigo. Você gosta dele.
— Gosto mesmo. Para ser franco, acho que tudo aconteceu
por causa da sua honestidade. Se ele continuasse enganando Elisa ela nunca
perceberia.
Ele foi sincero, não a amava mais e não desejava enganá-la por mais tempo.
Isso não é defeito. Para mim, chega a ser qualidade. Ninguém manda nos
sentimentos. Você os sente, a a vontade não tem nada com isso.
— É. Pode ser que tenha razão, olhando desse lado. Elisa era muito boba.
Cansei de abrir-lhe os olhos.
— Nenhum homem gosta de ver na esposa apenas a mãe, ele precisa de algo
mais, ele precisa da mulher, do amor.
— Pelo que estou entendendo, o espírito da irmã de Olívia estava aqui em
casa, comigo.
Foi isso? — interveio Inês.
— Sim. Não podemos entender por que, mas a vida tem seus próprios
caminhos —
esclareceu Amaro.
— Pelo jeito, ela sofreu com o marido, tanto quanto eu — continuou Inês,
interessada.
— Muito — respondeu Olívia. — Ela era muito ingênua. Tudo era para ele,
ela se apagava para que ele brilhasse. Cansei de dizer-lhe que estava errada. Ela
não se cuidava, e ele estava sempre bem, até o dia em que fez a mala e lhe disse
que ia embora com outra.
— Você me contou do acidente. Foi por causa dele.
— Foi.
— Ele não teve culpa. Nunca pensou que ela fosse sair feito louca pelas ruas.
Se houve culpa, foi dela — disse Amaro sério.
— Ela estava cega de dor! — tomou Inês. — Se me acontecesse a mesma coisa, nem sei o que teria feito.
— Ninguém é dono de ninguém. As pessoas têm o direito de decidir o próprio
caminho.
Você está iludida. Agarrar-se aos outros, nunca vai dar-lhe felicidade.
— Felicidade! — repetiu Inês com amargura. — Isso não existe. Não faz
parte deste mundo.
— Você está enganada. Felicidade existe e é possível a qualquer pessoa
conquistá-la —
respondeu Amaro.
— Se isso fosse verdade, não haveria tanto sofrimento no mundo — retorquiu
ela.
— É que para ser feliz é preciso encontrar o caminho. Por enquanto, o que
vai pelo mundo só nos mostra que muitos ainda estão dentro de velhos conceitos,
de valores que nunca deram certo e se recusam a deixá-los para tentar algo
melhor. Você se lamenta, mas continua vivendo há várias encarnações, dentro
dos mesmos padrões de
pensamentos. Não percebe que enquanto continuar com as mesmas atitudes,
as mesmas idéias, as mesmas crenças, sua
vida vai continuar igual? — esclareceu Amaro.
— Como ter certeza de que preciso fazer algo diferente? pois, sinto-me fraca,
sem forças. Como enfrentar a vida principalmente agora, sozinha e
desamparada?
—Só você é responsável pelo que lhe acontece. São suas atitudes que
determinam os fatos de sua vida. Se tudo vai mal, se não está feliz, é porque não
tem agido no seu melhor. Não acredita que seja capaz, que tenha capacidade
para viver bem. Isso não é verdade. Todo o poder está dentro de você.
Pendurando-se nos outros, está negando a própria força. Por isso se sente fraca,
mas eu garanto que poderá retomá-la quando quiser. Basta confiar em você.
Prestar atenção e descobrir o que sua alma sente.
Obedecer seus sentimentos, não fazer o que os outros determinam. Além
disso, você não está sozinha nem desamparada. Tem dois filhos e ajuda espiritual.
— Acha que eu seria capaz de conduzir minha vida?
— A sua e a de seus filhos, até que tenham idade suficiente.
— Você diz isso para me animar.
— Engana-se. Se Deus confiou em você deixando duas crianças em suas
mãos, por que eu deveria duvidar? Ele sempre faz tudo certo — concluiu Amaro
com um sorriso.
— É verdade — interveio Olívia. — O mesmo aconteceu com Eugênio. Deus levou Elisa e deixou as crianças nas mãos dele. A princípio duvidei que ele tivesse
condições de fazer isso. Mas, agora, depois de dois anos, devo confessar que ele saiu-se bem. As crianças estão alegres, saudáveis, e ele cuida de tudo. Até Marina, que era tão revoltada, parece que anda às boas com ele. Tenho notado
que ela nunca mais se referiu a ele com raiva e até anda se « chegando mais.
— Eugênio é muito amoroso e adora as crianças. Quando um sentimento é
verdadeiro, tem muita força.
— Se ele se casar novamente, as coisas poderão mudar. As crianças têm
muito ciúme dele. A Lourdes é pessoa agradável e bondosa. O Eugênio tem se
esforçado para que gostem dela, mas tenho observado que a tratam com frieza e
má vontade — tornou Olívia.
Amaro deu de ombros ao dizer:
— Ele tem todo direito de refazer sua vida afetiva. Assim como eles também
um dia escolherão seu próprio caminho. Quando chegar a hora, terão que
compreender.
— Se ele está muito ligado aos filhos, pode resolver não se
casar só para não magoá-los — considerou Inês.
— Eugênio nunca fará isso! — disse Olívia. — Ele abandonou Elisa e fará o
mesmo com os filhos, se encontrar um novo amor. Vocês vão ver.
— Você acha isso errado? — indagou Amaro. — Pensa que ele não deveria
casar-se novamente?
Olívia ficou pensativa durante alguns segundos. Depois disse:
— Seria bem melhor. Casar para quê? Ele pode continuar tendo seus casos
como até agora e não impingir para as crianças uma madrasta.
— Você também tem medo que ele se case?
— Tenho. Quando ele colocar outra mulher dentro de casa, não terei mais
liberdade de cuidar das crianças como até agora. Depois, tenho certeza de que
elas irão se revoltar.
Principalmente Marina.
Amaro olhou-a sério ao dizer:
— Apesar das aventuras e do movimento que Eugênio faz, eu sei que ele
ainda não amou de verdade. Gostava de Elisa, mas amor, mesmo, não foi.
— E a Lourdes? É bonita, e ele na boate parecia muito apaixonado — disse
Olívia.
— Parecia. No domingo, estava inseguro e não sabia o que queria. Não é
amor, não. O
dia em que ele amar de verdade, tenho certeza que se casará e ninguém
conseguirá impedir. Mesmo que você duvide, o Eugênio é sincero.
— Para mim, ele é volúvel. Pula de aventura em aventura. É incapaz de um sentimento verdadeiro.
Amaro meneou a cabeça negativamente:
— É justamente o contrário. Por não gostar de fingir, ele troca de namoradas. O que ele está fazendo são tentativas de encontrar aquela que ele imagina existir em algum lugar.
A princípio se entusiasma, mas com o tempo acaba percebendo que não ama
e desiste.
— Vocês, homens, arrumam desculpas para a leviandade — disse Olívia.
— Meu marido nem isso fazia. Tinha outras mulheres e se orgulhava disso —
tornou Inês, amargurada.
— Vocês estão olhando a superfície. Não conheci seu marido. Não posso
opinar.
Porém, Eugênio eu conheço bem. Somos amigos há muitos anos. Não é
leviano. Vocês estão muito amargas e generalizando. Há homens muito sinceros
e capazes de amar com grande dedicação e sinceridade.
— Se ele casar-se novamente, quem nos garante que um dia não vá fazer o
mesmo que fez com Elisa?
— Você não pode garantir seus sentimentos pelo resto da vida. Você os sente
ou não.
Você muda, as coisas mudam, a vida traça outros rumos para as pessoas.
Nada pára.
Como afirmar que vai amar para sempre? Um relacionamento entre pessoas
que se respeitam, vai gerar amizade que pode estender-se por várias
reencarnações. Mas aquele algo mais que faz o coração bater mais forte, que
coloca magia num simples toque, que enche a vida de beleza e de motivação,
ninguém pode comandar. Quando acontece e encontra reciprocidade, é um
encantamento. Quando acaba, não há nada que se possa fazer, senão dizer adeus.
Insistir, tentar reacender a chama, só vai destruir as boas lembranças que
ficaram. Você, Olívia, já amou alguma vez?
— Não. Pretendo viver em paz. O amor é desgastante.
— Quando acontecer, não poderá controlar — respondeu Amaro sorrindo.
— Qual nada. Não me impressiono nem me envolvo com facilidade. Gosto
de namorar, mas não pretendo ir além. Não quero perder a liberdade. Vocês,
homens, adoram mandar, e eu não gosto de obedecer. Só faço o que sinto
vontade. Desde cedo habituei-me a cuidar da minha vida e tenho me saído muito
bem. Sou independente e não saberia viver de outra forma.
— Não pretende se casar, ter filhos? — indagou Inês, admirada. — Deseja
ficar sozinha pelo resto da vida?
Olívia deu de ombros.
— Nunca rejeito uma boa companhia. Tenho muitos amigos, namoro quando
encontro alguém interessante. Quanto a crianças, tenho os meus sobrinhos. Está muito bom assim. O futuro não me preocupa. Ainda mais agora que Amaro afirma que a vida cuida de tudo para o nosso melhor. O que tiver que ser, será.
Nos olhos de Amaro, havia um brilho indefinível quando ele disse:
— Tem razão, Olívia. O que tiver que ser, será.

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