Olívia chegou em casa apressada. Ficara trabalhando até mais tarde e dentro
de meia hora Amaro passaria para apanhá-la. Estava suada, cansada, resolveu
tomar uma chuveirada. Apesar da rapidez com que ficou no banho, sentiu-se
aliviada. Se não desse tempo para comer alguma coisa, poderia fazê-lo mais
tarde.
Sabia que a porta do Centro se fecharia às vinte horas e quem chegasse
depois ficaria de fora. Ela estava muito interessada naquelas sessões onde
experimentava novas emoções e aprendia coisas novas. Ficava motivada com o
fato de qualquer pessoa poder experimentar suas faculdades mediúnicas, e a
curiosidade de saber onde se situava nesse processo a entusiasmava.
Ela gostava de entender como as coisas aconteciam e nunca se dedicara à
religião por achar que tudo era hipotético e não havia como saber até que ponto o
que eles diziam era verdade. Ler sobre as pesquisas científicas sobre os
fenômenos da mediunidade a interessaram, mas a possibilidade de testar até que
ponto eles eram verdadeiros a fascinava ainda mais. Amaro lhe dissera que ela
podia experimentar.
Desde a primeira noite que fora ao Centro Espírita, começara a sentir
diversas sensações que não entendia, mas que Amaro esclarecia, apontando as
possibilidades, pedindo-lhe que ficasse atenta, observando melhor o que sentia
nesses momentos.
Descobrira coisas interessantes nas quais nunca pensara e a cada dia
motivava-se mais.
Eugênio ouvia-a conversando com Amaro e não entendia como sua cunhada,
sempre tão materialista, tão "durona", se deixara envolver. Ela agora tinha como
certo que Elisa estaria "viva" em algum lugar e tentava comunicar-se. Quando
ele discordava, ela citava alguns fatos como provas, que ele julgava apenas
"coincidências".
Advertia-o que deveria ir ao Centro Espírita e que sua descrença
estava interferindo nos problemas do dia-a-dia. Ele não concordava. Pensava
até que ela, agora, como não tinha mais nada para implicar com ele, tomara isso
como desculpa para criticá-lo.
Olívia acabou de arrumar-se e ainda teve tempo de tomar um copo de leite
para poder agüentar até o jantar, que seria depois da reunião. Desceu para
esperar Amaro no saguão. Ele era pontual e chegou logo depois.
Chegaram ao Centro dez minutos antes da hora. Olívia acomodou-se nas
cadeiras, enquanto Amaro, como sempre, dirigia-se à mesa. Logo após, Marilda
chegou acompanhada por Inês e, vendo Olívia, cumprimentou-a amável.— Sente-se aí, Inês. Como eu lhe disse, não posso ficar a seu lado, preciso
sentar à mesa. — Olhando Olívia, disse com um sorriso: — você ficará em boa
companhia.
Olívia olhou Inês e notando seu abatimento, interessou-se. Sempre quando
estava sentada lá, ficava pensando nos dramas que levam as pessoas a
procurarem o conforto espiritual. Ela mesma fora em busca de alívio para sua
dor. A perda de Elisa a chocara e a orfandade dos sobrinhos a sensibilizava muito.
Por isso, quando Marilda se afastou, ela procurou conversar com Inês:
— Meu nome é Olívia — disse. — Você está doente?
— Estou triste. Meu marido foi assassinado e não consigo aceitar. Tenho
sofrido muito!
Ele era tudo para mim. Não posso viver sem ele. Tenho vontade de morrer.
— Sinto muito... como é seu nome?
— Inês.
— Pois é, Inês, avalio o que está passando. Perdi minha irmã em um
acidente. Ela deixou três filhos pequenos, uma tristeza. Você tem filhos?
— Dois meninos. É o que me segura, porque se não fosse por eles, acabava
com tudo de uma vez.
— Não diga isso! Seus filhos precisam de você. Amãe faz mais falta do que o
pai.
— Eu sei. Mas há momentos em que a saudade aperta e parece que vou
enlouquecer.
— É a primeira vez que vem aqui?
— Aconteça o que acontecer, não se afaste. Aqui encontrei conforto. Nunca
me incomodei com religião nenhuma. Não era descrente, mas não freqüentava
nenhum lugar. Mas saber que a vida continua depois da morte, e que minha irmã
Elisa está viva em algum lugar, na outra dimensão, me conforta. Aqui é o lugar
onde você pode obter essa certeza. Isso fez muito bem ao meu coração saudoso e
aflito.
— Marilda fala isso. Se eu pudesse ter essa certeza...
As luzes diminuíram, e elas se calaram. A reunião ia começar. Depois da
prece, eles abriram ao acaso o Evangelho Segundo o Espiritismo. Algumas
pessoas ao redor da mesa comentaram o tema da noite. Depois, as luzes
apagaram-se, e os médiuns deixaram-se envolver pelos espíritos desencarnados.
A certa altura, um dos médiuns levantou-se, dizendo:
— Vim aqui hoje para falar com minha filha. É urgente. Ela está presente
nesta sala.
O dirigente respondeu com voz calma:
— Você pode dar seu recado. Se ela está presente, vai ouvir.
— Quero ir até onde ela está. Por que me seguram? Desejo abraçá-la, dizer-
lhe que ainda a amo e que estou sofrendo muito com tudo quanto ela está passando.
— Acalme-se. Não é preciso abraçá-la. Você pode, mesmo de onde está,
mandar-lhe vibrações de carinho. Sei que você sabe como fazer isso.
— Eu sei. Mas esta oportunidade é única, preciso aproveitar. É como se eu
ainda estivesse no mundo. Por favor!
— Vou consultar os superiores — respondeu o dirigente. Houve alguns
instantes de silêncio, depois ele continuou:
— Ela ainda não está preparada para isso. Vai confundi-la e emocioná-la
ainda mais.
Você só pode dizer-lhe coisas que a ajudem a recuperar o equilíbrio interior.
Qualquer referência ao assunto que você sabe, não será tolerada. Se tentar, será
afastado.
— Isso é injusto. Ela corre perigo, e eu preciso avisá-la. Aquele infeliz está
interessado em trazê-la para cá de qualquer jeito. Não posso entrar lá, porque ele
tomou conta da casa e está armado. Qualquer tentativa que eu fizer para salvá-la,
ele vai desforrar nela!
Não posso deixar minha filha à mercê daquele malfeitor! Vocês precisam
entender, me ajudar!
— Ela ainda se liga muito a ele. Sua interferência só está piorando a situação.
Por que não confia em Deus e os deixa em paz?
— Confiar?! Deus está muito longe. Ele viu todo o sofrimento dela em todos
os anos de casamento e nunca fez nada para ajudá-la. Se não fosse eu e meus
homens, ele ainda estaria vivo, judiando dela e dos filhos!
— Sua intromissão só prejudicou os dois. Pense nisso. Deixe-os em paz e trate
de cuidar de sua própria vida. Você já está
seriamente comprometido com as leis de Deus e quando menos esperar, tudo
quanto tem feito, voltará sobre você esmagando-o. E, então, haverá pranto e
sofrimento e ninguém poderá fazer nada em seu favor. Acorde enquanto é
tempo! Você pode
começar desde agora um esforço de recuperação interior, dedicando-se a
ajudar as pessoas que tem prejudicado. Essa seria a melhor forma de evitar os
problemas que terá para enfrentar.
— Eu sei o que estou fazendo e não será você, quem irá me dizer como devo
conduzir minha vida. Jamais desistirei. Inês é minha. Sempre foi e nunca será
dele. Não descansarei enquanto não separá-los. É comigo que ela deverá ficar. É
a mim que ela deve amar! Se não fosse por ele, ela estaria comigo até agora!
— Se não quer atender o que estou pedindo, será afastado do caminho dela
por algum tempo.
— Vocês não têm forças para me impedir.
— Esse é um assunto que terá que resolver com nossos superiores. Agora vá, deixe o médium. Sua oportunidade acabou.
Ele ia retrucar, mas de repente o médium suspirou fundo e deixou-se cair na
cadeira, com o corpo sacudido por forte tremor. Depois, abriu os olhos e respirou
fundo, voltando ao estado normal.
Desde que ele começara a falar, Inês fora acometida de forte emoção.
Tremia, chorava, e Olívia tentara acalmá-la, segurando suas mãos geladas e
pedindo-lhe baixinho que rezasse e tivesse confiança em Deus. À medida em que
ele falava, ela ia chorando cada vez mais forte e quando ele disse seu nome, ela
agarrou-se a Olívia, dizendo:
— É meu pai! Ele está aqui. Eu sei que é ele!
— Não chore — disse Olívia sem saber como ajudá-la. — Vamos ouvir o que
ele quer lhe dizer. Preste atenção. Senão vai perder a mensagem.
Essas palavras tiveram o dom de fazê-la controlar-se e ela parou de chorar.
Seu corpo era sacudido por estremecimentos, e Olívia alisava-lhe os cabelos com
carinho, abraçando-a na tentativa de transmitir-lhe conforto.
Quando ele terminou, o dirigente aproximou-se de Inês e tomando sua mão,
conduziu-a a uma cadeira perto da mesa, pedindo a um médium que lhe
aplicasse energias de refazimento.
— Pense em sua casa — pediu ele. — Imagine que Jesus está entrando lá e
abençoando sua família. Ligue-se com Deus, pense no bem.
Inês esforçou-se por obedecer e, aos poucos, enquanto o médium estendia as
mãos aplicando o passe, ela foi se sentindo mais
cerena e relaxada. Chegou a sentir sono e por alguns segundos pareceu-lhe
haver adormecido. Reagiu abrindo os olhos.
Em seguida, foi feita a prece de encerramento e quando as luzes se
acenderam, Olívia levantou-se e foi até Inês, sentando-se a seu lado.
— Está melhor? indagou ela com interesse.
— Estou, obrigada. Desculpe tê-la incomodado. Foi mais forte do que eu. Não
consegui me controlar.
Olívia sorriu.
— Não se preocupe. Também já passei por algo semelhante.
Marilda e Amaro aproximaram-se oferecendo a ambas um pouco de água
energizada.
— Você viu, Marilda! Foi o meu pai quem se comunicou. Eu notei que era ele
logo que começou a falar. Quando ele falou meu nome, não agüentei. Foi uma
emoção muito grande, Tive vontade de levantar e ir abraçá-lo. Mas fiquei
paralisada tamanha a emoção.
— Ainda bem que se conteve. Sua emoção iria dificultar a comunicação. Ele
teria sido levado mais depressa. Nossos mentores dizem que a emoção
descontrolada é muito prejudicial.
— Ele estava desesperado. Sempre foi muito apegado comigo! Quando
estava vivo, não se separava de mim para nada. Foi muito difícil, para ele, aceitar meu casamento.
Odiava meu marido. Eu tinha esperança que com o tempo eles se
entendessem. Mas qual nada. Também, Carlos dava-lhe motivos de sobra para
implicar. Sabe como é, nunca foi um marido bom. Para ele, eu merecia toda
felicidade do mundo, e Carlos tinha muitos problemas. Arranjava mulheres fora,
bebia, era boêmio, ficava na rua até a madrugada.
— Pelo que ele disse, a briga deles continua mesmo depois da morte — disse
Olívia, admirada. — Nunca pensei que isso pudesse acontecer.
— As pessoas não mudam apenas por haverem morrido. Elas continuam as
mesmas, e tanto o amor quanto o ódio que elas guardam no coração,
permanecem.
— Gostaria tanto que eles se entendessem! — tornou Inês com tristeza.
— Eles agora tomaram outro rumo e você precisa esquecer o passado, cuidar
de sua vida, dos seus filhos. Você é jovem e pode ser feliz — garantiu Marilda.
— Para mim, tudo acabou — disse Inês.
— Não diga isso — tornou Amaro. — Amanhã será outro dia. Os que
morreram estão no outro mundo agora. Por muito tempo
você não os verá. Portanto, trate de reagir, pensar em si mesma e em seus
filhos. A vida guarda muitas surpresas e ninguém sabe o que acontecerá amanhã.
Deixe o passado!
Pense no presente, na beleza da vida, no amor dos seus filhos, no quanto ainda
pode fazer neste mundo. E um dia, quando for o momento e chegar a hora de
você morrer, então, pensará como vai lidar com eles. A vida está lhe dando uma
pausa para descansar. Aproveite. Faça alguma coisa por si mesma.
Inês olhava-o admirada.
— Sempre vivi com eles! — disse pensativa. — Primeiro papai, depois
Carlos. Nunca imaginei minha vida sem eles. Estou perdida, não sei o que fazer.
— Está na hora de deixar de ser aquela menina mimada e sem força
nenhuma. Foi para isso que você ficou sozinha. Deus entregou em suas mãos dois
espíritos, porque ele sabe que você tem capacidade de orientá-los melhor do que
seu pai ou seu marido. Em sua família, foi em suas mãos que Deus confiou.
Ouvindo as palavras de Marilda, inês comoveu-se. Nunca havia pensado
nisso.
Realmente, seus filhos estavam em suas mãos. Ela é quem deveria decidir
como educá-
los, orientá-los, prepará-los para a vida. De repente, sentiu-se mais forte. Ela
os amava e sabia que por eles seria capaz de muitas coisas.
Olívia ouvia calada, pensando em seu próprio drama. Deus levara Elisa e
deixara as crianças entregues à responsabilidade de Eugênio. Teria ele melhores
condições de orientá-los do que ela? Essa pergunta começou a incomodá-la. Marilda convidou Inês para ir embora, e Olívia abraçou-a com carinho:
— Cuide-se bem — disse com olhos brilhantes de emoção. — Sua vida é
preciosa para seus filhos!
— Farei o possível! Obrigada por tudo.
— Espero vê-la na semana que vem.
— Virei, se Marilda convidar. Estou me sentindo confortada.
— Viremos, sim — adiantou Marilda com um sorriso, despedindo-se dos
amigos.
Olívia saiu com Amaro para jantar. Sentados à mesa no restaurante, ele
perguntou:
— Você está tão calada! Aconteceu alguma coisa?
— O caso de Inês me emocionou. Fez-me pensar em Elisa e em seus filhos
sem mãe.
— O caso de Elisa é diferente. Eugênio assumiu a família e está fazendo o
que pode.
Está se sensibilizando, descobrindo o prazer da paternidade. As crianças estão
amparadas.
— Inês está desorientada. Mas o sentimento materno é muito forte. Tenho
certeza de que ela vai reagir. O tempo é santo remédio.
— A vida a libertou do cativeiro, e ela sequer percebeu. A dependência cria
laços que obscurecem a visão e deturpam os fatos.
— Pelo que ela disse, seu marido era péssimo, mas ainda assim ela queria
ficar a seu lado. Por que será que as mulheres se tornam tão cegas quando
gostam de alguém?
Amaro sorriu enquanto respondia:
— Não sei. Talvez a educação seja um dos fatores. As meninas são criadas
para obedecer ao pai, ao marido, aos mais velhos. As que não se rebelam
acabam
dependentes e fracas. Esse parece ser o caso de Inês. Contudo, creio que sua
dependência vem de longe. De outras vidas.
— Como sabe?
— Pelo que o espírito do pai dela disse, compreendi que os dois, ele e o genro,
são rivais. Ambos disputam o amor dela.
— Não pode ser! Ele é o pai!
— Foi, nesta encarnação. Houve tempo em que ele foi o amante, o marido.
— Apesar de haver estudado o assunto, certas coisas da reencarnação ainda
confundem minha cabeça. O amor de pai é diferente do amor de marido.
— Quando a paixão é muito forte e carnal, uma encarnação dentro dos
limites da família, como pai e filha, por exemplo, vai contribuir para, aos poucos,
ir modificando esse sentimento, tornando-o mais verdadeiro, mais profundo.
— Que interessante!
— Nesses casos, pode acontecer que desperte entre eles uma atração física mais forte, mas salvo em alguns casos onde os envolvidos são mais primitivos,
eles repelem essas sensações por julgá-las pecaminosas, permitindo-se apenas o
apego e o carinho da companhia constante. É o que me parece ser o caso de
Inês.
— Você lhe disse que Deus confiou-lhe a guarda dos filhos por julgá-la mais
capaz do que o marido para isso. Acha mesmo isso, ou falou para animá-la? Ela
pareceu-me tão frágil, tão perturbada...
— Ela está fora de si. Por viver tanto tempo dependente, mimada pelo pai,
pendurada no marido, perdeu a individualidade. Isto é, não sabe mais do que
gosta nem do que é capaz, não tem vontade própria. O que eu lhe disse é
verdade.
— Dessa forma, como poderá ser apta a cuidar dos filhos?
— A vida sempre sabe o que faz. Deus nunca erra. Tirou
suas muletas. Sozinha, tendo que decidir o que fazer daqui para frente, ela vai
ter que aprender a usar seus próprios recursos. E posso garantir que todas as
pessoas, por mais frágeis que pareçam ser, guardam dentro de si toda força
necessária! Além do mais, como você disse, o amor materno é forte, e esse será
o estímulo para que ela desperte sua força interior.
— Uma coisa me intriga. O Eugênio foi sempre desligado, ausente da
família, desinteressado. Enquanto que Elisa era a mãe por excelência, dedicada,
correta, bondosa. Se o que você disse é verdade, Deus teria confiado mais em
Eugênio do que em Elisa para cuidar das crianças? Não posso aceitar isso!
— Eu logo vi que você tinha alguma coisa quando saímos do Centro. Estava
calada, pensativa!
— Sei que você é amigo do Eugênio, que vê qualidades nele, mas se as
compararmos com as de Elisa, ele perde longe.
, — As pessoas são diferentes, não é justo compará-las.
Uma coisa eu posso afirmar, não há nada errado nesta vida. O que há é
apenas nossa incapacidade de compreender. É difícil saber por que aconteceu
aquele acidente com Elisa. Talvez ela precisasse dessa mudança, para aprender a
lição do desapego e com ele fosse o contrário. Se como diz, ele era desligado,
deveria perceber a beleza da família, do amor filial etc. Aliás, o Eugênio sempre
foi muito carnal. Tenho certeza que o afeto dos filhos está lhe fazendo um bem
enorme.
— Até aí eu concordo. Sua mudança continua me surpreendendo.
— A vida tem suas razões. Elisa, sendo tão apegada e dedicada, talvez
acabasse por superproteger os filhos, mimando-os, tornando-os fracos e
incapazes. Que eu saiba, uma mãe sacrificiosa, que faz tudo sozinha, não dando
espaço a que os filhos errem para aprender, acaba por prejudicá-los.
Olívia mordeu os lábios. Apesar de querer elevar Elisa, reconhecia que ela era assim mesmo e que Amaro tinha razão.
Inês entrou em casa acompanhada de Marilda. Sentia-se mais animada.
Vendo que ela fazia menção de retirar-se, pediu:
— Fique mais um pouco! Sinto-me tão bem a seu lado! Vou pedir a Janete
para fazer um chá.
— Eu já preparei, D. Inês. Deixei até a mesa posta na copa — disse ela, que
acabara de entrar na sala.
Marilda aceitou e as duas sentaram-se para tomar o chá com bolo. Inês
crivara a amiga de perguntas sobre a comunicação do pai. Elisa, que as vira
entrar, aproximara-se interessada.
— Ele disse que eu estou correndo perigo — disse Inês. — Não entendi muito
bem por quê. Quando ele falou que a minha casa estava cheia de malfeitores,
tive muito medo.
Se não fosse aquela moça tão bonita e educada que me confortou nem sei o
que faria.
— A Olívia é muito amiga do Amaro. Ela perdeu a única irmã em um
acidente e sofreu muito com a separação.
— Ela me contou. O pior é que ela deixou três crianças pequenas. Deve ter
sido horrível!
Elisa ouvia emocionada e surpreendida. Estavam falando dela! Então, Olívia
continuava freqüentando aquele Centro que, por coincidência, era o mesmo de
Marilda!
— Ela não perde a esperança de comunicar-se com Elisa — continuou
Marilda
pensativa.
— Eu fui pela primeira vez e meu pai se comunicou, falou até meu nome.
Por que será que ela não consegue?
— Difícil dizer. Sabemos que a vida continua após a morte, que nossos entes
queridos vivem em outro mundo. Algumas vezes conseguimos nos comunicar
com eles, mas ainda estamos longe de conhecer tudo sobre o assunto. O que
tenho observado é que os que morreram, quando conseguem, procuram
comunicar-se com seus familiares.
— Que perigo seria esse que meu pai disse? Será que os ladrões que
assaltaram Carlos pretendem vir aqui? Houve tempo em que eu nem conseguia
dormir de tanto medo.
Parecia mesmo que minha casa estava cheia de bandidos e que eles iam nos
pegar a qualquer momento!
Marilda abanou a cabeça negativamente:
— Não creio que seja isso. O espírito de seu pai estava nervoso e
descontrolado. Talvez tenha se referido à presença de espíritos desencarnados.
Você tem ficado muito envolvida por pensamentos de tristeza, desespero. Sua casa estava cheia de energias negativas, de dor e mágoa. Elas atraem a presença de espíritos infelizes que pensam da mesma forma!
— Que horror! Você já me havia dito. Mas é que de repente eu sinto tanta
tristeza, tanta revolta, tanta dor! Não estou encontrando forças para sair disso.
— Pense que com isso está criando um ambiente perigoso para seus filhos e
reaja. Os espíritos superiores estão cuidando do SEU caso e vão dar-lhe forças
para conseguir melhorar o padrão do seus pensamentos. Mas você precisa
querer. Só quando você quiser fazer isso, é que eles poderão ajudá-la.
— Eu quero, mas não consigo!
— Isso não é verdade. Quando você quer realmente, consegue. É que foi
sempre muito mimada e ainda não se conforma em ter que cuidar de si mesma.
— Está sendo rude. Depois de tudo quanto passei!
Marilda olhou-a firme nos olhos enquanto dizia:
— É verdade. Sua vida tem sido uma tragédia. Agora já chega. Tem
oportunidade de torná-la mais feliz. Seu pai, que lhe tirava a chance de aprender
e de crescer, não está mais aqui. Seu marido, que a agredia moral e até
fisicamente todo tempo, para ver se você reagia, também se foi. Agora você está
só, sem ninguém que faça a parte que lhe compete. Até quando vai chorar, bater
o pé como criança birrenta, porque a vida lhe tirou as muletas, e decidir crescer,
ser gente, aprender como se faz as coisas, assumir a responsabilidade por si e
cuidar dos seus filhos, ajudando-os a crescer?
Inês olhou-a surpreendida. Baixou a cabeça sem encontrar palavras para
responder.
Marilda continuou:
— Alguém precisava dizer-lhe a verdade. Você não é a mulher inútil, fraca,
incapacitada que parece ser. Dentro de você, tem uma alma que deseja
expressar-se, tem uma mãe que ama seus filhos e deseja o melhor para eles,
tem uma mulher jovem e bonita, cheia de qualidades e potencialidades a
desenvolver e que pode fazer na vida algo melhor do que chorar um passado que
não volta mais e um tempo que nunca foi feliz! Agora você é livre! Pode refazer
sua vida como quiser, criar sua felicidade e de sua família, fazer de seus
momentos, algo melhor. Dar graças a Deus, pelas coisas boas que possui.
— Você vê em mim tudo isso? Acredita que eu seja capaz?
— Tenho certeza. O passado morreu, Inês. Está enterrado junto com seus
mortos.
Nunca mais voltará. Mas a vida continua e cada dia pode ser um novo
momento de felicidade. O futuro ainda não aconteceu. Na realidade, você só tem
o momento presente! Por que teima em infelicitá-lo? É difícil esquecer os entes queridos! Nunca vou
conseguir.
— O amor, as lembranças, os momentos bons do passado, podem ser guardados dentro do coração. O que você não pode é usar essas recordações para infelicitar mais sua vida e da sua família. Pense nisso, Inês, e perceba
quanto tempo perdido!
— Você fala de felicidade. Para mim, esse tempo acabou.
— Pois agora é que ele está começando. Se tiver o propósito de reagir, de
enxotar os pensamentos dolorosos e de buscar a alegria, dentro de pouco tempo,
tudo terá mudado em sua vida e na
da sua família. E, dessa forma, terá expulsado do seu lar os espíritos
malfeitores que tanto teme. Eles irão embora por não encontrarem mais
ambiente propício.
Elisa ouvia deliciada, pensando como Marilda era sábia. Se alguém houvesse
lhe falado daquela forma quando ainda estava no mundo, talvez não tivesse
morrido naquele acidente. Para ela, as coisas estavam claras. Por que Inês
teimava em não perceber?
Lembrou-se do conselho de Renata e aproximou-se de Inês, dizendo-lhe ao
ouvido:
— Faça o que ela está dizendo! Você está livre! Ah!... se eu pudesse estar em
seu lugar!
Saberia apreciar cada momento, abraçaria meus filhos, os ajudaria com a
lição, os veria crescer, aprender! Andaria livremente pelas ruas, compraria
lindas roupas, iria aos salões de beleza, aos teatros, procuraria amigos! Você tem
dinheiro! Por que não aproveita sua liberdade? Viva a vida, seja feliz, pense EM
você!
Inês suspirou pensativa depois disse:
— Estou começando a pensar que tem razão. Tenho sofrido muito. Meu pai
era muito bom e dedicado, mas me irritava com seus EXCESSOS. Nunca me
deu liberdade! Quando conheci Carlos, foi um Sacrifício. Ele fez tudo para
impedir nosso casamento.
— Talvez por saber que você não poderia ser feliz com ele.
— Ele não o conhecia ainda. Não podia saber. Depois, ele era ciumento com
tudo e todos. Não gostava nem que eu tivesse amigas.
— Agora você está livre! Pode fazer o que quiser, ir para onde quiser, com
quem quiser.
Já pensou que bom? Para começar, o que gostaria de fazer? Um teatro, uma
viagem...
— Não sei. Primeiro preciso cuidar um pouco da minha aparência. Estou
envelhecida.
— Isso, Inês! Um tratamento de beleza seria ideal. Um bom corte de cabelos,
uma renovação no guarda-roupa. Se quiser, poderei acompanhá-la.
Inês hesitou:
— Não sei... Talvez seja ainda muito cedo... Faz tão pouco tempo que Carlos se foi...
— Ele não voltará mesmo que fique chorando em casa. É preciso reagir,
reconquistar sua saúde, criar um ambiente gostoso para seus filhos. Eles
precisam de um lar feliz.
Você nunca teve chance de cuidar de si, comece agora. Isso far-lhe-á um
bem enorme.
A vida é bela, Inês, está na hora de perceber isso.
Elisa ouvia com satisfação, mas dissimulou porque Carlos
entrou na copa acompanhado por um dos seus homens.
— Eu não disse que ela ia virar a cabeça dela? — dizia ele. — Se você não
reagir, logo sua mulher estará pondo as manguinhas de fora. Vai deixar? E se ela
o expulsar daqui?
— Cale-se — respondeu Carlos, irritado. — Ela nunca fará isso! O que essa
mulherzinha diz não me importa. Eu sei que basta eu abraçá-la, falar de
amor, tudo voltará a ser como antes. Inês é minha, ouviu bem? Ninguém e nada
terá força bastante para separá-la de mim!
O outro meneou a cabeça negativamente:
— Eu estou avisando! Você confia demais. Mulher é volúvel.
Carlos sorriu com superioridade:
— Você não conhece as mulheres! Por isso que a sua o traiu daquela forma!
O outro deu um salto e segurou o braço de Carlos, dizendo colérico:
— Cale a boca. Não admito que ninguém toque nesse assunto! Por causa
disso foi que me meti com a organização.
— E não conseguiu nada, porque sua mulher foi mais forte do que você.
— Se tocar de novo neste assunto, vou-me embora de vez e nunca mais me
verá. Estou aqui, perdendo tempo, enquanto você se acomodou e deixou de lado
nossos planos. Não foi o que combinamos.
— Não gosto de ameaças! Se quer nos deixar, pode ir. Tenho certeza que os
homens da organização que cercam a casa, o prenderão em seguida. Não
percebeu que aqui estamos em segurança? Enquanto estivermos com Inês, o
Adalberto não permitirá nenhum ataque.
— Você disse que não tinha medo dele, que poderia derrotá-lo. Onde está sua
valentia?
Estamos encurralados e você nada faz.
Carlos aproximou-se dele, olhando-o nos olhos ameaçadoramente:
— Não me pressione! Posso ficar nervoso e quando perco a calma, não
respondo por mim. Trate de moderar sua linguagem e de me obedecer. O chefe
ainda sou eu, esqueceu?
O outro baixou a cabeça, e Carlos aproximou-se de Inês, abraçando-a e
dizendo-lhe ao ouvido:
— Você não vai me abandonar! Ficará comigo para sempre! Nós nos
amamos, recorda-se? Sinto falta dos seus beijos, das suas CARÍCIAS, do seu aconchego, você não é nada sem mim. Inês empalideceu
e
baixou a cabeça:
— O que foi? — indagou Marilda.
— Quando você fala, parece que as coisas mudam, mas de repente, sinto
uma tristeza tão grande... começo a me recordar dos beijos de Carlos, dos
momentos de amor que vivemos juntos e sinto que nunca poderei esquecer. Não
me iludo, Marilda. Sei que você quer me ajudar, mas eu sinto que não terei
forças para reagir. É difícil crer que Carlos esteja morto. Para mim, ele continua
vivo, eu posso sentir sua presença, seu rosto perto do meu, seus braços em volta
do meu corpo! Sei que é ilusão, mas ele ainda está vivo dentro de mim.
Marilda olhou-a penalizada, mas procurou sorrir confiante.
— Até certo ponto, isso é natural. Vamos ser pacientes. O tempo é um santo
remédio. Amanhã será outro dia. Agora, preciso ir.
Marilda despediu-se, e Elisa viu com tristeza o olhar desafiador de Carlos
para o companheiro, seu sorriso irônico enquanto dizia:
— Eu não disse? Tudo continua como sempre. Eu sei como fazer Isso!
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A VERDADE DE CADA UM
SpiritualEste livro trata-se de um romance espírita. Eu estava lendo e particularmente estou adorando o livro. Na história Elisa é casada com Geninho e eles tem 3 filhos. Um dia Geninho aparece em casa e diz que está indo embora e que não a ama mais. Porém...