Elisa levantou-se e dirigiu-se à janela abrindo-A. O sol entrou invadindo o
quarto simples, mas confortável. O dia estava lindo, porém ela não prestou
atenção, imersa em seus pensamentos íntimos. Que horas seriam? Percorreu o
olhar pelo aposento E pensou: estava sozinha. O que seria dela dali para frente?
Como suportar a vida longe dos que amava?
Na noite anterior, Amílcar incumbira Renata de acompanhá-la até sua antiga
casa para ver os filhos. Enquanto se dirigiam para lá, Renata dissera:
— Você está emocionada, mas precisa dominar-se para não perturbar as
crianças.
Lembre-se que essa é a condição para que possa voltar a vê-los sempre que
quiser.
— É verdade mesmo? Poderei vê-los sempre?
— Poderá, desde que sua presença não lhes cause problemas.
— Eu nunca faria nada que os perturbasse.
— Voluntariamente, não. Mas se não dominar suas emoções, é isso que vai
acontecer.
— Estou saudosa. Sinto vontade de abraçá-los, beijá-los. Não poderei fazer
isso?
— Pode, desde que não misture sentimentos negativos. Só alegria, amor,
felicidade.
Não é isso o que deseja para eles?
— É. Farei tudo para vê-los felizes.
— Então comece agora.
Entraram. Passava das onze e as crianças dormiam tranqüilas. Eugênio,
acordado, lia sentado na poltrona da sala. Vendo-o, Elisa fez um gesto de
contrariedade. Renata observou:
— Controle-se. Não se deixe dominar por seus sentimentos passados.
— É difícil não lembrar — respondeu ela, triste.
— Faça um esforço. Um dia compreenderá que tudo aconteceu da melhor
maneira.
— Depois de tanto tempo, ainda dói.
— Eu sei. Mas perdoe. Esqueça. Você agora está começando uma vida nova.
Deixe o passado ir embora e junto com ele, as mágoas e as tristezas.
Elisa suspirou, ficou pensativa durante alguns segundos depois disse:
— Tem razão. Pensei que houvesse esquecido tudo.
— Em suas condições, reencontrar o passado ajuda a repensar e a ver os
fatos de uma maneira renovada. Aproveite. Limpe sua alma de qualquer sentimento de revolta.
Entregue todos seus problemas nas mãos de Deus. Lembre-se que toda a
mágoa que cultivar no coração machucará apenas a você, impedindo-a de
encontrar a felicidade.
Liberte-se dela!
— Tem razão. Depois do que me aconteceu, só tenho me machucado
inutilmente. Por causa da minha raiva foi que me meti naquela confusão. Muitas
vezes me arrependi de não haver escutado vocês.
— Ainda bem que compreendeu. Vamos ver as crianças. Uma vez no quarto,
Elisa aproximou-se de cada uma, contemplando-as com amor, beijando-as com
carinho.
— Elas são todo meu tesouro — disse.
— Elas são espíritos livres, antes de tudo — considerou Renata. — Não se
esqueça disso.
Elisa, embevecida, não se cansava de contemplá-los.
— Veja como estão crescidos! Até Nelinha está grande! Meu Deus! O que eu
não daria para poder estar no mundo, vivendo ao lado deles!
— É preciso conformar-se, Elisa. A vida age sempre pelo melhor. Agora
temos que ir.
— Quanto tempo ficarei impedida de vir vê-los?
— Não sei. Vai depender de você. Se continuar como até aqui, não vai
demorar.
— Eles estão adormecidos. Onde estarão seus espíritos? Uma vez, você levou
Nelinha para ver-me. Gostaria de poder encontrá-los, falar com eles.
— No momento não é possível. Eles estão em um lugar de recreação astral.
Sentem muito sua falta e, por isso, muitas noites são levados para lá a fim de
renovar energias.
— Quando eu estiver melhor, poderão vir ver-me?
— De vez em quando, sim. Tudo vai depender de como eles vão reagir à sua
presença.
Como são pequenos, poderão apegar-se,
o que não seria conveniente. Para você, é tempo de viver aqui no astral. Para
eles, é tempo de viver na Terra. Tudo anda melhor quando obedecemos os ciclos
da natureza.
Elisa permaneceu mais alguns minutos junto aos filhos, beijando-os
novamente e concordou em ir embora. Lutou com as lágrimas, mas, no fim, elas
correram por suas faces, e ela procurou desculpar-se:
— Sinto muito. Não queria chorar. Renata abraçou-a:
— Você é valente. Vai conseguir.
Elisa procurou sorrir e abraçadas, as duas deixaram a casa. Uma vez fora,
Renata passou o braço na cintura dela dizendo:
— Vamos viajar acima da faixa da organização dos justiceiros, para evitar encontros desagradáveis.
Elisa olhou-a admirada:
— Você pode fazer isso?
— Nós podemos. Vamos.
Elisa sentiu-se impulsionada para o alto e maravilhou-se com a leveza que
sentia. À
medida em que subiam, o céu ia ficando mais claro e a noite mais estrelada e
bonita.
Passaram por campos, montanhas, e Elisa encantava-se olhando as cidades
terrenas lá em baixo, que iam ficando cada vez mais distantes.
Por fim chegaram a uma muralha cujo comprimento se perdia na escuridão
da noite, e Elisa não pôde precisar. Pararam frente a um enorme portão, e
Renata acionou um pequeno aparelho que trazia à cintura. Uma voz fez-se ouvir,
perguntando quem era.
Renata deu o nome e um código, e logo um espaço se abriu na lateral do
portão.
Entraram em um enorme jardim, cortado por ruas largas fartamente
iluminadas. Elisa surpreendeu-se com o movimento de pessoas que circulavam,
apesar do adiantado da hora.
Renata sorriu e explicou:
— Aqui não precisamos dormir tantas horas como na Terra. Podemos
aproveitar melhor o tempo.
— As pessoas têm aparência alegre, agradável, muito diferente das que havia
na organização... — Elisa calou-se embaraçada.
— É isso mesmo. O nível aqui é melhor. Amaioria superou aquela fase. Vou
levar você para seus aposentos. Precisa descansar, refazer-se. Amanhã será
outro dia. Você vai começar uma nova vida!
Elisa, emocionada, entrou com ela em um belíssimo prédio, onde a
apresentou a uma atendente que abraçou-a dizendo:
— Seja bem-vinda. Meu nome é Wanda.
Depois de despedir-se de Renata, Wanda conduziu Elisa no segundo andar,
abrindo a porta do quarto e dizendo:
— Sobre o toucador tem alguns produtos aromáticos, as indicações estão no
rótulo.
Sobre a mesa, há sucos e algumas frutas. Tudo que está aqui pode ser
consumido, utilizado. Foram preparados para você. Não deixe de utilizá-los.
Aproveite para descansar. Durma bem.
Quando ela se foi, Elisa olhou curiosa para o aposento onde havia alguns
móveis muito parecidos com os da Terra, em estilo clássico do começo do século. Aproximou-se do guarda-roupa e olhou-se no enorme espelho oval da porta.
Assustou-se com sua aparência. Estava magra, abatida, cabelos em
desalinho, o vestido roto. Gostaria de tomar um banho, mas como, se ali não
havia banheiro nem chuveiro?
Aproximou-se do toucador e apanhou um frasco cheio de um líquido cor de
cenoura. No rótulo leu "Creme restaurador", utilizar depois da limpeza, aplicando
de forma circular.
Havia vários, cada um de uma cor. Ela os leu e depois resolveu experimentar.
Tirou o velho vestido e abriu o frasco azul que era indicado para usar primeiro.
Foi passando no corpo e logo uma sensação agradável de frescura a envolveu.
Seguindo a indicação, esperou alguns instantes e aplicou o creme restaurador.
Imediatamente sentiu forte sensação de calor e de bem-estar. Escovou os
cabelos, pulverizando neles os frascos conforme indicação. Depois disso, sentiu-
se bem como há muitos anos não se sentia.
Abriu o guarda-roupa e tirou uma túnica verde claro, de tecido leve e macio
que a encantou.
Sentou-se à mesa e ficou indecisa diante dos três frascos de suco. Cada um
era de uma cor. Escolheu o laranja e o experimentou. Era grosso, mas ao mesmo
tempo, leve. Tinha o cheiro de uma fruta que ela não conseguiu identificar e o
gosto muito agradável.
Tomou tudo. Depois, sentiu-se relaxada e confortável. Há quanto tempo não
conseguia dormir? Deitou-se na cama macia que pareceu abraçá-la
delicadamente, provocando um sono irresistível.
Olhando o sol pela janela, concluiu que deveria ser muito tarde. Por que
dormira tanto?
O que deveria fazer agora? Como proceder naquele primeiro dia?
Alguém bateu levemente e Elisa foi abrir.
— Bom dia, Elisa. Meu nome é Vera. Dormiu bem?
— Muito bem. Fazia muito tempo que eu não dormia tanto. Entre, por favor.
— Parece estar muito bem — respondeu Vera entrando e sentando-se na
poltrona.
Ansiosa por conversar, Elisa sentou-se na outra poltrona ao lado dela e
continuou:
— Estou só. Não sei o que fazer. Sinto-me ansiosa. Sei que vocês são muito
bons, mas eu tenho medo de não fazer bem minha parte. Sinto-me insegura.
— É natural. Logo conhecerá pessoas, fará amigos, se sentirá à vontade.
— Estou me sentindo muito sozinha. Deixei toda minha família.
— A solidão tem um recado: está na hora de ficar com você. De se conhecer
e de aprender a cuidar de si. É para isso que ela aparece.
— Mas é triste e dói muito. Sempre coloquei os outros em primeiro lugar. Fui dedicada e amorosa. Apesar disso, fui rejeitada e atirada a esta solidão. Isso não é justo.
— Você se abandonou durante muito tempo.
— Cumpri meus deveres de mulher e mãe!
— Não cumpriu o dever mais importante que era cuidar de você! Não
construiu sua felicidade interior, não alimentou seu espírito. Projetou-se nos
outros, colocou sua felicidade nas mãos deles e quando eles não assumiram essa
posição, você revoltou-se.
Com a revolta, provocou o acidente que a vitimou.
Elisa sentiu que as lágrimas desciam pelo seu rosto enquanto dizia:
— Eu fiz tudo por ele e por nossos filhos. O dever dele era fazer o mesmo por
mim.
— Ele não é você. Tem sua própria maneira de sentir e de pensar. Querer que
os outros façam isto ou aquilo é uma ilusão que continua infelicitando as pessoas.
Para ser feliz e viver bem em qualquer lugar, mesmo aqui, é preciso aprender a
respeitar o espaço de cada um. A liberdade de pensar e de ser é que permite às
pessoas serem mais verdadeiras.
— Quisera pensar como você. Mas não consigo.
— Você não quer deixar de lado as velhas ilusões. Um dia descobrirá o
quanto elas complicaram sua vida.
— Tem razão. O amor não existe. A sinceridade é ilusão. Os homens são
hipócritas e malvados. Nunca mais vou amar ninguém.
Vera sorriu:
— Não seja tão amarga, Elisa. Tudo passa e tudo muda. Seu dia chegará.
Daqui meia hora você tem uma entrevista com o diretor desse andar — disse
Vera levantando-se. —
Está precisando
de alguma coisa? Tudo que quiser, pode falar comigo. Estou aqui para ajudá-
la. Está vendo esse aparelho ao lado da cama? O botão cinco é o meu. Durante o
dia, sou eu, à noite é a Wanda. Elisa levantou-se dizendo:
— Eu preciso saber como as pessoas vivem aqui. Isto é, as roupas, como eu
faço para me apresentar ao diretor.
— No armário tem algumas roupas. Aqui as pessoas são livres e vestem-se
como gostam. Os funcionários colocam uniformes. Conforme a cor é a função.
Você pode se vestir como quiser. Virei buscá-la dentro de meia hora.
Depois que ela se foi, Elisa abriu o guarda-roupa e procurou o que vestir.
Estava indecisa. Preferia que Vera houvesse sugerido alguma coisa. Ela nunca
sabia o que seria oportuno. Quando na Terra, se habituara a perguntar tudo a
Òlívia. Era ela quem lhe dizia o que ficava bom, o que era mais adequado para
esta ou aquela ocasião. Agora tinha que escolher.
Experimentou várias sem se decidir. Tudo lhe parecia inadequado. O tempo passava, e ela acabou vestindo qualquer uma. Olhou-se no espelho e viu que estava com melhor aparência. O repouso fizera-lhe bem. Já não estava tão abatida.
Vera chegou logo depois e conduziu-a ao andar superior, fazendo-a entrar em
uma sala clara e agradável.
— Sente-se, Elisa.
Depois de acomodar-se, ela não conteve a curiosidade:
— Vou falar com o chefe?
— Vai falar com o assistente do coordenador deste andar. A porta abriu-se, e
Elisa foi convidada a entrar por um
moço de fisionomia agradável, olhos de um azul muito límpido que a fixaram
atenciosos.
— Entre, Elisa. Meu nome é Vítor — disse ele indicando-lhe uma poltrona
para que ela se sentasse. Quando a viu acomodada, sentou-se por sua vez
continuando: — desejo dar-lhe as boas-vindas. Sei que chegou ontem e estou à
sua disposição para esclarecer suas dúvidas.
Ela, que a princípio estava nervosa, sentiu-se mais à vontade diante da atitude
dele.
Confidenciou:
— Sinto-me muito só. É a primeira vez que deixo minha família. Não
conheço ninguém aqui. Não me leve a mal, tenho sido tratada com muita
consideração, mas estou angustiada, sem rumo. Não sei o que fazer aqui nem
qual será meu destino daqui para frente. Não estava preparada para o que
aconteceu. Morri em um acidente.
Os olhos dele fixos nela pareciam penetrar o mais íntimo dos seus
pensamentos. Ficou calado durante alguns segundos, depois disse:
— Nossa comunidade é um lugar de recuperação. Aqui, você vai rever sua
última encarnação, estudar suas atitudes, descobrir como atraiu as experiências
de sua vida.
— Como eu atraí?
— Sim. O que lhe aconteceu foi o resultado das suas atitudes. Os
acontecimentos de sua vida foram provocados por você.
Elisa meneou a cabeça negativamente:
— Não posso concordar. E o que os outros nos fazem? Quem criou os
problemas foi meu marido. E eles afetaram toda a vida da nossa família.
— Está querendo dividir a responsabilidade com ele, quando ela é só sua.
Elisa levantou-se indignada:
— Está querendo dizer que fui a culpada do que aconteceu?
— Não se trata de culpar ninguém. Um dia vai perceber que foi sua forma de
agir que a trouxe aqui. Está na hora de crescer, Elisa. De descobrir quem é você, do que gosta. De testar a própria capacidade e perceber o que já pode fazer de bom. Você tem uma bagagem muito boa de experiências conseguidas em outras
vidas, que podem dar-lhe mais felicidade e alegria.
Elisa deixou-se cair na poltrona dizendo desanimada:
— Vocês falam de outras vidas, mas eu não me recordo de nada. Custo a crer
que tenham existido.
— Estão bloqueadas por enquanto. Seu estágio aqui será temporário. Digamos
que será como uma estação de tratamento. Quando estiver pronta, poderá
mudar-se para sua cidade de origem.
— Voltarei para a Terra?
— Não foi isso que eu quis dizer. Irá para a cidade onde vivia antes de
reencarnar. Lá é seu lugar de origem. É o lugar que lhe pertence por nível de
evolução.
Ela remexeu-se na cadeira inquieta:
— Quer dizer que não ficarei aqui?
— Ficará durante algum tempo. O bastante para aprender o que nós lhe
podemos oferecer. Depois irá para o seu mundo. Garanto-lhe que ficará muito
feliz quando isso acontecer. Lá, encontrará as pessoas com as quais se afina e isso
lhe dará uma gostosa sensação de bem-estar.
— Poderei ver minha família na Terra?
— Poderá. Em nossa comunidade, você tem todos os recursos que necessita
para melhorar suas condições. Vou dar-lhe uma lista de cursos que já poderá
fazer.
Elisa apanhou a lista que ele lhe oferecia e perguntou:
— Qual me aconselha fazer primeiro?
— É você quem vai escolher.
— É difícil para mim. Não sei escolher...
— Leia os nomes com atenção. O que lhe parecer mais atraente, faça.
— Bem que você poderia me indicar um.
— Em nossa comunidade, respeitamos a vontade de cada um. Você é dona
da sua vida.
Tem todo direito de escolher o que quer fazer. Tenho certeza de que escolherá
o melhor.
Tem capacidade para fazer isso.
Elisa levantou a cabeça surpreendida. O tom convicto dele a impedia de
retrucar. Teria ouvido bem? Apesar do que fizera, ele confiava nela?
— Tentarei — disse. Ele levantou-se:
— Está bem. Tem os horários. Vera lhe dará as informações sobre nossas
atividades de lazer e a apresentará a outros moradores — estendeu a mão para ela — desejo-lhe muitas alegrias em sua estadia conosco e muito progresso. Felicidades.
Elisa apertou a mão que ele lhe estendera e retirou-se. Vera a esperava do lado de fora.
— Como se sente? — indagou.
— Bem. Embora ele tenha dito coisas com as quais não concordei muito.
Vera sorriu dizendo:
— Vítor possui um senso de realidade muito desenvolvido. Melhor seria que
você pensasse bem em tudo quanto ele lhe disse. Posso garantir que ele sabe o
que está dizendo.
Elisa meneou a cabeça :
— Não sei, não. Os homens, em qualquer lugar, gostam de se proteger uns
aos outros.
Ele quis convencer-me de que só eu fui responsável pelo que me aconteceu.
Posso ter sido imprudente, mas o Eugênio foi quem criou todo problema. Amaior
culpa é dele!
— Quando conhecer melhor o Vítor, saberá que ele nunca protegeria nem
favoreceria ninguém. Lembre-se de que você não está mais vivendo na Terra,
onde as pessoas dissimulam e agem de acordo com os próprios interesses. Aqui,
cada um aparece como é, não há como mentir, nem encobrir seus sentimentos.
Todos os cargos
em nossa comunidade obedecem à hierarquia espiritual, ao nível do
conhecimento e capacidade de cada um. Sãos escolhidos pelos espíritos
superiores. Presto serviços aqui há longo tempo e nunca os vi errar. Se não
concorda com ele, seria aconselhável pensar melhor, rever os fatos e descobrir o
porquê das palavras dele. Poupara tempo trabalho.
— Vou tentar. Quanto aos cursos, não sei qual escolher... Ele me deu uma
lista...
— Ótimo. É sinal de que você já está madura para entender muitas coisas.
Há pessoas que passam por vários tratamentos antes de iniciar qualquer tipo de
atividade educacional.
— Ele disse que eu tinha capacidade de escolher — tornou Elisa com certa
satisfação.
— Tenho certeza que sim. Fico feliz por você!
— Em todo caso, não poderia me ajudar nisso?
— Só você tem condições de sentir o que lhe seria útil agora. Todos esses são
indicados para você.
Elisa abriu a lista e passou os olhos pelos títulos: — Tenho me sentido muito só.
Talvez, esse que ensina a vencer a solidão seja bom.
— Equilibrar emoções é fundamental.
— É difícil para mim ficar longe dos meus filhos.
— Você tem familiares que já regressaram ao astral. Por que não tenta
encontrá-los?
— Gostaria de saber onde estão meus pais. Eles morreram quando eu era
adolescente.
Mas não sei como fazer isso. Pelo que percebi, aqui não se pode ir para onde quiser.
Mesmo que pudesse, depois do que me aconteceu, não teria coragem para
me aventurar.
O mundo astral me parece mais perigoso do que a Terra.
— Nas dimensões muito próximas à crosta terrestre, há espaços ocupados por
espíritos mais primitivos. Circular por esses lugares sem conhecimento, pode
acarretar sérios problemas. Mas, você pode recorrer aos nossos arquivos e tentar
localizar as pessoas que deseja encontrar.
O rosto de Elisa distendeu-se radiante.
— Verdade? Posso descobrir onde está minha mãe?
— Pode. Dependendo de como e onde se encontra, poderá até estabelecer
contato.
— Eu quero. Você me ajuda?
— Claro. Vamos até lá.
Vera conduziu-a a um outro prédio, onde Elisa preencheu uma ficha com os
dados dos pais.
— Vamos investigar e lhe daremos uma resposta — disse-lhe a atendente.
— Posso esperar aqui? — indagou Elisa, ansiosa.
— Pode passar amanhã e lhe darei resposta. A lista de solicitações é grande.
— Está bem. Virei.
Saíram e Vera levou-a conhecer outros departamentos da comunidade. Elisa
se admirava com a organização e a beleza dos lugares, onde tudo parecia
funcionar muito bem. Andando pelos jardins floridos, Elisa não se conteve:
— Parece impossível que eu esteja andando em um jardim fora da Terra.
— Do que se admira? O universo é dividido em faixas diferenciadas de
energias e cada uma delas é sólida para os seres que as habitam. Tudo é relativo.
A Terra só é sólida para os que têm um corpo de carne. Para nós, é gasosa e
inconsistente.
— Isso também me intriga. Atravessar as paredes das casas na Terra ainda
me assusta.
Fiz isso com facilidade.
Vera sorriu dizendo:
— Espiar a vida das pessoas nunca dá bons resultados.
— Concordo. Para mim até que foi bom. Pelo menos fiquei conhecendo
melhor meu marido. Percebi o quanto estava iludida. Vendo como ele é, perdi
todo o interesse. Não o amo mais. Acho que nunca o amei.
— Nesse caso, pode esquecer e deixá-lo seguir seu caminho.
— isso não. E as crianças? Deixá-lo casar de novo e arranjar uma madrasta para elas?
— As crianças necessitam de alguém que tome conta delas. Já que você está impossibilitada, outra terá que fazer isso.
— Não concordo. Uma madrasta não seria como eu. Não teria paciência
com elas.
— Você está sendo preconceituosa. Ele poderá encontrar uma mulher
dedicada e bondosa que ame seus filhos de verdade.
— Não creio. A única mulher que poderia tomar conta deles é minha irmã,
Olívia. Ela, tenho certeza de que seria melhor do que eu. Mas, ela recusou-se a
assumir as crianças, dizendo que o dever é do pai. Ela está certa.
— Você prefere que elas fiquem com uma criada, do que com uma pessoa
que tenha mais envolvimento e interesse na felicidade delas?
— Preferia estar lá, com elas.
— Não seja criança, Elisa. Sabe que isso é impossível.
— Sei. Mas é isso que eu gostaria.
— Se sua irmã se casasse com Eugênio, seria perfeito. Elisa olhou-a
incrédula e deu uma gargalhada:
— Olívia! Ela nunca faria isso. Não gostava do Eugênio. Vivia dizendo que ele
era falso e que eu era uma boba.
— As pessoas podem mudar.
— Olívia, não. Isso seria desejar o impossível. Vera sorriu.
— Com relação às suas vidas passadas, você não se recorda de nada?
— Nada. O Vítor mencionou isso, mas custo a crer que tenha vivido outras
vidas.
— O clima aqui é favorável para despertar essas reminiscências.
— Se vivi outras vidas, gostaria muito de me lembrar delas. Havia nos olhos
de Vera uma expressão indefinível quando disse:
— Isso pode acontecer mais depressa do que imagina! Elisa sentiu ligeiro
sobressalto e uma sensação de medo,
mas apesar do inexplicável receio que sentia, foi dominada por uma forte
curiosidade que a fez dizer:
— Gostaria que fosse hoje. Quando será que vai acontecer?
Vera não respondeu. Deu de ombros e sorriu. As duas continuaram andando
silenciosas, cada uma imersa nos próprios pensamentos.
Na porta do quarto de Elisa, elas pararam. Vera disse:
— A noite temos várias atividades interessantes na comunidade. Se quiser sair
um pouco, teremos prazer em acompanhá-la. Basta chamar.
— Está certo.
Elisa entrou e sentou-se na cama pensativa. Sentia-se só. Estava no meio de
pessoas desconhecidas. Não negava que eram agradáveis, mas ela sentia
saudades da família e de sua vida na Terra.
Sentiu fome. Sobre a mesa havia uma jarra de suco cor de laranja e uma
bandeja com alguns pães. Apanhou um e experimentou. Estava delicioso. Tomou um copo do suco que era espesso e meio adocicado, e ela não pôde precisar de que fruta seria.
Sentindo-se alimentada, estendeu-se no leito. Mesmo sabendo que sua
situação era irreversível, ela pensava na alegria que
teria se pudesse voltar a viver no mundo junto com os filhos. Isso era
impossível! Por que lhe acontecera aquele acidente, por quê? Lágrimas desciam
pelo seu rosto, e ela deixou-as correr livremente. Começou a recordar do seu
casamento, do namoro e da infância. À medida que recordava, viu-se deitada no
berço, vislumbrou o rosto de sua mãe inclinado sobre ela com carinho. Ela era
ainda bebê, como poderia lembrar-se?
Depois viu a mãe grávida e feliz, conversando com o pai, da sua alegria em
esperar o primeiro filho. Percebeu que ela era essa criança. Sentiu-se envolvida
por um torpor que a deixava prostrada, mas, ao mesmo tempo, sentia aumentar
sua lucidez. Uma mulher jovem estava em sua frente e ela reconheceu: essa sou
eu!! Sua aparência era diferente dela, mas era ela! Tinha certeza.
Quis gritar, mas não conseguiu. Que estranho fenômeno estava acontecendo
com ela?
Esforçou-se por perceber mais. Fixando melhor o olhar sobre ela, percebeu
que estava em uma sala e havia um homem moço, de boa aparência, sentado no
sofá. Embora ele fosse diferente, ela reconheceu:
— É o Eugênio! Sou eu e ele! Mas quando? Por que estamos diferentes do
que somos?
Notou que as roupas eram antigas, assim como a decoração da sala. Viu a
moça aproximar-se dele, sentando-se a seu lado e dizendo com voz triste:
— Chamei-o aqui, porque não suporto mais viver sem seu amor! Desde que
nos
conhecemos, não tenho paz. Sonho com você, vejo-o por toda parte! Sei que
é impossível ficarmos juntos! Por isso, quero me despedir. Vou desaparecer.
Nunca mais me verá!
Ele levantou-se emocionado:
— Por favor! Não faça isso! Eu gosto de você.
— Mas você é casado, tem filhos! Nunca poderemos viver juntos!
Ela começou a chorar, e ele segurou suas mãos forçando-a a levantar-se.
— Não chore! — disse.
Ela soluçava mais e mais. Ele abraçou-a e beijou-a com carinho. Elisa sentiu
toda emoção daquele beijo. Essa cena desapareceu e ela suspirou aflita. Sabia
que já havia vivenciado aquela situação, mas não podia precisar onde. Logo
após, ela viu a moça um pouco mais madura, em outro local, mais amplo e
luxuoso. Estava raivosa e
descontrolada. A porta abriu-se e o mesmo moço, um pouco mais velho,
entrou. Ela foi logo dizendo com raiva:
— Você me abandona por causa dela! Quando vai resolver nossa vida? Tenho dedicado a você a minha mocidade, feito tudo para que
seja feliz.
Tenho sentido que você não me ama mais.
— Não se trata disso. Você sabe que tenho responsabilidade com minha
família. Meus filhos precisam de mim. Devo acompanhar as meninas em
sociedade.
— É mentira! Você não me quer mais!
— Na verdade, acho que já prejudiquei sua vida demais. Você está livre.
Dar-lhe-ei, além desta casa que passarei em seu nome, uma importância
suficiente para manter uma boa renda enquanto você viver.
Ela empalideceu, suplicou, pediu para que ele não a abandonasse. Ao que ele
respondeu triste:
— É inútil continuar com isto, Maria Clara. Estou começando a envelhecer e
a ficar cansado. Pretendo terminar meus dias ao lado da minha família e em paz.
— Você me traiu! Não posso aceitar!
— Você sabia que eu era casado e tinha família! Nunca lhe prometi que os
abandonaria.
— Mas eu dediquei toda minha vida a você e esperava que fizesse isso!
— Estava enganada. Não vamos mais prolongar essa cena desagradável.
Amanhã, meu procurador tratará dos papéis. Entre nós, tudo terminou!
— Não é possível! Não posso aceitar que você não me ame!
— Eu gosto de você. Mas amo minha família. Sinto muito, Maria Clara, mas
acabou.
Enquanto ele saía, ela, revoltada, atirava-se no sofá esmurrando-o com força
e dizendo:
— Você vai me pagar! Você vai ver!
A cena desapareceu, e Elisa ainda sentia a dor e a revolta dentro de si. Era
como se tudo estivesse acontecendo com ela naquela hora.
Em seguida, viu novamente Maria Clara escrevendo uma carta e mandando
um portador entregar. Depois, enquanto andava na sala de um lado a outro, a
porta abriu-se e apareceu uma mulher. Elisa estremeceu. Era Olívia! Estava
diferente, chamava-se Hortência, mas ela tinha a certeza de que era Olívia!
Ela entrou e cumprimentou Maria Clara e sentou-se na poltrona que lhe foi
oferecida:
— Mandou me chamar para resolver um assunto do meu interesse. Do que se
trata?
— O que tenho a lhe dizer é sumamente desagradável, mas não posso
guardar esse segredo por mais tempo!
— Um segredo? Tem a ver comigo?
Maria Clara hesitou, olhou-a com tristeza, depois disse:
— Tem. Mas não sei se devo... Essa atitude quem deveria tomar era o Mário. Ele está sofrendo muito. Sei que é incapaz de contar-lhe a verdade para não
magoá-la! Prefere sacrificar-se pelo resto da vida!
A outra empalideceu, levantou-se perguntando:
— Como disse? Do que está falando? Que sacrifício é esse?
Maria Clara suspirou com tristeza dizendo:
— Há muitos anos que nós nos amamos. Ele sonha em viver a meu lado para
sempre, mas continua a seu lado por causa dos filhos. Ainda ontem ele chorou
aqui em meus braços. Não acho justo! Depois de pensar muito, achei que era o
momento de colocá-la a par da realidade. Ele nunca teria coragem de confessar
seus verdadeiros sentimentos!
— Você está mentindo! — murmurou ela, pálida, deixando-se cair
novamente na poltrona. — Não acredito em nada do que disse!
— Posso provar.
Ela foi até uma pequena escrivaninha e tirou uma caixa com algumas fotos e
cartas colocando-a nas mãos da rival que, trêmula, manuseou tudo e levantou-se
nervosa dizendo:
— Seus traidores! Todos esses anos fui enganada! Preciso sair daqui. Faça o
favor de abrir a porta!
Ela saiu rapidamente enquanto Maria Clara, satisfeita, disse em voz alta:
— Estou vingada. Ele vai receber o troco!
A cena desapareceu e Elisa sentia-se sufocar de aflição. Sentou-se na cama
agoniada.
Isso teria mesmo acontecido? Não estaria fantasiando? Eles teriam mesmo
vivido outras vidas? Olívia teria sido mulher de Eugênio? Parecia-lhe quase
impossível! Lembrou-se que ela não confiava nele. Desde que o conhecera, ela
anti-patizara com ele. Seria por causa da traição do passado? Eles teriam se
amado? Se isso acontecera mesmo, o que teria havido depois? Ela precisava
saber mais.
Deitou-se novamente tentando descobrir mais, porém, nada aconteceu.
Resolveu chamar Vera. Apareceu um atendente que ela não conhecia, dizendo:
— Vera está ocupada no momento, posso ser-lhe útil?
— Preciso falar com ela. Aconteceram coisas estranhas comigo.
— Pode falar comigo.
— Ela vai demorar?
— Não. Se prefere falar com ela, posso dar-lhe o recado. Virá assim que
puder.
— Obrigada! Estarei esperando.
Depois que ele se foi, Elisa sentou-se na cama pensativa. Por mais estranhas
que pudessem lhe parecer as cenas que presenciara, sentia que, algum dia, em
algum lugar, elas realmente haviam acontecido. E isso dava-lhe um sentimento de culpa e uma vontade muito forte de descobrir toda a verdade. Dali para frente, ela se empenharia de todas as formas para saber.
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A VERDADE DE CADA UM
SpiritualEste livro trata-se de um romance espírita. Eu estava lendo e particularmente estou adorando o livro. Na história Elisa é casada com Geninho e eles tem 3 filhos. Um dia Geninho aparece em casa e diz que está indo embora e que não a ama mais. Porém...