Capítulo 6

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No dia seguinte, pela manhã, Elisa viu quando Eugênio se levantou e saiu para o trabalho. Ela não o acompanhou. Preferia ficar em casa para saber como estavam as coisas.
Olívia acordara antes das sete, para receber a nova empregada. Assim que a viu, gostou dela. Pouco mais de vinte anos, rosto redondo e agradável, sorriso franco e acolhedor.
Ao abraçar as crianças, seus olhos umedeceram, e Olívia sentiu que ela tinha bom coração e certamente se afeiçoaria a elas. Era um bom começo.
Eugênio saíra cedo e ela, sentada na mesa do café, sentia-se indecisa e triste.
Queria ir embora, cuidar de sua vida, pensava que Eugênio deveria assumir
definitivamente sua posição de pai e, se ela continuasse ali, ele certamente não o faria. Mas, por outro lado, deixar as crianças com uma pessoa desconhecida, ainda que boa, mas estranha, era-lhe sumamente difícil.
Elisa aproximara-se dela e podia perceber-lhe os pensamentos com nitidez.
Sentiu-se angustiada. Olívia pensava em ir embora. O que seria de sua família?
Abraçou-a com carinho e disse-lhe ao ouvido:
— Por favor! Não os abandone. Fique mais um pouco. Eles vão sentir sua
falta! Ah! Se eu pudesse estar aí... Lágrimas corriam pelo seu rosto em
desespero.
Embora Olívia não lhe registrasse a presença, sentiu-se muito aflita e triste.
Lágrimas desciam-lhe pelas faces enquanto ela pensava:
— Isso não podia ter acontecido. Por que Elisa se foi? Por que não fui eu em vez dela?
Marina apareceu na copa e Olívia tentou disfarçar. Mas a menina percebeu.
— Tia, você também está com saudades da mamãe!
Olívia abraçou-a procurando engolir o pranto e respondeu tentando controlar a voz:
— Estou, meu bem. Mas vai passar. A Elvira vai morar aqui, cuidar de vocês. É uma moça boa e vocês vão gostar muito dela.
— Ela nunca vai ficar no lugar da mamãe.
— Certamente, meu bem. Elisa estará para sempre em nosso coração. Contudo, ela não está mais aqui e nós precisamos ser práticos. Vocês precisam de companhia. Eu preciso trabalhar.
Marina pegou as mãos da tia, dizendo angustiada:
— Você não vai embora, vai? Você não vai nos deixar agora, vai?
Olívia abraçou-a com força. Fez grande esforço para conter a emoção. Oque estava acontecendo com ela? Nem nos primeiros dias se sentira tão triste e angustiada. Estava ali para acalmar as crianças e não para perturbá-las ainda mais. Por isso, disse com voz que procurou tornar firme:
— Não. Eu não vou embora agora. Ficarei mais algum tempo.
— Você disse ao papai que iria embora segunda-feira.
— Eu disse, mas mudei de idéia.
Marina beijou o rosto da tia repetidas vezes:
— Que bom! Que bom! Eu estava com tanto medo!
— Que bobagem. Eu nunca abandonarei vocês. Só irei embora quando tudo aqui estiver resolvido.
— Tia, eu ouvi papai dizer que queria trazer aquela mulher para morar aqui.
Olívia indignou-se:
— Ele nunca fará isso. Jamais permitirei!
Elisa assustou-se. Então era mesmo verdade! Geninho tinha outra mulher!
Pretendia colocá-la em seu lugar.
Indignou-se! Eugênio não só a traíra, como agora pretendia trazer a outra
dentro de sua casa! Isso, ela não permitiria. Ainda bem que Olívia era da mesma opinião. Aproximou-se dela dizendo-lhe com raiva:
— Olívia, não permita que ele faça isso. Eu não quero! Você não pode
permitir. Reaja. Não o deixe fazer isso!
— Se você for embora, ele pode trazê-la para cá.
— Eu vou trabalhar porque preciso, mas estarei sempre aqui. Ele nunca fará isso.
Elisa decidiu ir procurar Eugênio. Foi para a rua e sentiu-se um pouco tonta.
Precisava ter forças. Sua família estava em perigo e ela deveria defendê-la.
Passou por uma praça e sentou-se um pouco em um banco, respirando fundo na tentativa de recompor suas energias. Aos poucos, foi se sentindo melhor.
Decidida a procurar o marido, tomou um ônibus e dirigiu-se ao escritório dele.
Foi encontrá-lo indisposto e nervoso. Ela não estava interessada nos
problemas profissionais dele, mas sim em descobrir o que ele pretendia fazer com a família.
Aproximou-se dele chamando-o várias vezes. Tudo inútil. Por mais que tentasse, ele não deu sinal em registrar sua presença. Desanimada, ela deu livre curso a sua dor dizendo-lhe com amargura:
— Você não podia fazer isso comigo! Eu sempre o amei e fui fiel. Dei-lhe os melhores anos de minha juventude, o melhor de mim, dediquei-me de corpo e alma a nossa família, e você me trocou por outra pessoa, eu, a mãe de seus filhos. Que ingratidão!
Eugênio lembrou-se de Elisa e sentiu uma ponta de arrependimento. Talvez ele houvesse sido precipitado. Se tivesse esperado um pouco mais, talvez a tragédia não houvesse acontecido.
Vendo que de alguma forma ele pensava nela, Elisa exultou. Eugênio não registrava suas palavras, mas podia perceber seus sentimentos. Abraçou-o chorosa, dizendo:
— Você está arrependido! Ainda se lembra de mim com saudade. Cuide dos nossos filhos. Essa mulher não merece seu amor. Ela é uma estranha. Jamais os amará como nós os amamos. Se você está mesmo arrependido do que fez, acabe
com esta história de uma vez. Eu não vou permitir que a leve para nossa cada junto com nossos filhos. Isso nunca!
Eugênio sentia a cabeça tumultuada e muita incerteza quanto ao futuro. Não
sabia que atitude tomar. Se Olívia fosse embora, o que faria? A empregada não ficaria durante a noite e ele teria que ir embora cedo, ficar com as crianças. Eunice não concordaria. Mil pensamentos ocorriam-lhe sem que encontrasse
uma solução satisfatória.
Ficou assim o dia inteiro e, ao sair do escritório, não teve vontade de ir ver
Eunice nem de enfrentar Olívia. Foi quando encontrou Amaro e resolveu
desabafar.
Elisa não arredara pé. Sempre fora muito ingênua e tivera uma fé cega no
marido.
Nunca desconfiara que ele tivesse uma amante. Agora, livre, sem ser vista por ele, queria satisfazer a curiosidade. Precisava saber o que ele fazia quando não estava em casa.
Percebera que quando se aproximava dele e colocava sua atenção, conseguia ouvir seus pensamentos com nitidez. Enquanto eles conversavam no bar, ela,
sentada na mesa, ouvia-os com curiosidade. De repente, um homem de meia-idade aproximou-se dela dizendo com amabilidade:
— Como vai, Elisa?
Assustada, ela fitou-o e não respondeu. Ele podia vê-la! Ele continuou:
— Sou amigo do Amaro. Me chamo Amílcar. Não se assuste. Sou igual a
você. Já vivi encarnado na Terra, mas meu corpo morreu.
— Ah! — fez Elisa admirada. — Eu ainda custo a acreditar. Eu morri
mesmo?
— Seu corpo morreu. Mas você está mais viva do que nunca.
— Seria melhor eu ter desaparecido mesmo. Talvez sofresse menos — disse ela com amargura.
— Você sofre, porque não quer aceitar as coisas como são.
— Não posso. Fui traída, arrancada de minha casa, dos meus filhos que são
pequenos e precisam de mim. Pode haver desgraça maior?
Ele olhou-a firme nos olhos enquanto dizia:
— Deus cuida de tudo com amor e não cai uma folha da árvore sem sua
vontade.
— Não penso assim. Eu nunca fiz mal a ninguém, sempre fui boa filha, boa esposa, boa mãe. Porque aconteceu essa desgraça comigo?
— Nada acontece sem motivo justo. Um dia, você vai descobrir a razão do
que lhe aconteceu. Eu tenho estudado esses assuntos e posso garantir que a vida é bondosa e justa. Nós é que não enxergamos as coisas como são.
— Não posso concordar.
— Por que não vem comigo? Gostaria que conhecesse o lugar onde eu vivo.
Temos muitos amigos e o ambiente é acolhedor. Lá, tenho a certeza de que você ficaria muito bem e poderia mais tarde ajudar sua família.
— Não posso. Agora estou muito preocupada com o destino de meus filhos. Meu marido tem outra mulher e pretende levá-la tomar conta deles.
— Já que você não pode, talvez ela possa ajudá-la nisso.
— Deus me livre! A amante do meu marido! Enquanto eu me dedicava ao
trabalho do lar, me desvelando em cuidados com a família, ela me apunhalava pelas costas, roubando o marido. Você não sabe, mas eu estou aqui porque ele me abandonou, para ir ao encontro dela. Foi isso que me deixou sair à rua como
louca e morrer sob as rodas de um carro. A traição dói, principalmente se injusta.
Ele olhou-a fixamente enquanto dizia:
— Se você vier comigo, se poupará de muito sofrimento.
— Não posso. Obrigada pelo convite. Sinto que tem boa intenção, mas agora não dá para sair daqui.
Vendo que Eugênio e Amaro se despediam e saíam do bar, finalizou:
— Vou ficar com ele. Quero ver o que ele vai decidir. Adeus.
Eugênio chegou em casa e percebeu que tudo estava mais limpo e arrumado.
Lembrou-se da empregada nova. Sentiu saudades de Elisa. No quarto, quando Eunice telefonou aconselhando-o a internar as crianças, Elisa, que ouviu tudo,
vibrou de indignação.
Aquela mulher era perigosa e perversa.
Quando Eugênio desligou o telefone, Elisa abraçou-o dizendo-lhe ao ouvido.
— Não faça isso. Eu não vou permitir. Estarei vigilante. Essa mulher não vai
mais destruir minha família.
Ele pensou:
— Não posso fazer isso. Marina me odiaria ainda mais. Não. Vou arranjar
outra solução.
Eugênio sentia-se triste e desanimado. Por que acontecera tudo aquilo, por
quê? Seus olhos encheram-se de lágrimas. E ele pensou:
— Estou ficando fraco, chorando à toa.
No leito, o sono não vinha e ele, por fim, amargurado e pensando no horário do dia seguinte, tomou um calmante e finalmente conseguiu adormecer.
Elisa ficou ali, sem saber o que fazer. Deitou-se ao lado dele como fazia antes e procurou descansar. Sentia-se abalada, triste, revoltada. Ela não merecia esse sofrimento. Mas a quem recorrer? Sabia que quem morre não pode voltar à vida.
Precisava aceitar isso, mas não conseguia.
Talvez Nelson pudesse ajudá-la, mas ele com certeza não a deixaria ficar ali.
Quisera impedi-la de ver a família. Nisso, ela não transigia. Tinha que defender seus filhos.
Aquela mulher certamente iria aproveitar-se da situação. Ainda bem que Olívia estava lá, em seu lugar, para impedi-la de fazer isso.
Lembrou-se de Olívia. Ela tentara muitas vezes abrir-lhe os olhos. Saberia de alguma coisa sobre o Geninho? Talvez ele já houvesse tido muitas aventuras amorosas e ela, ingênua e confiante, nunca soubera de nada. Como fora boba!
Bem que Olívia tentara mudar-lhe a maneira de ser.
Ela se dedicara totalmente ao lar e ao marido. Nunca imaginara que ele
pudesse procurar outra mulher. Ela fazia tudo quanto ele queria. Só vivia para ele, suas roupas eram impecáveis, a comida,
caprichada, quando ele solicitava, ela estava sempre pronta para fazer-lhe
carinhos. Nunca se negara ao dever sexual. Não entendia por que ele tivera outras mulheres.
Agora, não tinha mais dúvidas. Ele sempre tivera outras mulheres. Claro!
Saía sempre perfumado, voltava tarde da noite, ninguém trabalhava até tão tarde.
Ela fora muito estúpida. Enquanto ela se acabara nos trabalhos domésticos e cuidando dos filhos, poupando dinheiro para poderem melhorar de vida, ele continuava elegante, bem-disposto, vestindo-se melhor a cada dia, comprando carro de luxo. Certamente, isso contribuía para que as mulheres interesseiras o disputassem.
Lembrou-se do dia em que ele lhe dissera que gostava de outra. Ela se olhara no espelho e verificara o quanto estava diferente da Elisa com a qual ele havia se casado. Como fora burra e imprevidente.
Sentou-se no leito e, olhando Eugênio que dormia, pensou:
— Ele está muito mais moço do que eu.
Apesar da tristeza, Elisa de repente sentiu certa satisfação. Ele estava sentindo sua falta.
Claro. Nenhuma outra seria tão tola quanto ela. Agora, ele ia aprender a
valorizá-la. Era um consolo, apesar de tudo.
Um pouco mais calma, deitou-se novamente procurando descansar. No dia seguinte iria com ele, não podia descuidar. Precisava saber o que ele pretendia fazer.
Na manhã seguinte, quando Eugênio se levantou, encontrou a mesa posta
para o café e Elvira, vendo-o preparar-se para sair, aproximou-se timidamente.
— Seu Eugênio, D. Olívia mandou preparar o café para o senhor. Eu fiz tudo como ela mandou. Pode me dizer como o senhor prefere que eu faça.
Ele passou os olhos pela mesa posta e respondeu:
— Está bem.
Ele sentou-se e tomou café preto, comeu um pão com manteiga. Sentia-se mais confortado. Afinal, alguém se interessara em cuidar do seu bem-estar.
Ainda que fosse uma empregada, era confortante depois de tantos dias comendo fora. Claro que não era como Elisa. Isso ninguém faria igual. Ela colocava flores no pequeno vaso de cristal, tirava a casca do queijo como ele gostava, esquentava o pão. Fazia bolo de chocolate.
Suspirou conformado. Afinal, precisava continuar vivendo. E já que estava pagando uma fortuna para a moça, tinha todo o direito de usufruir de conforto dentro de casa.
— D. Olívia disse que o senhor não almoça em casa. Antes de ir embora,
deixarei o jantar pronto. Se o senhor vier antes das oito, eu poderei servi-lo. Senão, deixarei a mesa posta e tudo pronto. As crianças estarão bem cuidadas, pode ficar descansado.
— Obrigado. Como é mesmo seu nome?
— Elvira.
— Está bem, Elvira. Diga-me. Sou um homem muito ocupado e não posso vir para casa antes das oito. Não seria possível você dormir aqui e ir para casa nos fins de semana?
Ela baixou a cabeça envergonhada.
— Minha mãe não deixa, seu Eugênio. Meu pai nem queria que eu viesse
trabalhar aqui, porque o senhor é viúvo. Ele deixou, porque a Alzira é muito amiga de nossa família e garantiu que eu podia vir, que o senhor é pessoa de bem. Mas sabe como é, dormir à noite, ele não vai deixar, não. Se eu falar nisso, ele não me deixa mais vir.
Eugênio suspirou irritado:
— Isso é bobagem. Eu deveria me ofender. É muita ignorância da parte dele. Mas por agora não posso dizer nada. Quem sabe se daqui algum tempo, me conhecendo melhor, ele mude de idéia.
Ela abanou a cabeça dizendo:
— Vai ser difícil.
Eugênio saiu pensando o quanto aquele homem era ignorante. Tudo que se faz à noite poderia ser feito de dia. Mas decidiu não tentar convencê-lo. Se lhe dissesse isso, ele até poderia não deixar Elvira ficar nem de dia. Apesar de tudo, era um bom começo. Pelo menos poderia comer em casa e as crianças estariam bem cuidadas. Depois, veria o que fazer. Estava disposto a procurar alguém que
pudesse dormir no emprego. Talvez uma senhora de idade que não se
preocupasse com problemas morais.
Chegou ao escritório um pouco indisposto. Apesar das coisas estarem caminhando melhor, ele se sentia inquieto e inseguro. O corpo pesado e a cabeça confusa.
— Preciso me cuidar — pensou. — Estou deprimido e preocupado. Se não
melhorar, irei ao médico. Afinal, apesar de tudo, preciso tocar a vida pra frente. As crianças precisam de mim. Vou reagir. Não posso me entregar ao desânimo. Até meu trabalho tem sido prejudicado. Isso não pode continuar.
Decidido, Eugênio mergulhou no trabalho procurando resolver os problemas e arranjar novos negócios. Essa atitude fez-lhe bem
e no fim do dia sentia-se melhor. Quando Eunice ligou, ele estava bem-
disposto.
— Fiz um jantar caprichado para nós. Aquele doce que você gosta. Estou
morrendo de saudades!
— Eu também — disse ele. — Irei logo que puder.
Elisa, sentada em uma poltrona, ouvindo-o dizer isso, interessou-se. Durante todo o dia, ele se ocupara de tal forma que ela não pudera envolvê-lo. Também não estava interessada no trabalho dele. Não gostava do que ele fazia. Havia coisas mais importantes para ela pensar. Por isso, sentara-se lá, aguardando o momento em que ele terminasse os afazeres do dia.
Quando Eugênio guardou tudo, preparando-se para encerrar o expediente, Elisa imediatamente postou-se a seu lado. Vendo-o ir ao banheiro lavar-se e arrumar-se com capricho, perfumar-se, sentiu aumentar sua raiva.
Enquanto ela ficava em casa trabalhando, cuidando das coisas para ele, o ingrato a enganava. Tinha tudo organizado naquele banheiro. Até algumas camisas para trocar.
Como é que ela nunca percebera isso? Como fora cega! Agora, iria até o fim.
Embora doesse, era preciso conhecer a verdade. Ficaria de lado, sem intervir. Só para observar.
Quando chegaram ao apartamento de Eunice, e Eugênio tirou a chave do
bolso e abriu a porta, ela fez força para se dominar. O malandro tinha até chave!
Curiosa, olhou para Eunice que, insegura com a situação, caprichara na arrumação. Ficou cega de ciúme.
Ela era jovem e bonita. Estava maquiada, bem penteada, cheirosa e bem vestida.
Elisa sentiu-se arrasada. Ela estava acabada, pálida, mal-arrumada, com as mãos maltratadas pelos serviços domésticos. Claro que Eugênio preferia a outra.
No fundo, no fundo, ela era a culpada de tudo. Fora ingênua demais. Nenhuma mulher teria feito o que ela fizera. Bem que Olívia tentara preveni-la!
Eugênio abraçara e beijara Eunice que, disposta a reconquistá-lo, o envolvia com carinho e amor. Foram para a sala abraçados e sentaram-se no sofá. Depois de alguns beijos, Eunice disse com doçura:
— Estava morrendo de saudades! Você ficou dois dias sem me ver! Desde que nos conhecemos, foi a primeira vez.
— Não foi por gosto, pode crer. Eu também senti saudades. Mas a situação agora é outra. Eu preciso de um tempo para resolver os problemas dos meus filhos.
— Tenho a certeza de que você vai resolver tudo da melhor
forma. Você sempre faz tudo tão bem!
Ele sorriu envaidecido. Naqueles dias em que se sentia culpado com o que
acontecera, ser elogiado era um presente do céu.
— Obrigado, meu bem. De fato, as coisas lá em casa agora estão melhores. Mas ainda não estão completamente resolvidas.
— A questão da empregada...
— É. Por enquanto Olívia ainda está lá, o que de certa forma é um sossego.
Mas ela disse que vai embora na segunda-feira. Aí, se eu não arranjar outra empregada que durma no emprego, terei que Ir para casa antes das oito, todas as noites.
Eunice franziu o cenho:
— E quando iremos nos ver? Não pensou nisso?
— Pensei. É só no que tenho pensado. Também não me agrada ficar preso
em casa. Nunca fui tolhido em minha liberdade.
— Nem pode. Tomar conta de criança é serviço de mulher.
— Também acho. Mas, por enquanto, vou tentar segurar olívia o mais que
puder. As crianças gostam dela e ficam calmas quando ela está por perto.
— A melhor solução seria elas irem morar com a tia de uma vez.
— Já propus isso a Olívia. Que ela viesse morar em minha casa e eu
sustentaria as despesas. Ela poderia alugar o apartamento, teria mais renda e nenhuma despesa. Eu me mudaria de lá.
— E ela?
— Recusou. Disse que os filhos são meus e eu é que tenho a responsabilidade de cuidar deles.
— Que falta de caridade! E ela ainda diz que gosta das crianças!
— Ela gosta das crianças, ela não gosta é de mim. Faz tudo para complicar a minha vida. Ela me odeia. Faz tudo para nos impedir de ficarmos juntos. Eu não tive culpa de nada, mas ela pensa o contrário. Diz que sou culpado pela morte de
Elisa. Mas você sabe que eu nunca pensei que pudesse acontecer essa tragédia. Eu amo você, mas não desejava mal a Elisa. Ela sempre foi muito bondosa, uma mulher igual a ela é difícil.
— Mas você não a amava mais. É de mim que você gosta. Tinha que tomar uma atitude. Isso, ela não entende!
— Tanta gente se separa e não acontece nada. Eu me pergunto, por que aconteceu isso comigo?
Pálida, amargurada, nervosa e irritada, Elisa ouvia tudo, tentando controlar-se para não avançar para eles dando vazão à raiva que sentia. Ele não a amava, e ela se apagara para que ele brilhasse. Que horror! Eugênio era egoísta e traidor. Não merecia todo amor que ela lhe dera, nem a dedicação, nem a família que construíra.
— Essa pergunta ninguém pode responder — disse Eunice pensativa. — Já pensou no que eu lhe disse? Um bom colégio seria ideal! Essas crianças precisam de boa educação e dos carinhos de uma mulher. Você precisa trabalhar e deixá-las com pessoas não capacitadas pode prejudicá-las muito. Um bom colégio, boa alimentação, bons estudos, e quando estiverem crescidos, enfrentarão melhor a vida.
Eugênio meneou a cabeça dizendo indeciso:
— Não sei, não. Marina está muito revoltada e isso iria afastá-la mais de
mim. Eu amo meus filhos, você sabe disso. Aos poucos, com o tempo, guardo a esperança de que possamos vir a formar uma boa família. Se a conhecessem melhor, eles aprenderiam a gostar de você, tenho certeza.
Eunice tentou desconversar. Ela não gostava de crianças e não pretendia
assumir esse compromisso.
— Eles nunca me aceitarão. Olívia não deixaria.
— Isso é verdade. Mas com o tempo, Olívia também se esquecerá. Podemos
nos mudar para o Rio de Janeiro. Tenho pensado nisso. Há boas possibilidades de negócios para mim no Rio. Ofereceram-me excelente oportunidade. Eu iria para
lá, arranjaria casa, empregada, levaria as crianças e depois você iria também. Olívia não precisaria saber.
Elisa levantou-se de um salto. Ele urdira esse plano e ela não ia permitir.
Moveria céus e terra para impedi-lo. Agora, ela não era mais ingênua, nem o amava como antes. As cenas que presenciara revelaram o verdadeiro Eugênio.
Ele estava longe de ser aquele moço bom, apaixonado e honesto que imaginara.
Era falso, interesseiro. Mas ele não ia envolver seus filhos naquela farsa. Ela
estava ali para fazer justiça. Não abandonaria seus filhos nas mãos dele. Ela havia mudado e o faria pagar caro por tudo quanto estava sofrendo.
— Não se precipite, meu bem — aconselhou Eunice que não tinha nenhuma intenção de se mudar para o Rio de Janeiro naquelas condições. — Se perder dinheiro, sua situação pode piorar ainda mais.
— Isso é. Mas tenho certeza de que o negócio é bom.
—Vamos esquecer as preocupações e relaxar. Vou preparar aquele aperitivo que você gosta.
Elisa não perdia nenhum movimento deles. Enquanto Eugênio sorvia o
aperitivo colocando-se à vontade, Eunice esquentava o Jantar. Elisa aproximou-se dela na cozinha, tentando perceber-lhe os
pensamentos.
— Ele é que pensa que eu vou cuidar daquelas crianças! Nunca! Eu não
tenho essa obrigação. Se ele pensa que eu sou trouxa como a mulher dele, está muito enganado. Comigo não é assim, não . Era só o que me faltava! Logo eu que detesto
crianças! Ele que suma com elas, ponha no colégio, faça o que quiser, desde que não venha pro meu lado. Acho que ele é pão-duro. Sempre fala em dinheiro. Não quer pagar as despesas das duas casas.
— Ele quer usar você, como fez comigo! Se você deixar, vai ser enganada como eu fui! Não seja burra! — sussurrou Elisa em seu ouvido.
Eunice pensou:
—Vou dar mais um tempo. Se ele insistir nisso, abro o jogo. Se me quiser, tem que ser assim. Ele quer é me usar, mas isso não vai conseguir. Burra, eu não sou.
Elisa sorriu satisfeita. Ela pegara suas idéias com mais facilidade do que
Eugênio.
Continuou:
— Isso mesmo. Reaja. Não aceite esse encargo. Não serve para você. Em
pouco tempo estará acabada como eu, e ele a trocará por outra.
Eunice pensou:
— Eu não sirvo para mãe de família. Em pouco tempo estaria destruída. Aí,
ele me trocaria por outra. Comigo não! Quero ser sempre a primeira, namorar,sair, passear, sem os encargos de família.
Durante o jantar servido a luz de velas, os dois continuaram se tratando com carinho, mas Elisa percebeu que nenhum deles estava sendo sincero. Enquanto Eugênio tentava envolver Eunice em seus planos, pensando em diminuir as despesas e arranjar uma substituta para Elisa, Eunice fazia exatamente o contrário.
Elisa sentia-se calma, achando que o fato de poder estar ali sem que
percebessem e captar o que eles estavam pensando, dava-lhe vantagens que haveria de utilizar para realizar seus propósitos. Estava firme e encorajada, mas,
quando os viu aos beijos dirigirem-se para a cama, não suportou. Aquela cena ainda era muito forte para ela.
Sabia que eles eram amantes, mas vê-los praticar os jogos amorosos era
demais. Sem poder conter-se, atirou-se sobre Eugênio com violência gritando enraivecida:
— Bandido, traidor! Covarde. Você não vai mais fazer isso. Eu não vou
deixar. Você vai pagar caro o que me fez.
De repente, Eugênio empalideceu e sentiu falta de ar. Sentou-se
na cama assustado.
— O que foi? — indagou Eunice.
— Não sei. De repente, faltou-me o ar. Sufoquei. Parece que vou morrer!
Apanhe um copo de água, por favor.
Meia despida, Eunice correu e trouxe água. Eugênio bebeu alguns goles.
Respirando fundo, ele disse:
— Estou com frio, sinto arrepios, parece que estou com febre. Você tem
termômetro em casa?
— Não. Eu nunca precisei. Ele respirou com força:
— Me arranje um cobertor. Estou tremendo. Ela obedeceu. Ele tremia,
estava pálido.
—Sinto náuseas. O jantar estava bom, mas será que não havia nada
estragado? Ela irritou-se:
— Claro que não! Onde já se viu? Você sabe como sou escrupulosa com as
coisas. A comida, eu garanto que não foi. Só se você comeu alguma coisa antes de vir para cá, em algum bar.
— Não comi nada. Você tem sal de frutas? Parece que meu estômago parou de funcionar.
— Vou buscar.
Braços cruzados, colada a ele, Elisa observava. Se dependesse dela, ele nunca mais teria relações com aquela perversa. Eles a haviam subestimado. Ela não era mais a ingênua de outros tempos. Tinha todo o direito de reagir. A culpa era deles. Não fora ela quem começara aquela briga.
Elisa abraçou-o, enquanto dizia-lhe ao ouvido:
— Você está fraco. Agora sou eu quem manda. Vai me obedecer, fazer tudo
quanto eu quiser. Nunca mais vai pensar em levar essa mulher para nossa casa. Ela não serve para você. Não gosta de crianças, é malvada e fútil.
Eugênio tomou o sal de frutas em silêncio. Depois de alguns instantes, Eunice aproximou-se solícita perguntando:
— Então, sente-se melhor?
— Me deixe um pouco quieto. Não pode calar a boca?
Eunice olhou-o
assustada. Ele nunca lhe falara daquela forma. Saiu dali e vestiu um robe, dirigindo-se à cozinha.
Apanhou uma xícara de café, acendeu um cigarro e sentou-se pensativa.
Eugênio estava mudado. Não era mais o mesmo. A cada dia se tornava mais
desagradável. Ela era jovem, bonita, cheia de vontade de viver. Pensara haver encontrado um companheiro para desfrutar a vida, e acabara por descobrir um homem cheio de compromissos e problemas,
pão-duro, interessado em escravizá-la a uma vida enfadonha e
desagradável. Ela precisava pensar melhor. Talvez ele não fosse o homem de sua vida.Talvez estivesse perdendo muito tempo com ele.
Desperdiçando sua mocidade a troco de nada. Quando se decidisse, poderia
ser muito tarde. Estaria acabada e só.
Talvez fosse melhor mesmo ele ter que ficar em casa com as crianças à
noite. Isso lhe daria liberdade para tentar arranjar outra pessoa. Fazia tempo que não ia mais àquele baile onde sempre fazia tanto sucesso. Ela estava mesmo precisando era vestir-se muito bem, arrumar-se e ir se distrair. O Eugênio que ficasse com seus problemas, pois ela não tinha nada com isso. Sabia perfeitamente o que queria da vida e não era nada do que ele estava lhe oferecendo.
No dia seguinte, procuraria o dono do apartamento que haviam alugado e
explicaria a situação. Eugênio havia pago três meses adiantado, e ele com
certeza não devolveria o dinheiro. Metade do prazo já havia sido vencido. Paciência. O dinheiro era dele. Teria que conformar-se. Ele não queria mesmo mais o apartamento.
Ela ia sacudir a poeira. Não ia ficar mais naquele sufoco. Poria as cartas na mesa. Não. Isso, não. O melhor mesmo era contemporizar. Enquanto isso, tentaria arranjar outra pessoa. Quando se sentisse segura, daria o ultimato. Colocaria suas
condições. Se ele não aceitasse, ela não se importaria. Já teria outros planos em andamento. Terminou o cigarro, mas ficou ali pensando, pensando.
No quarto, olhos fechados, sentindo-se indisposto, Eugênio tentava reagir. Ele precisava ir ao médico. No dia seguinte iria. Nunca se sentira assim. Deveria estar doente. Sentia-se nervoso, irritado, Inquieto. Fora grosseiro com Eunice,
mas ela era muito insistente.
Tinha o hábito de ficar em volta e isso o irritava. Ela estava ficando chata.
Antes não era assim. De repente, sentiu que ela o estava cansando. Desejou ir embora. Assim que se sentisse melhor, iria para casa.
Elisa afastou-se um pouco e ele foi melhorando. Meia hora depois levantou-se, vestiu-se e foi procurar Eunice. Vendo-a na cozinha, disse em tom conciliador:
— Sinto muito. Eu estava nervoso, tenho estado mal. Amanhã vou procurar um médico. Não tenho passado bem. Só durmo com calmantes, isso não é natural.
Vendo-a silenciosa, aproximou-se abraçando-a com carinho:
— Não quis ofendê-la. Desculpe. Vou embora, amanhã telefono.
— Está bem. Até amanhã.
— Não fique zangada comigo. Vamos, sorria. Diga que me perdoa.
Ela levantou-se procurando sorrir:
— Tudo bem. Procure mesmo um médico. Você está precisando.
Foram até a porta abraçados. Despediram-se e embora procurassem
dissimular, fingindo que tudo estava bem, Elisa observou com satisfação que eles estavam querendo distanciar-se um do outro e que pensavam em arranjar desculpas para tão cedo não voltarem a se encontrar.

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