Horas mais tarde, quando Vera chegou, ela foi logo contando o que lhe havia
acontecido finalizando:
— A princípio pensei que fossem alucinações, mas depois senti que em algum
lugar esses fatos haviam mesmo acontecido. Estou certa?
— Certíssima. Você está começando a recordar-se de suas vidas passadas.
— Imagine que Olívia foi casada com Eugênio!! Como pode? Eles nunca se
entenderam. Eu não podia imaginar! Depois, a amante era eu! Eu... que
sempre fui contra esse tipo de atitude! Não estarei sendo vítima de algum
engano? Os fatos não foram acontecendo claramente. Vi apenas algumas cenas e
conversas sem continuidade.
Eu posso estar enganada, misturando os fatos.
Vera meneou a cabeça negativamente.
— Não acredito. Você mesmo sentiu que os fatos eram ver dadeiros. É
melhor não tentar mascará-los e tratar de olhá-los de frente.
— Não tem lógica! Sempre fui uma mulher honesta! Esposa exemplar!
— Pode ter assumido esse papel em sua última vida tentando fugir da
experiência anterior. É uma atitude de defesa, muito comum.
— Fui maldosa, prejudiquei Olívia! Eu que gosto tanto dela. Não posso
continuar ignorando o que aconteceu entre nós! O quê posso fazer para descobrir
toda verdade?
— Fique calma. Aos poucos, irá se lembrando de tudo. Te nho uma notícia
boa para você. Sua mãe foi localizada. ,
— Verdade? Que maravilha! Ela vai me ajudar com certeza. Quando poderei
ir vê-la?
— Ela não mora em nossa comunidade. Vive em outra cidade onde você
ainda não pode ir. Mas ela virá vê-la amanhã à tarde
— Mal posso esperar!
— Você gosta de música?
— Gostava muito.
— Vim convidá-la para um serão musical. Será muito agradável. Amúsica
ajuda muito a conquistar a harmonia interior. Você se sentirá muito bem.
— Não sei... Estou preocupada com tantas coisas...
— Preocupar-se pode aumentar seus problemas. O que você precisa agora é
refazer-se.
Tenho certeza de que vai ajudá-la muito.
— Está bem. Irei. Pensei que se ficasse aqui sozinha, eu poderia me recordar
de alguma coisa mais.
— Quando chegar a hora de se lembrar, vai acontecer onde estiver. Ficar relaxada e tranqüila só pode ajudar.
— Talvez seja bom mesmo eu me distrair. Vai ser difícil esperar a hora de
ver minha mãe!
Vera sorriu:
— Tudo acontece na hora certa e de maneira adequada. Quando perceber
isso, toda sua ansiedade vai desaparecer.
— Quisera ser como você! Também, depois de tudo que eu passei!
Vera riu respondendo bem-humorada:
— Quem se lamenta do que passou, está confessando a própria incapacidade.
Se deseja fazer amigos aqui, evite fazer isso!
— Por quê? Só quis me justificar!
— Não precisa. Você não é ingênua nem fraca. Fingimento aqui é inútil,
Elisa. Em nossa comunidade, estamos aprendendo a ser verdadeiros.
Descobrimos que todos nossos sofrimentos decorrem das nossas ilusões.
— Sempre ouvi dizer que ninguém vive sem ilusões e que a realidade é muito
dura!
— Essa é a maior inversão de valores que alguém pode ter! Nós fomos
criados para a felicidade, e todas as coisas no universo trabalham para nos
oferecer o que há de melhor! Essa é a realidade!
— Se isso fosse assim, não teríamos tantos sofrimentos no mundo!
— Se os homens respeitassem os próprios sentimentos, as forças da natureza
e procurassem perceber como a vida funciona, viveriam saudáveis, em paz,
mesmo em seu nível de evolução. Creia, Elisa, são as ilusões que criam todo o
sofrimento humano.
Aqui, estamos aprendendo a evitar a queixa. Desenvolvendo a consciência da
nossa própria força. Por isso, se quer fazer amigos, nunca entre
no papel da "pobre de mim". Eles se afastariam de você como de alguém
com moléstia contagiosa.
Elisa ia retrucar, mas preferiu calar-se. Que mundo diferente aquele! Ela não
gostaria de ser marginalizada. Ao contrário, já que precisava ficar lá durante
algum tempo, pretendia ocupar-se e relacionar-se. Tinha horror à solidão.
— Eu quero fazer amigos — disse por fim. — Preciso fugir da solidão. Mas
não sei como proceder! Vocês pensam tão diferente!
— Saia do formalismo social que aprendeu no mundo. Seja você mesma.
Diga o que sente, faça o que lhe dá alegria. Esqueça as frases feitas, os
preconceitos, evite interferir nas idéias alheias.
— Humm. Desse jeito não sei de que assunto falar com as pessoas. Nem
sempre posso falar o que estou pensando. E se não for coisa boa?
Vera riu bem-humorada:
— Agora você foi sincera! Esquece que aqui os pensamentos podem ser
focalizados? Acredite, você não tem que falar nada para ser aceita. Não precisa assumir
papéis para se relacionar. Em todo caso, procure exercitar-se no bem.
— Eu quero ficar bem. Como fazer isso?
— Todas as vezes que notar um pensamento crítico, depreciativo de fatos,
pessoas, coisas, procure focalizar o bem que há neles. É um treinamento muito
indicado em nossos cursos de controle mental. Por mais dolorosa, cruel, odiosa,
trágica, que uma situação lhe pareça, acabará descobrindo que, apesar das
aparências, nela só existe o bem. O resto é distorção, ilusão. A única verdade é o
bem. Portanto, quando você está julgando os fatos de forma negativa, está
alimentando suas ilusões e se candidatando à visita do sofrimento. Ele sempre é
mensageiro da verdade!
— Para mim tudo isso é novo! Parece-me tão difícil!
— Com o tempo se tornará mais fácil. Quando começar a desenvolver mais
sua lucidez, não desejará parar. O desenvolvimento da consciência amadurece e
produz grande bem-estar.
— Quando você fala, fico mais confiante! Você parece tão feliz!
— Tenho trabalhado para conquistar a felicidade. Você vai fazer o mesmo e
conseguir.
Tenho certeza. O sofrimento cansa. Quando descobrimos que ele não é
imprescindível à conquista do nosso progresso, nos deslumbramos e colocamos
todo empenho em viver melhor.
Os olhos de Vera brilhavam, e Elisa sentiu uma energia agradável envolvê-la,
emocionou-se. Disse com suavidade:
— Você tem razão. Tenho sofrido bastante. Quero ser como você. Se acha
que também posso conseguir, estou disposta a fazer tudo que for preciso.
— Ótimo, Elisa. Se deseja ir ao serão, tem meia hora para aprontar-se. Virei
buscá-la.
— Está bem.
Quando Vera saiu, Elisa olhou-se no espelho e notou que sua aparência havia
se modificado um pouco. Estava mais corada e seus cabelos, mais brilhantes.
Notou que seu rosto também estava mais suave, um pouco diferente do que era.
Apesar de surpreendida, gostou. Estava mais bonita e com mais vida. Como seria
esse serão?
Resolveu arrumar-se melhor. Abriu o armário e escolheu um vestido azul
vivo de um tecido leve e macio. Vestiu-o e olhando-se no espelho, sorriu
contente. Estava elegante e bonita. Afinal, a vida ali na comunidade não era tão
dura como pensara a princípio.
Encontrou um elegante par de sapatos prateados que combinavam bem com seu vestido.
Sentiu vontade de mudar o penteado. Já que seus cabelos estavam tão sedosos e brilhantes, os deixaria à vontade, presos com uma tiara prateada que encontrara na gaveta da mesa. Lembrou-se dos tempos de adolescência. Como
fora ingênua, casando-se cedo. Nunca usufruíra das alegrias da juventude! Se
estivesse na Terra agora, certamente agiria diferente!
— Não estou na Terra, mas estou livre! — pensou ela. Não estava mais presa
aos compromissos do casamento.
Ao pensar isso, sentiu alívio. Talvez esse fosse o lado bom do que lhe
aconteceu. Se não podia voltar atrás, podia pelo menos seguir os conselhos de
Vera e viver melhor. Já que não podia cuidar dos filhos como gostaria, trataria de
pensar em si, cuidar da própria felicidade. Queria ser feliz!
Quando Vera voltou, vendo-a, não dissimulou a alegria:
— Elisa! Você está linda! Parabéns! Ela não escondeu a satisfação:
— Resolvi aceitar sua sugestão. Daqui para frente, vou cuidar de mim, da
minha felicidade.
— Por isso seus olhos brilham, seus cabelos criaram vida. Você está
começando a descobrir sua luz. Vamos. Tenho certeza de que vai gostar.
Ao entrar no imenso salão iluminado, Elisa estava deslumbrada. Ele era
circundado por arcos, o teto decorado com pinturas maravilhosas, cujos desenhos
se moviam
modificando as figuras e o colorido matizando-se e conforme Elisa fixava,
eles rutilavam como
atrelas.
Vera conduziu-a para as poltronas, e Elisa não conseguia desviar os olhos
daquele teto maravilhoso, ora nas pinturas, ora nos lustres. Aos poucos, ela foi
percebendo o luxo das cortinas, o palco, a beleza das poltronas e os rostos
agradáveis das pessoas.
— Nunca vi nada igual! — disse ela. — Que gente bonita! Começo a pensar
que estamos no paraíso! Acho que os anjos vão aparecer a qualquer momento.
— As pessoas que estão aqui, se interessam em fazer o melhor. A arte e a
beleza comovem, elevam, nos aproximam de Deus.
Quando as cortinas do palco abriram, as luzes da platéia se apagaram, as
paredes do palco desapareceram e surgiu uma plataforma no centro dele. Sobre
ela, havia uma orquestra formada por muitos músicos, vestidos com túnica
brilhante. Além dos instrumentos conhecidos, Elisa notou que havia outros que ela
nunca vira. Ao redor da plataforma, havia um bosque maravilhoso, cheio de
pássaros e flores. Quando a orquestra começou a tocar, no centro do bosque
apareceram dançarinos que pareciam borboletas tal a leveza da sua dança.
Elisa, maravilhada, não conseguia dizer palavra. Lágrimas rolavam pelo seu
rosto sem que ela notasse. Sua alma extasiava-se diante de tanta arte e pela
primeira vez ela esqueceu seu drama, sua dor, seus problemas. Bebia
avidamente aquele momento sentindo-se comovida, não querendo perder nada.
Quando as luzes se acenderam, ela não conseguia articular palavra. Vera abraçou-a com carinho dizendo:
— Foi lindo demais! Também estou comovida! Há tempos não via um
espetáculo como este!
Elisa não conseguia parar de chorar. As lágrimas continuavam descendo pelo
seu rosto, e ela fez um gesto de impotência, ao que Vera aduziu:
— Não se preocupe com as lágrimas. Deixe sair as energias reprimidas,
Elisa. Sua alma está se desbloqueando.
Quando ela se acalmou, disse:
— Estou envergonhada. Sou ignorante. Nunca havia visto nada igual.
— Não se critique por sentir. Agora é que você está reencontrando sua
essência. A arte é manifestação de Deus. Vamos aproveitar este momento, Elisa,
e sair em silêncio para não quebrar o encanto. Outro dia a apresentarei às
pessoas. Assim como nós, ninguém está com vontade de falar agora. Vamos
embora.
Uma vez em seu quarto, depois de despedir-se da amiga, Elisa abriu a janela
debruçando-se sobre o parapeito, olhando o céu cheio de estrelas. As cenas e o
som do espetáculo que acabara de presenciar estavam ainda presentes em sua
lembrança.
Como ela era ignorante! Quantas coisas havia ainda que não conhecia? Que
mistérios a vida guardava para o futuro? O que mais lhe aconteceria? Naquele
momento, sua vida na Terra, seus problemas pessoais perderam a importância
que ela lhes atribuía. Diante daquele mundo novo, das sensações maravilhosas
que experimentara, como voltar aos horizontes acanhados de sua última
existência? Eles agora pareciam-lhe distantes. Em seu coração, havia o mesmo
amor pelos filhos, por Olívia, mas, ao mesmo tempo, o desejo de situar-se em
sua nova vida, descobrir mais sobre o passado e experimentar coisas novas.
Vítor dissera claramente que ela fora responsável pelo que lhe acontecera.
Que suas atitudes haviam atraído os fatos que a vitimaram. Vera garantia que ele
sabia o que estava dizendo.
Ela não acreditara nele. Mas e se os fatos do passado houvessem mesmo sido
diferentes do que ela pensava? E se ela tivesse mesmo traído Olívia, feito intrigas
para destruir seu casamento com Eugênio? Até que ponto poderia confiar nas
visões que tivera?
A idéia que Eugênio e Olívia se haviam amado um dia parecia-lhe
impossível. Eles estavam sempre se criticando. Isso a incomodava muito. Seria
por causa do que acontecera no passado? Esforçava-se para torná-los amigos.
Vivia neutralizando suas diferenças e fazendo o máximo para que viessem a se
querer bem. Quanto mais fazia isso, mais eles se desentendiam.
Depois de sua partida, Olívia cuidara das crianças, apoiara Eugênio, fizera
sua parte, mas ela notara que continuava não gostando dele. Seria mesmo verdade que um dia ela o teria amado? Precisava saber.
Na tarde do dia seguinte, Elisa foi avisada que havia visita para ela no salão.
Emocionada, deu os últimos toques em sua aparência e, coração aos saltos,
dirigiu-se para lá.
Rosa a esperava com olhos brilhantes de alegria. Vendo-a, abraçou-a com
carinho beijando-a delicadamente na face. Elisa não conteve as lágrimas.
Naquele momento, todo o sofrimento dos últimos tempos reapareceu, e ela disse
entre soluços:
— Mãe! Viu o que me aconteceu? Soube do acidente? Rosa olhou-a nos olhos
dizendo com voz firme:
— Amaneira como você veio não foi penosa. Você não sentiu nada! Falemos
de coisas mais interessantes. Como está
sendo sua estadia aqui?
Apanhada de surpresa, Elisa não soube o que responder. Esperava que a mãe
a confortasse, valorizasse sua dor, porém isso não aconteceu. Vendo que ela não
respondia, Rosa continuou:
— Vítor informou-me que você está indo muito bem. Até já modificou sua
aparência, recordou um pouco do passado,
— Vi algumas cenas, não sei bem se aconteceram mesmo. Rosa olhou-a
sorrindo ao responder:
— Você não está sendo sincera. Vim vê-la porque a amo muito. Tanto você,
como Olívia e as crianças, ocupam largo espaço em meu coração. Mas gostaria
que não me visse no papel de mãe, tal como na Terra. Diante das múltiplas
reencarnações, essas posições são temporárias. Na ribalta do mundo, trocamos
de papéis várias vezes. Mãe, filha, irmã, sogra, cunhada, amiga, inimiga. Os
laços de sangue indicam que, de alguma forma, nos atraímos uns aos outros.
Nem sempre esses laços são de afinidade espiritual, companheirismo, amizade.
Às vezes transformam-se em pesadas cadeias das quais as pessoas não vêem a
hora de se desvencilhar. Depois da morte, distanciam-se aliviadas.
Nosso caso é diferente. Nós nos amamos e o amor permanece para sempre.
Esteja onde estivermos, sentimos a alegria de partilhar nossos sentimentos.
— Sua forma de pensar me surpreende! Sempre pensei que o amor de mãe
fosse a mais sublime forma de amar!
— O amor incondicional é sempre sublime. Não depende do grau de
parentesco.
Depende da alma. É manifestação da essência espiritual. A condição de mãe
é uma grande oportunidade de desenvolver a capacidade de amar. A confiança
de Deus colocando em nossas entranhas uma alma, confiando-a a nossa guarda
durante o tempo em que ela descansa na inconsciência, preparando-se para novas experiências, é um apelo muito forte ao nosso espírito. Depois, a criança
tão dependente dos nossos cuidados, tão carente da nossa orientação nos
primeiros anos, expressando com espontaneidade seus sentimentos, toca nossa sensibilidade, e nosso amor se manifesta!
— É o que eu sinto pelos meus filhos! O amor de mãe é o maior e o mais
sublime de todos!
— Prefiro dizer que ele abre uma porta para o amor incondicional.
Principalmente quando a mulher possui bom senso e discernimento para ajudar
verdadeiramente os espíritos que lhe foram confiados.
Elisa fitou-a admirada:
— Não concordo com você! Não existe nenhuma mãe que
deseje mal a seus filhos! Em sua maioria, são dedicadas, muitas chegam a
esquecer de si mesmas colocando o bem dos filhos em primeiro lugar.
Rosa sorriu ao responder:
— Não estou falando das intenções. Claro, todas nós temos vontade de fazer o
melhor.
Estou falando dos resultados. Tanto no mundo quanto aqui, os consultórios dos
terapeutas estão repletos de filhos procurando ajuda, tentando libertar-se dos
males de uma orientação equivocada.
— Essas foram mães que não cumpriram com seu papel.
— Está enganada, Elisa. Amaioria fez exatamente isso. Tentou cumprir seu
papel.
Entrou nas regras do mundo e não ouviu os próprios sentimentos.
Elisa fitou-a pensativa. Rosa prosseguiu:
— A superproteção e o mimo, tanto quanto o excesso de rigor, não educam.
Só acovardam, enfraquecem. O esquecimento de si mesmo apaga o brilho da
alma, turva a consciência.
— Você foi mãe dedicada. Eu tentei ser. Fiz o que sabia. Esqueci de mim,
coloquei minha família em primeiro lugar e deu no que deu.
— Tem razão, Elisa. Nós demos nosso melhor, fizemos o que sabíamos. Fui
uma mãe dedicada, como você, esqueci de mim. Quando cheguei aqui, não
sabia nada sobre mim.
Não conseguia perceber o que gostava, o que me fazia feliz. Recebi ajuda,
freqüentei grupos terapêuticos na tentativa de descobrir meu mundo interior.
Mudei minha maneira de ver a vida, Elisa, e você me ajudou muito.
— Eu?!! Como?
— Acompanhei toda sua vida conjugal. O nascimento de seus filhos, seu
relacionamento com Olívia, com Eugênio. Confesso que sofri muito,
porquanto via claramente você ir aos poucos se desvalorizando, perdendo o
brilho, tornando-se medíocre.
— Mãe! Você está me magoando! Rosa abraçou-a com carinho:
— Vim disposta a conversar com você sem rodeios. De certa maneira, sinto-
me um pouco responsável pelo que aconteceu. Fui eu quem colocou várias idéias erradas em sua cabeça. Foi na intenção de fazer o melhor. Depois, Elisa, esse comportamento é um círculo vicioso difícil de sair. Os conceitos com os quais eu
a eduquei, me foram ensinados por minha mãe. Se quisermos renovar nossas
vidas, compreender a verdade, precisamos ter a coragem de questionar o que
nos ensinaram, experimentando e analisando seus resultados.
— Mas você morreu antes de eu me casar. Não tem culpa nenhuma do que
me
aconteceu!
— Engana-se, Elisa. Eu sempre lhe dizia que a mãe precisa renunciar a tudo
pelo bem-estar da família. Lembra-se? Em nossa casa, tudo de melhor era para
seu pai. Eu as eduquei para que ele fosse o nosso Deus. Ninguém se atrevia a
discordar de nada do que ele dizia ou fazia. Sua vontade era ordem. Eu não
estava fisicamente lá, depois do seu casamento, mas minhas frases ainda
estavam vivas em sua cabeça, como regras de conduta. Você fazia igual a mim.
— Eu me orgulhava muito de fazer como você. Sempre a considerei uma
grande mãe.
— Nós não sabíamos como essa atitude era errada e perigosa.
— Você acha mesmo?
— Acho. No amor conjugai, a chama da atração precisa ser cultivada. A
admiração, a estima, o respeito são fatores importantes para isso. Quando você
apaga seu brilho tornando-se uma sombra sem vontade própria, destrói a atração
e mata o amor.
— É triste isso, mãe. Sempre pensei que quanto mais honesta, dedicada,
perfeita dona de casa e boa mãe eu fosse, mais o Eugênio me amaria. Pensei
que esse comportamento me valorizasse o bastante para ser amada para sempre!
Estava enganada! Fui traída, abandonada.
— Prova de que pensava de maneira equivocada. O que aconteceu com
Eugênio
poderia haver acontecido com você.
— Isso, não. Eu o amava sinceramente!
— Porque ele continuou se valorizando mesmo dando o conforto à família,
cuidando da sua aparência, do seu trabalho, enquanto você fazia o oposto.
— Agora vejo que ele não era um bom marido como eu pensava. Não se
preocupava com os filhos. Quando se apaixonou por outra, não hesitou em
abandoná-los.
— Foi você quem não lhe permitiu conviver mais com os filhos. Assumiu a
maternidade e não lhe deu espaço.
— Homem não tem jeito para essas coisas.
— Já esteve com ele depois da sua morte? Observou com que carinho e
dedicação ele tem cuidado das crianças?
— É, não teve outro remédio.
— Elisa, não seja tão resistente! Gostaria que quando você pudesse sair daqui, fosse residir em minha cidade. É um lindo lugar e somos muito felizes lá. Mas
para isso você vai precisar aprender algumas coisas. Aqui tem uma oportunidade
maravilhosa. Não deixe
que pensamentos negativos tomem conta de sua mente. Esforce-se para
mudar. Garanto que sua felicidade depende só de você.
— Mãe, estou intrigada com algumas visões que tive. Gostaria que me
esclarecesse.
Você conhece minhas vidas passadas?
— Um pouco.
— Diga-me: Olívia e Eugênio se amavam?
— Sim.
— Tem certeza?
— Você não se lembrou já?
— É que isso me pareceu tão disparatado, tão difícil de acreditar!
— Mas é verdade.
— O que mais você sabe que eu ainda não sei?
— Que seus filhos eram os filhos deles naqueles tempos.
— O quê? Meus filhos já foram filhos deles?
— De que se admira? A reencarnação é lei natural da vida. Elisa suspirou
pensativa.
Nunca imaginara tal coisa. Por isso, Olívia gostava tanto das crianças e elas a
adoravam.
— É difícil acreditar que Olívia, com aquelas idéias modernas de
independência, já tenha sido mãe.
— Todos nós já tivemos muitas experiências na Terra.
— Você sente culpa, porque eu a imitei. Acha que me educou errado. Não
concordo.
Olívia também foi educada por você e sempre foi muito diferente de nós
duas.
— O fato dela ter idéias próprias e não aceitar minhas sugestões, demonstra
que ela tem mais conhecimento, não se deixa levar pelas idéias dos outros.
Contudo, tanto meu desempenho como esposa e mãe quanto o seu, a
impressionaram de forma desfavorável.
Ela fecha o coração ao amor, teme o relacionamento mais sério.
— Vera me disse que ela ficou descrente do amor porque... Elisa deteve-se
sem coragem de continuar.
— Fale, Elisa. Não temos segredos entre nós.
— É que para mim é tão difícil... pensar que o Eugênio era seu marido e que
ele a traiu por minha causa... Às vezes penso que tudo isso é loucura.
— Não tenha medo da verdade, Elisa. Enfrente-a. Você ainda ama o Eugênio como antes? Ainda sofre por ele?
— Não. Quando vi como ele agia, tendo outras mulheres, me enganando todo
o tempo, me decepcionei. Agora, não sinto mais nada.
— Nem raiva?
— Nem raiva. Esse tempo passou. Agora pretendo cuidar
de mim. Estou só. Não posso voltar para meus filhos. Preciso ocupar-me.
Tenho medo da solidão.
— Você foi afastada de todos para aprender a olhar para si. Está na hora de
amadurecer, Elisa. De mudar, de crescer. De deixar comportamentos
inadequados que só resultam em dores e sofrimentos.
— É o que eles me dizem aqui. Já me matriculei em um curso. Vou aprender.
— Antes assim, minha querida. Estou preparando uma casa perto da minha
para você.
Quando puder ir, ficarei contente.
— Papai está lá com você?
— Não. Ele vive em outro lugar. Tem compromissos diferentes dos meus.
— Eu pensei que estivessem juntos!
— Não. Continuamos bons amigos, mas o casamento foi só na Terra. Acabou.
Pensamos de forma diferente. Nosso compromisso terminou no dia em que
morremos juntos, naquele desastre de trem.
— Aquilo foi horrível!
— Nós não sentimos nada na hora. Sequer nos lembramos como foi. Difícil
foi depois, aceitar a mudança, deixar vocês tão crianças, sozinhas no mundo.
— Foi como eu. Também fiquei desesperada.
— Nós não sabíamos que todos estávamos sob a proteção de espíritos
dedicados.
— Saber disso conforta. Agora também estou mais calma.
— Precisamos aprender a nos desapegar.
— É isso que não entendo. Dizem que precisamos amar e nos separam dos
entes queridos dizendo que temos que nos desapegar. Não é um contra-senso?
— Não, Elisa. Usar o amor como pretexto para nos agarrarmos às pessoas
que amamos é egoísmo. É disso que precisamos nos libertar. Na fase em que
estamos, é importante desenvolver a confiança na providência divina que
trabalha em favor de todos igualmente. É a falta de fé que nos dá insegurança,
medo do futuro, e nos faz pensar que, sem a nossa presença, nossos filhos estarão
em perigo. Creia, Elisa, muitos ficariam melhor sem os pais.
— Mãe! Não posso acreditar que esteja falando sério!
— Estou. Quando os pais são inseguros, transmitem seus medos aos filhos.
Tentam evitar que eles sofram o que temem, mergulham na superproteção. Com isso, impedem seu desenvolvimento, tolhem seu amadurecimento, tornando-os
incapazes e fracos.
— É por isso que você se acha culpada pelo que me aconteceu?
— Sim. Deus nos coloca no mundo para vivenciarmos experiências e
desenvolvermos nossa consciência. À medida que vamos nos tornando mais
lúcidos, conhecendo como a vida funciona, vamos nos tornando mais
responsáveis e mais felizes. Querer impedir esse amadurecimento, a pretexto de
evitar as lutas necessárias à conquista desses objetivos, é infelicitar ao invés de
ajudar. É por isso que você vê no mundo muitos filhos que foram superprotegidos
e tiveram tudo, voltarem-se contra os pais, procurando feri-los.
— O filho de Ágata. Lembra, mãe? Era rico, tinha o carro do ano, não
trabalhava, os pais faziam tudo que ele queria. Mas ele era revoltado, vivia
envergonhando os pais. Era um filho ingrato.
— Não era. Embora ele não estivesse consciente disso, seu espírito sabia que
estava sendo prejudicado pelos excessos dos pais. Odiava-os por isso. Reagiu de
forma errada.
O melhor teria sido sair de casa e tentar a vida por si mesmo, trabalhar,
cuidar de si.
Mas ele não tinha ainda amadurecimento espiritual para isso.
— Mãe, como seria bom que soubéssemos de tudo isso quando estamos no
mundo.
— É verdade. Nós estudamos antes de reencarnar, aprendemos muitas
coisas, o que já é um privilégio diante dos que ainda estão menos conscientes.
Mas quando vivemos no mundo, sofremos o assédio das energias de todos os que
lá vivem. Suas formas de pensamento, nos envolvem influenciando-nos
pesadamente. Mergulhados na mente social, nos esquecemos com facilidade do
que aprendemos aqui, impressionados com as aparências e os conceitos da
sociedade.
— Ao nascer na Terra, seria bom se não houvesse esquecimento do passado e
pudéssemos recordar claramente o que aprendemos aqui, e tudo quanto nos
aconteceu.
— Também já pensei assim, entretanto, Elisa, estava enganada. Primeiro,
porque esse esquecimento representa uma pausa, um descanso para nosso
espírito. Depois, porque atrapalharia muito nosso relacionamento com as pessoas.
Como seria sua vida se você soubesse que Olívia e Eugênio haviam se amado ?
— Não me teria casado com ele. Poderia ter tido um marido melhor e estar
lá, vivendo feliz com minha família.
Rosa sorriu e respondeu:
— Você diz isso agora. Mas o que faria da paixão que ele ainda lhe
despertava? Teria forças para renunciar, ou tornaria a fazer o que fez?
— Se no passado traí Olívia, agora não teria coragem para
isso. Eu mudei. Se soubesse do passado, não teria me envolvido com ele.
— Você não poderia, Elisa, resistir a força das coisas. Os três estavam unidos em um relacionamento inacabado. Presos uns aos outros por energias
conflitantes. Ninguém tem como fugir dos resultados de suas atitudes. Mesmo
que quisesse, não ia conseguir.
Creia, o esquecimento foi providencial. Primeiro, para fazer com que você e
Olívia se conhecessem melhor, longe dos ressentimentos passados, segundo, para
que os outros envolvidos também reciclassem os próprios sentimentos.
— Como assim? Que outros envolvidos?
— Suas atitudes no passado deixaram dolorosa marca na vida dos filhos de
Olívia e Eugênio. Reencarnando como seus filhos, eles também conheceram seu
lado amoroso e dedicado. Antes, eles faziam outra idéia a seu respeito.
Elisa sobressaltou-se:
— Eles souberam o que eu fiz?
— Sim. Quando você chamou Olívia e lhe fez a revelação dos seus amores
com
Eugênio, ela ficou muito revoltada. Não se lembra?
Elisa pensou na cena que presenciara quando chamara Olívia à sua casa e, de
repente, lembrou-se do que acontecera depois. Angustiada, reviu a revolta de
Olívia. Depois, a cena terrível com Eugênio, que a procurou criticando sua
atitude, dizendo-lhe que a desprezava. Ameaçara-a, prometendo vingar-se, caso
voltasse a ver qualquer membro da sua família.
Elisa, pálida, nervosa, disse:
— Mãe! Foi horrível! Eu me lembro! Como pude fazer isso? Caiu em soluços
e Rosa olhou-a séria ao dizer:
— Acalme-se. Isso foi há muito tempo. Já passou. Muita coisa mudou desde
aqueles dias.
— Os filhos deles, isto é... meus filhos... souberam a verdade?
— Souberam. Olívia tem gênio forte. Depois daquele dia, nunca mais quis
saber do marido. Ele tentou de todas as formas reconquistá-la, mas ela não o
perdoou. Viveu sozinha com os filhos. Eles a adoravam e deram-lhe razão.
Afastaram-se do pai com desprezo.
— E quanto a mim? Estou sentindo que eles também me odiaram.
— Eu não diria isso. Eles odiaram o que você fez.
— Estou me lembrando agora. Vivi muito infeliz o resto dos
meus dias. Sofri enorme depressão. Meus pulmões foram atingidos e morri
de
tuberculose.
— Você morreu sufocada pela tristeza e pelos remorsos. Eles foram
responsáveis pela sua doença nos pulmões.
— Você me ajudou, eu sei. Na Terra, dizem que quem morre, descansou, se libertou. Comigo não aconteceu isso. Continuei doente mesmo depois de morta.
— As impressões de sua culpa estavam muito vivas em sua lembrança. Elas
a impediam de se recuperar. Mesmo depois que Olívia a perdoou, se aproximou
de você e tentou ajudá-la, você custou a melhorar.
— É mesmo! Ela me visitou, disse que havia esquecido tudo. A princípio, eu
não acreditei, mas depois percebi que era verdade. Ela tinha uma energia
brilhante, e sua presença me fazia muito bem. Passei a admirá-la.
— Olívia é um espírito lúcido. Tem mais vivência do que nós. É por isso que
sempre teve muita ascendência sobre você.
— Mesmo depois de casada, eu não fazia nada sem perguntar a ela. Apesar
do que houve entre nós, continuo confiando nela.
— Olívia é verdadeira. Inspira confiança.
— Ela me perdoou, mas os filhos, não. Isso me incomodava muito. Naquela
reunião com Eugênio, onde ele também me perdoou, Olívia foi chamada,
lembra-se? Nosso terapeuta me aconselhou a reencarnar junto com eles. Fiquei
apavorada. Eugênio, ansioso para melhorar seu relacionamento com os filhos,
aceitou logo, com entusiasmo.
Ele pretendia provar-lhes seu amor e sua sinceridade. Nos disseram que isso
só poderia realizar-se se Olívia concordasse em reencarnar ao nosso lado. Eu
temia que ela recusasse. Mas ela concordou.
— Sabia que seus filhos precisavam dessa experiência. Eu reencarnei
primeiro, enquanto vocês ficaram se preparando.
— Mãe! Agora entendo por que eu me dediquei tanto a eles! Eu queria lavar
minha culpa! Provar-lhes que os amava. Porque eu os amo muito! Sinto que os
amo! Como não gostar de Marina, que embalei com tanto carinho? Do Juninho,
que me deu tantas alegrias com seu jeitinho carinhoso, e de Nelinha, de olhos tão
brilhantes e que se fixavam em mim com tanto amor?
Elisa soluçava dando vazão aos seus sentimentos. Rosa levantou-se e abraçou-
a com carinho.
— Eu entendo, querida. Não chore mais. Agora, o passado está morto. Assim
como você os ama, eles também aprenderam a
amá-la. Você os conquistou. Eles conheceram seus sentimentos, sua
capacidade de amar, e verão você como é, e não pelo que fez, ou foi.
Elisa suspirou profundamente. Depois disse:
— Mãe, agora que descobri a verdade, tudo farei para ajudá-los. Meu amor
por Eugênio não era verdadeiro. Eu sei. Ele é muito diferente de mim. Hoje não
gostaria de viver com ele. Me sentiria melhor se pudesse apagar definitivamente
o passado. Repor as coisas nos devidos lugares. Devolvê-lo a Olívia.
— Esse é o seu desejo. Não sei se ela quer. Me parece bem, do jeito que está.
— Se estivesse bem, não estaria sem amor. Por que ela não tem ninguém?
— Essa é uma boa pergunta. Pelo que sei, depois do casamento com Eugênio, nunca mais se uniu a ninguém. Viveu muitos anos aqui, sempre avessa a qualquer relacionamento.
— Aqui também podemos encontrar o amor?
— Não se lembra? Aqui é a vida maior. Os sentimentos são muito valorizados.
Todos podemos amar livremente. Há pessoas que vivem muito felizes juntas.
— Será que a desilusão que sofreu com Eugênio não está ainda escondida no
coração de Olívia? Será que ela ainda não o esqueceu?
Os olhos de Rosa brilharam maliciosos quando disse:
— Quem sabe? Só o tempo vai dizer.
— Talvez o Vítor possa nos ajudar quanto a isso. Vera disse que se eles se
casassem, a solução seria perfeita.
— Vítor não interfere na vida de ninguém.
— Pois eu estou começando a gostar dessa idéia. Dessa forma, estaria unindo
aqueles a quem separei.
— É um bom projeto. Mas, ninguém pode manipular a vida. Ela sempre
decide o que é melhor. Cuide de você, faça seus cursos, esforçe-se para
aprender, e o resto virá com o tempo. Agora preciso ir. Voltarei breve. Se quiser
falar comigo, basta pensar em mim.
Elisa levantou-se e abraçou a mãe com carinho.
— Obrigada, — disse — você me ajudou muito. Contar com sua amizade é
uma grande graça.
Rosa beijou-a na face, olhos brilhantes, e disse alegre:
— Cuide-se bem.
Saiu rapidamente. Elisa foi à janela e ficou emocionada, olhando até seu
vulto desaparecer em um dos portões do jardim.
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A VERDADE DE CADA UM
SpiritualEste livro trata-se de um romance espírita. Eu estava lendo e particularmente estou adorando o livro. Na história Elisa é casada com Geninho e eles tem 3 filhos. Um dia Geninho aparece em casa e diz que está indo embora e que não a ama mais. Porém...