Capítulo 21

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Eugênio estugou o passo, estava atrasado.
Ele finalmente havia conseguido contratar uma senhora para passar a noite
com as crianças.
Sentia-se particularmente feliz nesse sábado. Depois da morte de Elisa, era a
primeira vez que podia sair à noite sem hora para voltar. Convidara Lourdes para
o teatro e um jantar em um restaurante elegante. Depois, quem sabe, o tão
sonhado momento de amor.
Queria que aquela noite fosse perfeita. Havia caprichado na elegância e
antegozava o prazer daquele encontro. Aquele namoro, que a princípio fora um
passatempo, ganhara força, e ele sentia-se apaixonado por ela.
Naqueles dois anos de viuvez, aprendera muito sobre o casamento.
Reconhecia que havia negligenciado, envolvendo-se com outras mulheres, não se
aproximando dos filhos. Percebeu também que escolhera mal a mulher para
casar-se. Reconhecia que era de temperamento romântico, apaixonado, ardente.
Elisa, calma, pacata, disciplinada e passiva estava longe de satisfazer suas
necessidades. Apesar de reconhecer suas qualidades de bondade, honestidade,
(dedicação, sabia que era preciso algo mais para alimentar a chama do amor.
Parecia-lhe ouvir a voz de sua mãe aconselhando:
— Pode ter muitas aventuras, meu filho, você é homem! Mas na hora de se
casar, precisa encontrar uma mulher honesta, obediente, bondosa, recatada. É
preciso cuidado para escolher a mãe dos seus filhos!
Ao conhecer Elisa, pensara haver encontrado essa mulher ideal para o
casamento. Ela tinha todas as qualidades necessárias, além disso, era bonita, e ele
se apaixonou.
Agora, porém, pensava muito diferente. Apesar de apreciar « liberdade,
Eugênio gostava da vida em família. Sentia prazer ao
chegar em casa e abraçar os filhos, ouvindo-os tagarelar alegremente sobre
os acontecimentos do dia. Marina carregava sua pasta colocando-a no escritório,
enquanto Nelinha ia buscar seus chinelos, e Juninho, fazendo-o sentar-se no sofá,
tirava seus sapatos. Depois, Nelinha sentava-se em seus joelhos, e Marina trazia-
lhe um copo de suco de laranja ou de água gelada.
O carinho deles o encantava e por mais que desejasse sair e usufruir de mais
liberdade, era com muito prazer que ia para casa. Embora Marina fosse
reservada, ele percebia que ela perdera a animosidade e aproximava-se dele
com naturalidade. Ele a tratava com respeito e carinho. O que ele mais desejava
era que um dia ela o amasse tanto quanto os outros dois.
Reconhecia que a influência de Olívia fora decisiva para essa mudança de
Marina. Sua cunhada estava muito diferente. Já não o agredia como antigamente e até o tratava com certa delicadeza. Ela e Amaro não se largavam; ele andava
desconfiado de que eles estavam namorando. Quando mencionava isso ao
amigo, ele sorria dizendo:
— Eu e Olívia somos bons amigos.
— Não sei, não. Andam sempre juntos! Para mim, isso é sintomático.
— Você só se aproxima de uma mulher quando o interessa!
— É verdade. Mas apesar dos nossos desentendimentos, posso enxergar que
ela é uma bela mulher.
— Tem razão. Bela, inteligente, lúcida.
— Pena que seja tão fria. Amaro sorriu:
— Bem se vê que não conhece Olívia! Sobre aquela discreta aparência,
esconde-se um vulcão.
Eugênio sorriu:
— Bem me pareceu que estava apaixonado por ela! Só assim pode ver essas
qualidades nela.
— Para dizer a verdade, se ela me quisesse, eu seria o homem mais feliz do
mundo.
— Eu não disse? Já se declarou?
— Ela não me ama. Posso perceber isso.
— Se você a quer, não custa tentar.
— Para afastá-la e perder sua amizade? De forma alguma. Independente
dessa minha fraqueza, sua amizade é muito importante para mim. Não desejo
perdê-la.
— Olívia mudou muito desde que o conheceu. Deixou de me hostilizar, ficou
mais compreensiva, cooperativa com os problemas
da família. Eu gostaria muito que vocês se casassem. Talvez com isso ela se
humanizasse.
— Você está enganado com relação a ela. Não é uma mulher passiva. É forte
e encara os problemas de frente. Mas é humana, sencível. Não se esqueça que
quando Elisa morreu, foi ela quem o ajudou a solucionar os problemas
decorrentes.
— Quanto a isso, tem razão. Eu estava tão chocado, tão perturbado, que não
sei o que teria sido de mim e das crianças sem a ajuda dela. Mas isso não muda
seu temperamento arredio, orgulhoso. Quando Elisa era viva, vivia falando mal
de mim, aconselhando-a a ME desafiar, a se rebelar contra mim.
— O tempo acabou mostrando que ela estava certa.
— Você também?
— Ela percebeu que vocês não eram felizes, embora aparentassem. Alertavaa irmã a que mudasse a maneira de agir, cuidasse mais de si mesma. Ela sabiaque você saía com outras mulheres, como acha que se sentia? Apesar deconhecer suas aventuras extraconjugais, nunca contou nada à irmã.
— Por que não queria dar-lhe esse desgosto. Naquele tempo, se ela pudesse,
teria nos separado.
— Pode ser. É que ela via que vocês não eram feitos um para o outro. Afinal,
por que a critica? Você não chegou à mesma conclusão depois? Não desejou a
separação?
Eugênio não se deu por vencido:
— E você viu no que deu. Seja como for, Olívia agora está mais cordata. Não
implica comigo como antes.
— Você não foi o marido que ela sonhou para Elisa. Vocês nunca foram
amigos. Ela não o conhecia intimamente. Suas atitudes com a família a
irritavam. Achava que você abusava da ingenuidade de Elisa, enganando-a com
outras mulheres, não lhe dando o conforto que podia.
— Olhando as coisas desse modo, posso até entender. Por que será que agora
ela mudou?
— Porque você também mudou. Assumiu com dignidade suas funções de pai
e tem se esforçado para fazer seus filhos felizes. Ela os adora. Quando fala neles,
seus olhos brilham e seu rosto se modifica.
— Mas quando Elisa morreu, não quis tomar conta deles. Se gostasse tanto
como você diz, teria ficado com eles. Cheguei a propor para que viesse morar
aqui em casa e eu me mudaria, pagaria todas as despesas, mas ela disse que os
filhos eram meus e eu é que deveria cuidar deles.
— No que ela estava certa. Você ganhou com isso. Seus filhos aprenderam a
amá-lo e, pelo que observei, até Marina está mais cordata.
— Ela não fez isso para me ajudar. Ao contrário. Jurou que se vingaria e que
eu nunca mais seria feliz!
— Ela disse isso em um momento de dor. Nunca seria capaz de fazer nada
contra você.
— Pelo jeito, você a considera muito.
— É verdade. Pena que você não a tenha conhecido melhor. É uma mulher
excepcional.
Ele riu malicioso:
— Você está caidinho! Para enxergar isso em Olívia, é preciso mesmo muita
boa vontade.
Lourdes já o esperava e foram apressados para o teatro. Eugênio parecia
outra pessoa, alegre, descontraído, bem-disposto. Lourdes olhava-o embevecida.
Ao saírem do teatro, ela comentou:
— Como você está bem! Parece até que remoçou!
— Estou muito feliz nesta noite. Desde que Elisa morreu, é a primeira vez queme sinto assim. Minha vida agora parece estar voltando ao normal.
— A alegria faz bem à alma. Se as pessoas soubessem disso, nunca se
entregariam à tristeza.
— Há momentos na vida que não dá para sentir alegria. Mas como tudo
passa, hoje estou muito feliz. Desejo que esta noite seja maravilhosa. A seu lado
tudo fica mais bonito.
Ela sorriu feliz. Para completar a noite, ele reservara mesa para jantar em
uma boate.
Pretendia pedir a Lourdes que se aproximasse mais das crianças. Queria que
elas a conhecessem melhor. Quando estivessem se entendendo, poderiam pensar
em
casamento. Pensava sinceramente que Lourdes tinha todas as qualidades e
juntos seriam felizes.
O ambiente era requintado e a orquestra tocava uma música romântica.
Eugênio, satisfeito, experimentou o vinho e depois do garçom encher os copos,
fez um brinde:
— Ao nosso futuro!
— De felicidade, alegria e amor! — completou ela levantando o copo e
tocando delicadamente o copo dele.
Enquanto esperavam o jantar, foram dançar. Eugênio adorava dançar e era
exímio dançarino. Só pararam quando o jantar foi servido.
— Há quanto tempo não me divertia tanto! — disse ele alegre. — Parece
mentira que estou aqui e que o pesadelo acabou.
Antes que Lourdes respondesse, Eugênio, surpreendido, olhou para a porta
principal.
Amaro e Olívia acabavam de entrar e y enduzidos a uma mesa, sentaram-se.
— Não é sua cunhada?
— É. Com meu amigo Amaro. Ele está apaixonado por ela.
— É uma mulher muito bonita!
— Bonita, mas sem graça.
— Você diz isso porque não se dá bem com ela.
— Isso já passou. Agora ela está mais cordata. Percebeu que eu não sou tão
ruim como ela imaginava.
— Vocês agora são amigos?
— Amigos, amigos, não. Mas podemos conviver sem brigar.
— Você ainda guarda ressentimentos.
— De forma alguma.
— Amaneira como fala dela mostra que não esqueceu.
— Você está enganada. Para mostrar que não guardo nenhum rancor, vou
convidá-los à nossa mesa.
Chamou o garçom e mandou que ele os convidasse. Apesar da pose, Eugêniosentiu-se um pouco ansioso enquanto esperavam. E se Olívia recusasse? Nessecaso, ele estaria bem, ela é que Passaria por antipática.
Vendo-os levantar, sentiu-se particularmente envaidecido. ela havia aceito.
Levantou-se delicadamente quando se aproximaram, cumprimentando-a
educadamente:
— Como vai, Olívia? Esta é Lourdes, acho que já se conhecem.
— Bem. Já nos vimos, sim. Como vai, Lourdes? Depois de se acomodarem,
Olívia disse com delicadeza:
— Vocês já estão jantando. Continuem, por favor. Nós pedimos agora, temos
mesmo que esperar.
— Não sabia que freqüentava esta boate — disse Eugênio a Amaro.
— Temos vindo aqui algumas vezes. A comida é excelente e a música,
maravilhosa.
Olívia adora este lugar.
— Depois de dois anos, é a primeira vez que saio para me divertir. Finalmente
encontrei uma senhora muito boa, que ficou com as crianças — explicou
Eugênio olhando furtivamente para Olívia. Não queria que ela pensasse que ele
havia deixado as crianças sozinhas.
Enquanto esperavam pelo jantar, Amaro convidou Olívia para dançar e
Eugênio, curioso, disfarçadamente os observava. Nunca imaginara que sua
cunhada gostasse de dançar e que o fizesse
tão bem. Era surpreendente seus olhos brilhantes de prazer, sua elegância e
leveza.
— Você ficou tão calado! — tornou Lourdes. — A presença de sua cunhada o
entristeceu? Trouxe recordações do passado?
Eugênio sacudiu a cabeça negativamente:
— Não. O que houve com Elisa foi doloroso, mas já esqueci.
— Você estava tão alegre e agora ficou pensativo... Ele sorriu ao responder:
— Continuo alegre. Estava observando Olívia. Nunca pensei que ela soubesse
dançar. É
a primeira vez que nos encontramos em uma boate.
— Ela dança divinamente! Dá para entender por que Amaro está apaixonado
por ela!
— É. Eles estão se divertindo. Quer dançar?
Apesar do ar despreocupado, Eugênio não conseguia desviar a atenção de
Olívia.
Percebeu como a presença dela atraía a atenção masculina por onde
passava.
— Isso é porque não a conhecem! — pensava ele, irritado. Disposto a
aproveitar aquela noite, Eugênio disfarçava a irritação, mostrava-se alegre e
espirituoso.
— Eugênio me disse que você freqüenta um Centro Espírita e o convidou —
disse Lourdes dirigindo-se a Amaro.
— É verdade, mas ele não vai.
— Eu gostaria de ir.
— É um lugar muito bom — aduziu Olívia com entusiasmo. — Tenho
aprendido muito lá.
— Nasci em uma família espírita. Sou do interior. Na minha cidade,
freqüentava um Centro muito bom. Mas depois que vim morar em São Paulo,
não encontrei o meu lugar. Isto é, um lugar onde eu me sinta ligada
espiritualmente.
— Isso é fundamental — esclareceu Amaro. — Cada Centro Espírita tem um
grupo de espíritos que o dirige no astral. Quando você encontra aquele ao qual
estava convivendo no astral antes de reencarnar, a ligação é imediata e
prazerosa.
— Eu me sinto muito bem naquele centro — disse Olívia. — Quer dizer que
sou ligada àquele grupo de espíritos que estão lá?
— Com certeza. Às vezes, a pessoa fica algum tempo freqüentando um
Centro para aprender o que precisa, mas depois sempre acaba buscando seu
grupo de afinidade. É lá que se sentirá realizada.
Eugênio ouvia contrariado. Queria se divertir e não falar de
espíritos. Várias vezes ensaiou uma frase para dizer, mas os três estavam tão
interessados no assunto que conversavam, que ele não conseguiu.
— Faz tempo que você está freqüentando o Centro? — indagou Lourdes,
interessada.
— Quase um ano. A princípio fui lá na esperança de receber alguma
mensagem de Elisa.
— E recebeu? — indagou Lourdes.
— Infelizmente, não. Mas tenho estudado o assunto e sei que Isso não
depende de nós, mas deles. Se Elisa pudesse se comunicar comigo, já o teria
feito.
— Vocês estão se iludindo — tornou Eugênio procurando dissimular a
irritação. — Ela está morta e nunca mais voltará para falar com ninguém!
— Você não está dizendo a verdade! Eu a vi naquela tarde no carro, lembra-
se?
Eugênio remexeu-se na cadeira contrariado. Sentia-se nervoso com aquele
assunto. Ia responder, mas Amaro não lhe deu tempo e perguntou:
— Pode descrever o que aconteceu?
— Posso. Foi tão forte que fiquei impressionada por vários dias. Bem... — ela
calou-se embaraçada olhando para Olívia.
— Pode falar — disse Amaro com firmeza. — Olívia vai entender.
— Claro! — tornou Olívia, interessada. — Finalmente notícias de Elisa! Seja
lá o que for, quero saber.
Ignorando o olhar furioso de Eugênio, Lourdes explicou:
— Nós estávamos namorando no carro. Sabe como é. Como o Eugênio precisa ir para casa antes das oito, costuma ir buscar-me no trabalho. Ele estava
particularmente amoroso naquela tarde e, então, quando me beijava, começou a
passar mal.
Empalideceu, faltou-lhe o ar, parecia que ia desmaiar. Foi aí que eu a vi,
furiosa, ameaçadora, apertando o pescoço dele. Comecei a rezar, chamei meus
guias espirituais, e ela o largou, mas me fixou bem e com tal ódio que parece-me
vê-la ainda.
— Você a conhecia? — indagou Amaro.
— Bem, certa vez, há muitos anos eu a vi com Eugênio. Você sabe que
Eugênio e eu tivemos alguns encontros sem maiores conseqüências.
— Você a reconheceu? — indagou Olívia.
— Estava muito diferente, mas eu senti que era ela! Vestia um vestido de
bolinhas verdes e tinha uma ferida na testa. Deduzi
que fora do acidente.
Olívia ia retrucar, mas calou-se. Era verdade. Mesmo a tendo conhecido,
como Lourdes podia saber o vestido com o qual ela fora enterrada e
principalmente a marca em sua testa? Amesma descrição de Nelinha! Suspirou
preocupada. Olhou para Amaro
esperando suas palavras.
— Era ela — disse ele convicto. — Eu já pressentia que ela não havia se
conformado com sua situação, agora estamos vendo que é verdade. Eu bem
havia dito a você, Eugênio, que deveria ir ao Centro conosco.
— E essa agora? Vim aqui para divertir-me, esquecer as mágoas e vocês
ficam falando dessa tragédia? Acham que é justo isso? — reclamou Eugênio,
agoniado.
Olívia olhou-o com tristeza dizendo:
— Desculpe se estamos estragando sua noite. Mas deve convir que ter
notícias de Elisa é muito importante. Nós não planejamos nada. Nos encontramos
aqui, talvez com a ajuda de Deus para que eu pudesse pelo menos saber alguma
coisa sobre ela. Você não se preocupa em saber como ela está, depois de tudo?
Nunca se perguntou como ela estaria enfrentando a saudade dos filhos, a
mudança, sua vida truncada de forma tão violenta? — Olívia falava com emoção
e Eugênio, fitando-a, percebeu o brilho das lágrimas em seus olhos.
— Eu não me pergunto nada. Não creio que ela continue vivendo em outro
mundo. Não quero me atormentar com essas idéias — disse ele.
— Como pode ser tão resistente? — retorquiu Olívia. — As provas de que ela
continua existindo estão se avolumando a sua volta. Por que se nega a vê-las?
Tem medo que ela venha cobrar-lhe alguma coisa? É o peso de sua culpa que oestá perturbando?
Eugênio olhou-a firme nos olhos. Até quando Olívia o culparia pela morte deElisa?
Respondeu com voz firme:
— Se existe uma culpa, foi a de não ter sido experiente o bastante para casar
com ela.
— Pretende ofendê-la até agora? — retrucou ela com voz dorida.
— Não. O que eu quero dizer é que só agora, tarde demais, reconheço que
nosso casamento foi um erro. Elisa tinha todas as virtudes e qualidades, mas não
era a mulher adequada ao meu temperamento. Juntos, nunca seríamos felizes.
Éramos muito
diferentes um do outro. Cedo ou tarde nossa união acabaria.
— Sempre achei isso mesmo! — concordou Olívia com tristeza.
— Eu sempre soube que um dia ainda se separariam.
— Nesse caso, por que me culpa? Fui sincero. Quando percebi que não a
amava mais, me separei. E deu no que deu. Nunca pensei que isso pudesse
acontecer. Achei que com o tempo ela esqueceria e acabaria encontrando outra
pessoa que a pudesse fazer feliz como merecia. Era isso o que eu queria. O
acidente não foi culpa minha!
Lourdes, preocupada, colocou a mão no braço de Eugênio dizendo:
— Sinto muito. Lamento haver tocado nesse assunto.
— Chega de tristeza — disse Amaro. — Essa tragédia já foi. Passou. Não
vamos voltar atrás. Acabou. Vocês sabem que ninguém tem culpa de nada. A
vida joga com as pessoas e sabe o que está fazendo. Ela quer que todos
aprendam a viver melhor. Apesar do que passaram, vocês dois aprenderam
muitas coisas com essa triste experiência.
Vamos olhar só o que foi positivo. O resto está nas mãos de Deus.
— Pensei que houvesse esquecido, mas parece que tudo conspira para que eu
me lembre — reclamou Eugênio.
— Amanhã poderemos voltar ao assunto. Porém, hoje é noite de alegria.
Viemos aqui nos divertir. Vamos dançar, Olívia.
Olívia se entristecera e havia mil perguntas que gostaria de fazer a Amaro
sobre Elisa.
Mas entendia os sentimentos de Eugênio. Ele estava se esforçando para fazer
sua parte com a família. O momento não era propício para falar sobre a
tragédia. Levantou-se sorrindo, procurando retomar a alegria de momentos
antes.
Observando-os, Lourdes convidou:
— Vamos dançar? Eugênio pareceu não ouvir:
— Você viu como ela me detesta? Não perde chance para me culpar. Essa
mulher me odeia! Ela nunca me perdoará!
— Você exagera. Havia tristeza em seus olhos, não ódio. Ela não o odeia.
Ama a irmã e fica triste quando se recorda do que aconteceu.
— Você não precisava falar do que viu.
— Senti vontade de contar. Era importante para ela saber. Assim poderá
ajudar o espírito de Elisa. Sei que ela ainda não está bem. Se você acreditasse,
seria tão bom!
Poderia contribuir para que ela melhorasse e, então, teria condições de
resolver os problemas de sua vida.
— Você insiste...
— Porque gosto de você. Sei que não conseguirá refazer
sua vida amorosa enquanto não esclarecer o espírito dela. Ela não deseja que
ninguém se aproxime de seus filhos e tudo faz para impedir que você se case
novamente. Sem que ela mude de idéia, você não vai conseguir ser feliz!
— Você diz isso com tanta firmeza! Acredita mesmo no que está afirmando?
— Claro. Eu a vi e senti sua revolta, sua raiva. Sei o que estou dizendo. Ela
está comandando a sua vida e da família. Você só vai conseguir fazer o que ela
deixar.
— Elisa não era mandona. Mesmo que fosse verdade o que você diz, ela
nunca faria isso comigo. Sempre foi obediente, passiva.
— Isso era antes dela passar pelo que passou. Agora está revoltada. Além
disso, tem medo que você se case e que a sua esposa maltrate as crianças.
— Isso eu nunca permitiria!
— Nós sabemos disso, mas ela não sabe. Depois do que aconteceu, não
confia mais em você. Já pensou que ela agora pode ler seus pensamentos, ver
onde você vai e com quem se relaciona?
Eugênio remexeu-se na cadeira.
— Isso é horrível! Deus não permitiria essa invasão. Não posso crer!
— Por mais que pareça estranho, é verdade. Um espírito pode nos observar,
ler nossos pensamentos sem que percebamos. Elisa pode estar acompanhando
todos os seus passos e saber tudo que você faz.
— Eu não faço nada de mais. Mas me incomoda pensar que alguém possa
estar me vigiando. É difícil de acreditar!
— Você pensa assim, porque nunca se interessou em estudar esses assuntos.
Se o tivesse feito, teria outra opinião. Eu comecei a ver os espíritos desde criança.
Pensava que todas as pessoas pudessem vê-los de vez em quando, como eu.
Minha mãe,
assustada a princípio, passou a freqüentar um Centro Espírita e aceitou minha
mediunidade de forma natural. Quando descobri que nem todos podiam ver o
que eu via, ela me ajudou a compreender, ensinando-me a disciplinar minha
sensibilidade.
Enquanto morei na minha cidade, freqüentei esse Centro e aprendi muito.
Presenciei fatos interessantes, comprovei a sobrevivência do espírito depois damorte e sei que eles podem se comunicar conosco.
— Seja sincera, você acredita mesmo que a vida continua depois da morte? Que Elisa continua viva em outro lugar?
— Tenho certeza disso. Eu a vi. Quer maior prova?
— Você não estaria sugestionada pelo fato de estar namorando
com um viúvo?
— De forma alguma. Depois, como eu podia saber o vestido que ela usava e
a
localização do seu ferimento?
— Isso me intriga. Será que não foi por telepatia? Eu sabia como ela estava, e
você pode ter captado isso do meu inconsciente.
— Por que você complica tanto um fato tão simples? De que forma eu iria
tirar do seu inconsciente uma imagem da qual você nem se recordava naquele
momento? Você estava me beijando pensando nela?
— Isso não. Você sabe que nos últimos tempos, Elisa era como uma irmã
para mim. Eu não sentia atração por ela como mulher. Naquela hora, eu só via
você em minha frente!
— Convença-se de que era ela mesma! Estava com raiva e queria nos
separar. Ela gostava de você. Como pensa que reagiria vendo-nos namorar?
Eugênio remexeu-se na cadeira.
— E. Se ela visse, acho que ficaria com raiva mesmo.
— Seria natural. Ela estava se julgando traída.
— Você fala dela como se estivesse mesmo viva!
— E ela está. Convença-se disso de uma vez.
— Não é fácil. Quando penso nisso, sinto um arrepio pelo corpo. Não sei
como vocês podem falar de gente morta com essa naturalidade.
Lourdes sorriu.
— Por que não? Morrer é natural neste mundo. Todos nós morreremos um
dia. Bom é saber que a morte não é o fim e que vamos continuar vivendo em
outro mundo. As pessoas que amamos e que morreram, simplesmente foram
para outro lugar e um dia ainda nos encontraremos novamente. Não é
maravilhoso?
— Visto dessa forma, pode ser. Mas como ter certeza? Como saber se isso é
verdade?
—Interessando-se em estudar os fatos. Pesquisando. Experimentando. Olívia
está fazendo isso e você mesmo disse o quanto ela mudou a maneira de ser.
— É. Mudou. Mas ainda continua com raiva de mim. Viu como me culpa?
— Ela continua sofrendo pela morte da irmã. Pelo que sei, não tinha mais
ninguém no mundo.
— Isso não lhe dá o direito de me crucificar.
— Não seja tão dramático. Pelo que sei, ela o tem ajudado com as crianças.
— Você fala como Amaro. Não sei por que vocês vão sempre
a favor dela. Ele ainda está apaixonado por ela, mas você...
— Eu me interesso pela sua felicidade e pelo seu bem-estar. Vamos esquecer
esse assunto. Não quer dançar?
Eugênio ia retrucar, mas mudou de idéia. Pretendia se divertir. Esquecer.
Retomar a mesma alegria de antes. Levantou-se prontamente dizendo:
— Isso mesmo. Vamos nos divertir.
Não voltaram a comentar o assunto. Passava das três quando Olívia e Amaro
se despediram:
— Amanhã à tarde pensei em ver as crianças — tornou Olívia. —Vocês vão
sair?
— Vou levá-los almoçar fora, mas depois das três estaremos em casa.
— Está bem. Irei vê-los. Até amanhã — e dirigindo-se a Lourdes: — vou ao
Centro às quintas-feiras. Gostaria que você fosse nesse dia para nos
encontrarmos. Alguma coisa me diz que você indo, teremos notícias de Elisa.
— O melhor seria o Eugênio ir — respondeu ela.
— Seja como for, você está ligada a ele. Sua presença pode ajudar.
— Está bem. Irei.
Despediram-se e apesar de esforçar-se para divertir-se, Eugênio não
conseguiu. Era muita falta de sorte haver encontrado Olívia logo na primeira
noite de liberdade.
Contrariado, esqueceu completamente suas pretensões com Lourdes. Aquela
noite que ia ser motivo de comemoração, onde ele pretendia fazer planos para o
futuro, tornara-se uma noite comum e sem importância. Fazendo imenso esforço
para manter a aparência de alegria, Eugênio dançou mais um pouco, bebeu mais
vinho, mas não conseguiu fazer a alegria voltar.
No carro com Amaro, Olívia não se conteve:
— Agora podemos falar sobre Elisa. Acha que ela está mal como Lourdes
viu?
— Eu sabia que ela estava seguindo Eugênio. Falei com ele, pedi que tomasse
providências. Mas ele não acreditou.
— O que podemos fazer para ajudá-la? Fico angustiada ao pensar o quanto
ela pode estar sofrendo.
— Não entre nesse tipo de energia. Se quer ajudá-la, precisa ficar calma e
confiar em Deus.
— O que posso fazer? Rezar? !
— Se isso a conforta, reze. Penso que não deve preocupar-se. Ela está sendo
ajudada pelos nossos amigos espirituais. Eles têm
SEUS próprios métodos. E eu garanto que são muito mais eficientes do que os
nossos.
— Tem certeza de que eles a estão ajudando?
— Tenho. Amílcar está tomando conta dela.
— Por que nunca me contou nada?
— Para não preocupá-la. Ele me disse que ela se envolveu com um grupo de
espíritos justiceiros, provavelmente na tentativa de vingar-se de Eugênio.
— Elisa não era vingativa!
— Ela mudou. Foi vista perseguindo o Eugênio.
— Por que não a levaram ao Centro para receber ajuda?
— Ela tem medo de ir.
— Gostaria tanto de falar com ela, saber como está, o que tem feito!
— Confie e espere. Ainda vai ter notícias dela.
— Quando?
— Quando for oportuno. Tudo acontece da maneira certa, na hora que tem
que ser.
— Fico ansiosa! Você acha que o Eugênio está apaixonado pela Lourdes?
— Parece que sim. Faz tempo que só sai com ela. A Lourdes é uma moça
boa. Daria excelente mãe para as crianças.
Olívia sobressaltou-se:
— Ele está pensando em casar?
— Por que se admira? Seria uma ótima solução para ele.
— Ainda é muito cedo.
— Eu não acho. Faz dois anos que está viúvo. Tenho a impressão de que você
não concorda que ele se case novamente.
— Não é bem isso. Tenho dúvidas a respeito. Como as crianças a
receberiam? Não estão preparadas para aceitar outra mulher em lugar de sua
mãe. E depois, tem Elisa. Se ela estiver mesmo seguindo Eugênio, vai sofrer
muito vendo-o casar-se com outra.
Chega já o que sofreu com sua traição. Ele não a respeitou quando viva, pelo
menos que a respeite depois de morta!
Amaro meneou a cabeça negativamente:
— Você está enganada, Olívia. Ele tem todo direito de reconstruir sua vida e a
de sua família. Elisa é que tem de entender que não pode intervir na vida dele.
— Ela vai ficar preocupada com os filhos!
— Terá que abrir mão deles. A vida determinou a separação. Pode ser duro,
mas ela terá que compreender que não tem o direito de intervir, a não ser para
dar-lhes amor e bem-estar.
— Elisa era muito agarrada a eles. Sempre quis fazer tudo. Quando eles eram
pequeninos, eu queria ajudar, ela não deixava.
— Talvez por isso hoje esteja aprendendo a lição do desapego. Lembre-se,
Olívia, que ninguém é de ninguém. Será muito bom para ela entender isso.
— Vai ser difícil. Agora entendo o que Lourdes quis dizer. Ela deve mesmo
estar com raiva e com ciúmes.
— Procure não se envolver tanto com as emoções dela. Podem afetar seu
equilíbrio. Se deseja ajudá-la, precisa estar bem.
— Eu deveria estar contente por haver obtido notícias de Elisa. Contudo, não
sei por que, sinto-me inquieta, angustiada. Triste. — Suspirou fundo e prosseguiu:
— Não gosto de me sentir assim.
— Você entrou demais nas energias de Eugênio e de Elisa. Ao chegar em
casa, faça uma meditação, reze, peça ajuda aos amigos espirituais. Entreguesuas preocupações nas mãos de Deus e trate de esquecer esse assunto.
— Está bem. Farei isso.
Chegando em casa, Olívia tomou um banho e preparou-se para dormir.
Estendida no leito, procurou relaxar. Rezou pedindo ajuda para Elisa, para ascrianças e para Eugênio.
Temia que ele se casasse e as crianças viessem a sofrer com isso. Fez tudo
quanto Amaro recomendou, mas não se sentiu melhor.
Mil pensamentos tumultuavam sua cabeça, e o dia já havia amanhecido detodo quando ela, cansada, finalmente conseguiu adormecer.

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